Rio de Janeiro

REFORMA AGRÁRIA

Incra falta à audiência pública na Alerj que debateu assentamentos e combate à fome no RJ

Deputada Renata Souza vai encaminhar ofício ao órgão federal pedindo explicações sobre ausência na discussão

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Audiência Alerj
Audiência pública da Alerj ocorreu com a ausência de representantes do Poder Executivo do estado e do governo federal - Pablo Vergara

Integrantes e representantes dos assentamentos de Campos dos Goytacazes, Macaé e Quatis, no estado do Rio de Janeiro, participaram nesta segunda-feira (8) de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) sobre a necessidade de realização da reforma agrária para o enfrentamento da miséria e da fome no estado.

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A audiência foi realizada pela Comissão de Enfrentamento à Miséria e à Extrema Pobreza no Estado do Rio, que tem a deputada Renata Souza (Psol) como presidente, e contou com a participação de representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-RJ) e do Ministério Público Federal (MPF).

Confirmado com semanas de antecedência, o superintendente Cassius Rodrigo de Almeida e Silva, do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), não compareceu e não enviou nenhum representante à audiência. O secretário estadual de Infraestrutura e Obras, Max Lemos (PSDB), também confirmou e não esteve presente no debate.

Renata Souza lembrou que hoje 75% das propriedades rurais do Rio de Janeiro são de agricultura familiar e que boa parte do alimentos produzidos e que chegam às mesas da população fluminense vem daí e da produção dos assentamentos do estado. Ela disse, no entanto, que o Poder Executivo despreza o debate e ataca políticas públicas de combate à fome e para a reforma agrária.

"Iniciativas importantes como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar [Pronaf] e o Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae] estão sendo atacadas tanto pelo governo federal quanto pelo estadual. É grave não termos nessa mesa o superintendente do incra e do governo estadual, que não se importa com uma audiência pública sobre fome quando a população está comendo ossos", criticou a parlamentar.

Diálogo e não armas

Durante a fala de representantes dos movimentos populares, foi destacado que o superintendente Cassius Rodrigo esteve em alguns assentamentos com colete à prova de balas, armado e acompanhado de agentes da Polícia Federal. Membros do MST afirmaram que suas únicas armas são para cultivar a terra e que esperam que o Incra se represente por meio do diálogo e não por armas de fogo.

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"Quantas vezes o assentamento Irmã Dorothy não foi entregar comida em hospital público do município (Quatis), para as pessoas que passavam na rua, para escolas? O superintendente, que deveria estar resolvendo o problema da fome aqui no Rio de Janeiro a partir da regularização das terras, se recusa a entender o direito legítimo de famílias que estão produzindo alimentos", apontou Luana Carvalho, membro da direção nacional do MST.


A audiência foi realizada pela Comissão de Enfrentamento à Miséria e à Extrema Pobreza no Estado do Rio / Pablo Vergara

Procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, Julio José Araújo Junior afirmou, na audiência, que o Incra insiste no discurso equivocado de que a reforma agrária não passa por obtenção de terra, mas sim de estruturação de assentamentos.

"A Constituição do país é muito clara no dever do Estado brasileiro de garantir e identificar essas terras improdutivas, desapropriá-las e garantir a reforma agrária. Isso não pode ser tratado a canetadas só porque o governo não gosta da Constituição. Ou o Incra vem conversar ou vai continuar perdendo em decisões judiciais por violar a Constituição e violar as leis", ressaltou o representante do MPF.

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"Os dirigentes do Incra estão invertendo o papel do órgão, agem contra as famílias acampadas, é um contrassenso que o órgão se utilize disso, que ataque a soberania alimentar no momento de fome para o Brasil. É chocante a cena do superintendente do Rio de Janeiro exibindo uma arma, arma que avança sobre os trabalhadores rurais", disse a deputada Talíria Petrone (Psol), que também participou da audiência.

Questionamentos

Em depoimento na audiência pública, Antônio Bigode, do acampamento Cícero Guedes, em Campos, disse que o Incra não se reúne com as famílias assentadas há quatro meses. Segundo ele, a exemplo da Usina de Cambahyba, há outras cinco usinas no município do Norte Fluminense nas mãos de representantes do poder público local.

"Que reforma agrária é essa? A miséria está aí, por que não dar a terra ao povo para trabalhar? É da terra que sai o alimento. Estamos vendo uma terra manchada de sangue e que não cumpriu seu papel social. Todo mundo quer alimentação saudável, sem agrotóxico, Não existe adubo melhor para a terra do que o suor de quem trabalha nela", defendeu Bigode.


Representantes dos assentamentos Cícero Guedes, Irmã Dorothy e do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Osvaldo de Oliveira, em Macaé, estiveram na Alerj / Pablo Vergara

Dona Iva, do assentamento Irmã Dorothy, em Quatis, no sul do estado do Rio, questionou as novas regras de distribuição de terras que o Incra tenta impor agora às famílias que estão há mais de 15 anos produzindo alimentos no local. A seleção, recentemente derrubada na Justiça, pontua mais famílias numerosas e com mais força de trabalho, sem levar em conta o tempo na terra.

"Não cheguei ao Irmã Dorothy com cabelos brancos e 73 anos. Cheguei muito antes disso, capinando, pegando pesado. Agora, eles dizem que idoso não ganha a terra. Por que não falaram isso quando eu cheguei nova? Contamos com a força de vocês, quero ganhar meu pedaço de terra, todo mundo quer plantar, nossa luta é para chegar à nossa mesa a comida saudável, sem agrotóxico", pediu Dona Iva.

Ao final da audiência, a deputada Renata Souza informou que vai encaminhar à corregedoria do Incra um pedido de explicações sobre a conduta do superintendente Cassius Rodrigo e sobre a ausência do órgão no debate. A parlamentar também garantiu que enviará representação contra o Incra ao Ministério Público Federal e pedirá respaldo do presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), nos pedidos.

Edição: Mariana Pitasse