Integrantes e representantes dos assentamentos de Campos dos Goytacazes, Macaé, Volta Redonda e Quatis, no estado do Rio de Janeiro, participaram nesta segunda-feira (8) de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) sobre a necessidade de realização da reforma agrária para o enfrentamento da miséria e da fome no estado.
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A audiência foi realizada pela Comissão de Enfrentamento à Miséria e à Extrema Pobreza no Estado do Rio, que tem a deputada Renata Souza (PSOL) como presidente, e contou com a participação de representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST-RJ) e do Ministério Público Federal (MPF).
Confirmado com semanas de antecedência, o superintendente Cassius Rodrigo de Almeida e Silva, do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra), não compareceu e não enviou representante à audiência. O secretário estadual de Infraestrutura e Obras, Max Lemos (PSDB), também confirmou e não esteve presente no debate.
Renata Souza lembrou que hoje 75% das propriedades rurais do Rio de Janeiro são de agricultura familiar e que boa parte do alimentos produzidos e que chegam às mesas da população fluminense vem daí e da produção dos assentamentos do estado. Ela disse, no entanto, que o Poder Executivo despreza o debate e ataca políticas públicas de combate à fome e para a reforma agrária.
"Iniciativas importantes como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar [Pronaf] e o Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae] estão sendo atacadas tanto pelo governo federal quanto pelo estadual. É grave não termos nessa mesa o superintendente do incra e do governo estadual, que não se importa com uma audiência pública sobre fome quando a população está comendo ossos", criticou a parlamentar.
Diálogo e não armas
Durante a fala de representantes dos movimentos populares, foi destacado que o superintendente Cassius Rodrigo esteve em alguns assentamentos com colete à prova de balas, armado e acompanhado de agentes da Polícia Federal. Membros do MST afirmaram que suas únicas armas são para cultivar a terra e que esperam que o Incra se represente por meio do diálogo e não por armas de fogo.
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"Quantas vezes o assentamento Irmã Dorothy não foi entregar comida em hospital público de Campos, para as pessoas que passavam na rua, para escolas de Macaé? O superintendente, que deveria estar resolvendo o problema da fome aqui no Rio de Janeiro a partir da regularização das terras, se recusa a entender o direito legítimo de famílias que estão produzindo alimentos", apontou Luana Carvalho, membro da direção nacional do MST.
Procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, Julio José Araújo Junior afirmou, na audiência, que o Incra insiste no discurso equivocado de que a reforma agrária não passa por obtenção de terra, mas sim por estruturação de assentamentos.
"A Constituição do país é muito clara no dever do Estado brasileiro de garantir e identificar essas terras improdutivas, desapropriá-las e garantir a reforma agrária. Isso não pode ser tratado a canetadas só porque o governo não gosta da Constituição. Ou o Incra vem conversar ou vai continuar perdendo em decisões judiciais por violar a Constituição e violar as leis", ressaltou o representante do MPF.
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"Os dirigentes do Incra estão invertendo o papel do órgão, agem contra as famílias acampadas, é um contrassenso que o órgão se utilize disso, que ataque a soberania alimentar no momento de fome para o Brasil. É chocante a cena do superintendente do Rio de Janeiro exibindo uma arma, arma que avança sobre os trabalhadores rurais", disse a deputada Talíria Petrone (Psol), que também participou da audiência.
Questionamentos
Em depoimento na audiência pública, Antônio Bigode, do acampamento Cícero Guedes, em Campos, disse que o Incra não se reúne com as famílias assentadas há quatro meses. Segundo ele, a exemplo da Usina de Cambahyba, há outras cinco usinas no município do Norte Fluminense nas mãos de representantes do poder público local.
"Que reforma agrária é essa? A miséria está aí, por que não dar a terra ao povo para trabalhar? É da terra que sai o alimento. Estamos vendo uma terra manchada de sangue e que não cumpriu seu papel social. Todo mundo quer alimentação saudável, sem agrotóxico, Não existe adubo melhor para a terra do que o suor de quem trabalha nela", defendeu Bigode.
Dona Iva, do assentamento Irmã Dorothy, em Quatis, no sul do estado do Rio, questionou as novas regras de distribuição de terras que o Incra tenta impor às famílias que estão há mais de 15 anos produzindo alimentos no local. A seleção, recentemente derrubada na Justiça, pontua mais famílias numerosas e com mais força de trabalho, sem levar em conta o tempo na terra.
"Não cheguei ao Irmã Dorothy com cabelos brancos e 73 anos. Cheguei muito antes disso, capitando, pegando pesado. Agora, eles dizem que idoso não ganha a terra. Por que não falaram isso quando eu cheguei nova? Contamos com a força de vocês, quero ganhar meu pedaço de terra, todo mundo quer plantar, nossa luta é para chegar à nossa mesa a comida saudável, sem agrotóxico", pediu Dona Iva.
Ao final da audiência, a deputada Renata Souza informou que vai encaminhar à corregedoria do Incra um pedido de explicações sobre a conduta do superintendente Cassius Rodrigo e sobre a ausência do órgão no debate. A parlamentar também garantiu que enviará representação contra o Incra ao Ministério Público Federal e pedirá respaldo do presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), nos pedidos.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse