Reforma agrária

Luta por terra, água e vida digna: acampados do MST resistem contra despejo na Chapada do Apodi

Acampamento Zé Maria do Tomé, no Ceará, segue produzindo e resistindo aos interesses do agronegócio

Brasil de Fato | Limoeiro do Norte (CE) |

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Produção agroecológica no Acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte - Comunicação MST

Do alto se avista a fartura que vem da terra. Um mar esverdeado de encher os olhos encobre o Acampamento Zé Maria do Tomé, articulado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Jerimum, melancia, feijão, cheiro verde. A Chapada do Apodi é conhecida pelo solo fértil e possibilidade de acesso à água que influenciam diretamente a produtividade na agricultura. Exatamente por conta disso, tem sido espaço de disputa entre o agronegócio, que vê na região grande potencial para exportação, e os pequenos agricultores que lutam pelo direito à terra.

Resistir. Há sete anos essa tem sido a palavra de ordem para as 120 famílias de pequenos agricultores do Acampamento Zé Maria do Tomé, localizado na Chapada do Apodi, no município de Limoeiro do Norte, no Ceará. Lá constituíram suas moradias, passaram a praticar a agroecologia, deram função social a terra, além de torná-la produtiva. Assim, desse pedaço de chão seguem retirando seu sustento, mas sentem-se constantemente ameados e por isso permanecem lutando pelo direito ao território, à água e uma vida digna.

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“Levei a minha vida todinha trabalhando pros outros e eu cheguei aqui, acompanhado pelo MST, e tive a oportunidade de arrumar um quintalzinho para eu plantar várias culturas. Aqui dentro desse quintal eu plantei duas qualidades de jerimum, plantei melancia, plantei feijão. As condições da gente é pouca, a gente chegou aqui e pegou isso tudo em mato, construiu uma moradia, tem um meio de sobrevivência dentro desse quintal e pra mim isso é muito gratificante isso”, explica seu Antônio Soares, residente do acampamento desde o início. 

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Sentimento compartilhado pela acampada Eloísa do Nascimento: “Eu amo demais morar aqui, por que aqui meus filhos tem liberdade. Eu posso sair e deixar eles tranquilos em casa, que eu sei que não vão mexer nas minhas coisas. Aqui eu tenho um criázinho que sou muito feliz, tenho minhas plantinhas, meus cheiros-verdes e é maravilhoso”.


A plantação de hortaliças está entre os potenciais do Acampamento / Aline Costa/ MST

Conflitos marcam a região

O modelo de produção familiar narrado por Antônio e Eloísa, disputa o território de forma desigual com grandes produtores da região. De um lado, grandes empresas do agronegócio, do outro, pequenos agricultores. Conhecido como o coração do agronegócio do Ceará e um dos principais focos da fruticultura irrigada do Brasil, a Chapada do Apodi é considerada uma das porções mais férteis em termos de qualidade de solo. Um potencial há muito observado pelo Estado brasileiro que na década de 1980, por meio do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), construiu um perímetro irrigado na região, para incentivar a instalação de grandes empresas da fruticultura, agropecuária e produção de grãos. 

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A chegada dessas empresas mudou completamente a vida na chapada, impactando moradores das áreas urbanas e rurais. Leandro Cavalcante, geógrafo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador sobre a Chapada do Apodi, caracteriza a influência das grandes fazendas na vida dos moradores: “É um território marcado pelo agronegócio, que incide de maneira muito direta sobre a vida e sobre o modo de produção, com repercussões muito graves do ponto de vida ambiental e da saúde dos trabalhadores. Observa-se impactos sociais, ambientais, territoriais de maneira muito direta na Chapada, como por exemplo, o alto índice de pessoas com câncer em decorrência do alto índice também de uso de agrotóxico nessa região, incluindo a pulverização aérea.”

