ORGANIZAÇÃO POPULAR

Na Comuna El Maizal, 4,5 mil famílias constroem projeto socialista para Venezuela

Criada em 2009 de uma ocupação de terras, El Maizal produz 2 mil toneladas de milho ao ano com base no trabalho coletivo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Com apoio de militantes do MST, a Comuna El Maizal produz sementes crioulas de milho para distribuir em nível nacional - Comuna El Maizal

"Comuna ou nada", dizia o ex-presidente Hugo Chávez. Para ele, esse era o caminho para a Revolução Bolivariana. E a palavra do comandante se faz realidade na Comuna El Maizal, a maior experiência de propriedade comunal da Venezuela.

Há 12 anos, no interior do país, entre os estados de Lara e Portuguesa, cerca de 4,5 mil famílias vivem e produzem alimento saudável de maneira totalmente coletiva. A terra foi fruto de uma ocupação em 2009 que garantiu o lote para a reforma agrária.

"Chávez promovia uma nova geometria do poder que a institucionalidade não permitia, dizia que era ilegal, mas para nós a palavra do comandante é lei e por isso aqui assumimos esse formato de comuna. E temos uma comunidade que ao invés de estar separada por visões diferentes, está unida em torno de uma luta, de um projeto", lembra Angel Prado. 

Com jornadas de trabalho de 6h diárias, 180 comuneiros são responsáveis pela manutenção de 14 empresas de produção social fundadas pela Comuna. Além do milho, café, leguminosas e hortaliças, os agricultores também processam farinha de milho e produzem leite, queijo e carne com bovinos e suínos. 

"Nossa história está vinculada ao cultivo. Nossas primeiras sementes foram entregues pelo presidente Chávez durante uma visita. Plantamos 150 hectares de feijão e depois ele voltou para conferir a produção. Desse cultivo, nasce a empresa Ezequiel Zamora, que é de mecanização e cultivo. É a empresa que desde 2010 nos gera mais excedente e nos permitiu crescer internamente, assim como atender socialmente as comunidades que estão dentro da comuna", relembra a comuneira Jennifer Lamus.


Maizal significa milharal, que representa a base da produção da comuna e da alimentação dos venezuelanos / Comuna El Maizal

Neste ano, a Maizal cultivou 300 hectares de milho, mas em todo o país há cerca de 1100 hectares de milho cultivado com sementes crioulas produzidas pela comuna com apoio dos militantes da Brigada Internacionalista Apolônio de Carvalho do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST).

O objetivo principal é tornar-se um território autossustentável, tanto no aspecto alimentar, como econômico. A Maizal deu o pontapé para o surgimento de outras 11 comunas na região central da Venezuela. A proposta de Chávez era que as propriedades comunais unificassem a organização de base para uma nova "hegemonia territorial".

"Todo o trabalho que fizemos nos primeiros anos nos fortaleceu e quando a economia começou a cair, a comuna El Maizal se manteve firme e forte. Nossos recursos ajudaram a manter o espírito de luta da nossa gente e principalmente que ninguém se desmobilizasse ou desmoralizasse", afirma Ángel Prado. 

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"No país há outra realidade e aqui nós sabemos que as coisas não estão bem, mas todos os dias os companheiros fazem o possível para que a realidade de quem vive na comuna seja diferente", concorda Jennifer Lamus.


Com a mecanização do cultivo, a Comuna pode produzir 2 mil toneladas de milho por ano / Comuna El Maizal

Pela capacidade produtiva, a Maizal também ajuda pequenos produtores da região, distribuindo crédito em troca de produção de alimentos. 

"Nós pedimos um financiamento maior e damos esse crédito aos produtores, que pela via normal do Estado não conseguem. Também fazemos troca de produtos. Muitas vezes, os produtores não têm o dinheiro para comprar 1kg de queijo. Então podem nos trazer 1kg de grão de café, e podem levar o queijo", explica Jennifer Lamus.  

O trabalho voluntário em mutirões também é uma alternativa para os comuneiros, mas não de maneira "assistencialista, senão como forma de exemplo".

"Às vezes uma unidade de produção está com trabalho mais atrasado, então convocamos todos para realizar esse trabalho e acompanhar o ritmo das outras unidades produtivas. E isso se aplica não só para a comuna. Se é necessário limpar uma escola, uma rua, pintar uma quadra ou realizar qualquer outra atividade na comunidade, nós vamos e fazemos esse trabalho", conta Lamus.

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O território da Maizal contempla a preocupação com o aspecto produtivo e com o social. Os comuneiros fundaram uma Escola de Formação Ideológica e Técnica, onde oferecem cursos com apoio de militantes de outros movimentos populares nacionais e internacionais. Também inauguraram uma escola de educação primária para os filhos dos agricultores, adotando o método de Paulo Freire. 

"A prática e a teoria vão juntas. Uma prática sem elementos históricos de luta, sem teoria, as pessoas não teriam clareza sobre os objetivos do horizonte", afirma o comuneiro Wildenys Matos.

Apesar da produção de cerca de 2 mil toneladas de milho por ano, a Maizal não pode estabelecer uma relação direta com o Estado para fornecer farinha de milho das cestas básicas distribuídas pelos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP). 

"O papel que a comuna cumpre é de demonstrar um modo distinto de fazer as coisas. Primeiro que podemos ser autossustentáveis, produzindo. Podemos mudar o modelo rentista por um modelo produtivo e sustentável, através da economia comunal coletiva", defende Matos.

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De acordo com dados oficiais, existem 3.567 comunas registradas em todo o país. Os militantes da Maizal promovem a União Comuneira como um movimento nacional que busque construir um Estado comunal na Venezuela.

"A este projeto nós dedicamos nossas vidas. A comuna é nossa forma de vida. Da comuna passaríamos ao socialismo ou passaríamos a uma guerra brutal, como a guerra de independência, para defender a nossa pátria", afirma Prado. 


A Comuna El Maizal reúne 14 empresas de produção social no seu território, a maioria coordenada por jovens / Comuna El Maizal

Para seguir avançando no controle territorial, os comuneiros irão disputar as eleições regionais do dia 21 de novembro com a candidatura de Angel Prado à prefeitura do município Simón Planas. No processo eleitoral de 2017, Prado já havia sido eleito prefeito, mas teve sua candidatura impugnada pelo poder eleitoral.

"Nós, organizações populares, temos que nos apropriar desses espaços não para fortalecer o Estado, mas para começar a desmontar esse Estado a partir de dentro, para que a comuna avance no território. Comuna ou nada. E não comuna na retórica, é comuna para fazer as coisas, que o poder do povo seja o poder de decidir, poder planejar, tomar decisões e poder seguir lutando, avançando", afirma Wildenys Matos.

Se for eleito, uma das propostas de Angel Prado é estabelecer contratos e licitações da prefeitura com as comunas da região, assim como aumentar o controle comunitário sobre os serviços básicos, como distribuição de gás e combustível. 

"Nosso horizonte estratégico é o socialismo e queremos dar continuidade ao projeto nacional Simón Bolívar. A comuna como modelo político demonstrou que pode trabalhar, produzir, incidir na economia do país, industrializar seus alimentos, pode disputar qualquer campo de batalha, governar e assumir responsabilidades políticas, no nosso caso, na Venezuela", conclui Ángel Prado.

Edição: Arturo Hartmann