Entender o nosso limite também é fundamental para essa nossa reconstrução enquanto país
Até onde vai nossa liberdade de expressão? Acho que essa pergunta nunca foi tão importante de fazer para nós mesmos, vivendo em um país onde o discurso de ódio é incentivado e realizado pelo próprio presidente da República, me parece fundamental reforçar o que há um tempo atrás parecia ser simples e óbvio.
Espera-se de qualquer pessoa com o mínimo de humanidade, que ela não ofenda minorias, não seja racista ou homofóbica - e muito menos que faça isso publicamente querendo difundir e ampliar a intolerância.
O problema é que essas pessoas existem. E são muitas. É tão assustador que tem horas que perdemos a esperança, dá vontade de chutar o balde e deixar a raiva tomar conta.
Mas esse caminho não pode ser uma opção. Precisamos lutar e não admitir mais qualquer tipo de preconceito e covardia. Eles não podem ganhar pelo nosso cansaço. Isso tudo que estamos vivendo e pagando o preço muito alto como sociedade, vai passar. E o Brasil vai precisar se reconstruir.
A conta foi mais alta para as minorias, para os mais pobres e quem já estava em situação de vulnerabilidade.
Não está sendo ruim igualmente para todo mundo. Esse governo e essa pandemia atingiram, principalmente, quem mais precisava de auxílio do Estado, quem nunca teve as mesmas oportunidades e sempre teve portas fechadas.
Estou falando sobre isso porque só me vem à cabeça uma pergunta: como vamos nos recuperar desse retrocesso todo? Foram muitos passos dados para trás em áreas essenciais para o país.
Me parece que entender até onde vai o nosso limite também é fundamental para essa nossa reconstrução. Já vivemos momentos nesse país onde até pensar em voz alta era perigoso, onde não havia liberdade para a imprensa e onde pessoas morriam e eram torturadas por serem críticas ao governo.
Agora, temos Bolsonaro que através dos seus discursos confunde e borra definições reivindicando os sentidos de liberdade de expressão e democracia, ao mesmo tempo em que ameaça ministros do Supremo Tribunal Federal e intimida o congresso com desfile de tanques.
Mais do que nunca, precisamos muito defender nossas instituições democráticas, os direitos civis e as garantias fundamentais que foram tão duramente conquistados. Uma forma de fazer isso é se posicionar, manifestar e deixar claro que os sentidos estão sendo invertidos de propósito para criar esse ambiente confuso e nebuloso.
Existem questões que não são negociáveis. Existem parâmetros para os debates.
Democracia não é o que eles querem que seja, democracia quer dizer o direito à participação igualitária. Já liberdade de expressão é o direito de se manifestar sem medo, mas não é justificado como uma autorização à ofensa, à intolerância e à violência.
Ano passado, vivi na pele a hipocrisia que envolve o uso propositalmente equivocado dessas duas palavras.
Critiquei o governo durante uma entrevista após um jogo, fui denunciada pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e fui julgada pelo simples fato de manifestar minha opinião. Não ataquei e muito menos ofendi ninguém, apenas manifestei minha oposição ao governo.
Qualquer líder de governo está sujeito a críticas e deveria saber lidar com a oposição de forma construtiva. É essencial para a democracia tolerar o diferente, as ideias opostas, o argumento contrário, o que nem sempre é agradável de ouvir.
Em um país onde um ministro da Cultura posa com armas e tem aversão aos nossos maiores artistas, onde um jogador de vôlei declaradamente homofóbico é exaltado pelo próprio presidente, nossa única opção até as próximas eleições é sermos todos nos guardiões da democracia e da liberdade de expressão, no sentido real que elas têm.
Edição: Mariana Pitasse