Essas características demonstram que antes do acampamento Zé Maria, as disputas por território já ameaçavam não só a moradia, mas também a vida de trabalhadores e trabalhadoras do campo: “Aqui sempre existiram graves conflitos por terra, por água, morte de trabalhadores, seja em razão da contaminação por agrotóxicos, seja em função de homicídios contra trabalhadores, como foi o caso de José Maria do Tomé, assassinado em 2010 porque denunciava as empresas, denunciava a pulverização aérea e a contaminação da água e foi assassinado, supostamente, a mando de um proprietário de uma dessas empresas que estão instaladas na chapada”, contextualiza Leandro Cavalcante.

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Ameaça de despejo


Há sete anos, 120 famílias vivem no Acampamento Zé Maria do Tomé / Divulgação MST

O Acampamento José Maria do Tomé é uma iniciativa que começou debaixo da lona preta e que deu certo, mostrando como a reforma agrária pode ser uma importante solução para combater a fome e a pobreza no país. A terra onde hoje residem as famílias do Acampamento é de propriedade da União. Entretanto, a pressão dos empresários do agronegócio, aliada a falta de vontade política do governo Bolsonaro impedem a desapropriação. Por isso, as famílias que lá residem encontram-se novamente na iminência do despejo. Essa não é a primeira vez que os acampados precisam lutar para permanecer no local que passaram a chamar de casa. “Tô aqui resistindo e não quero sair daqui não, quero ficar aqui, quero produzir. Aqui foi onde formei um filho meu”, conta em meio às lágrimas de emoção o acampado Antônio Elieudo. “Foi uma faculdadezinha de Técnico de Enfermagem, mas eu fico feliz, foi trabalhando, pelejando. Eu quero resistir aqui, que daqui é de onde eu tiro o sustento da minha família”, finaliza. 

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Segundo informações do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar (EFTA), da Assembleia Legislativa do Ceará, desde 2014, já foram expedidos sucessivos pedidos de reintegração de posse contra o acampamento. O procedimento estava suspenso por conta da pandemia do coronavírus. Agora, sem o diálogo com o Governo Federal, o despejo pode ocorrer há qualquer momento: “A gente tem ficado preocupado por conta de uma retomada dos despejos, não é só um caso específico do Zé Maria, mas a gente tem visto pelo Brasil as reintegrações de posse acontecendo. A gente teve um fato recente no acampamento Zé Maria, que a foi a presença da Polícia Federal fazendo um estudo de situação, que seria um estudo anterior a reintegração de posse, o que dá sinais de que a reintegração de posse está sendo pensada, preparada e que pode acontecer a qualquer momento. Mas essa data do quando, a gente ainda não tem”, explica, Péricles Moreira, advogado do EFTA. 

Para o MST, além da dificuldade de negociação, o medo da violência em um possível despejo é uma das maiores preocupações no momento. Há famílias completas residindo no acampamento, inclusive com crianças e idosos. Kelha Lima, dirigente do MST, afirma que já foram inúmeras as situações de violência e de tentativa de retirada do Acampamento, mas que a resistência também tem sido forte. “O acampamento Zé Maria do Tomé resiste, são várias ordens de reintegração de posses, no entanto a partir da nossa luta a gente tem conseguido barrar, nós estamos agora na eminência de mais uma reintegração de posse, mas estamos construindo a nossa resistência, porque a terra é pra quem nela trabalha”, enfatiza Kelha.

Enquanto esperam e buscam diálogo para uma negociação, os acampados seguem plantando e comercializando a sua produção nas feiras da região e da reforma agrária promovida pelo MST. Assim acampamento segue transformando a vida de muita gente, como da acampada Helena Soares: “Mudou muita coisa, aqui a gente tem produção, onde nós morávamos nem água tem, aí a gente tá vivendo daqui. A gente tem medo de sair daqui por causa disso, mas nós vamos lutar, e a gente vai ganhar, se Deus quiser”, finaliza sorrindo. 

Fonte: BdF Ceará

Edição: Camila Garcia