Rio Grande do Sul

Entrevista

Loyola Brandão e a chegada ao fundo do poço mas sem deixar de olhar as estrelas 

Aos 85 anos, o autor do proibido Zero, anuncia outro romance distópico, este sobre os tempos do Brasil sob Bolsonaro  

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Ignácio de Loyola Brandão participou do Diálogos Contemporâneos em Porto Alegre, nesta quinta-feira (4) - Foto: Rafael Roso Berlezi

Ignácio de Loyola Brandão não para. Cinquenta e seis anos após sua estreia literária com "Depois do Sol", livro ao qual se seguiram mais 45 – romances, contos, crônicas, teatro, infanto-juvenis – o paulista de Araraquara engatilhou outra obra no isolamento da pandemia. Será lançada em 2022. Seu personagem é o Brasil sob Bolsonaro, um tempo, como lamenta, “de desprezo pela vida, ausência de compaixão”.

As distopias estão presentes na sua literatura, a começar pelo proibido "Zero", a narrativa frenética e desesperada de um Brasil submetido aos generais da ditadura de 1964. "Zero" foi vetado nas livrarias brasileiras em 1976, pelo governo Geisel. Seria publicado inicialmente na Itália e depois traduzido para o alemão, coreano, espanhol, húngaro e inglês.

Aos 85 anos, ocupante da cadeira 11 da Academia Brasileira de Letras, Loyola Brandão receberá no próximo dia 25 o prêmio de Personalidade Literária do Ano, do Prêmio Jabuti. Antes, em Porto Alegre, participa na noite desta quinta-feira (4) do evento Diálogos Contemporâneos. Literatura, pestes, pandemias e distopias: ficção e realidade, estarão entre os temas que serão tratados por Ignácio de Loyola Brandão, com mediação do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil.

Nesta entrevista, o escritor fala sobre literatura, peste, negacionismo e os duros momentos que o país está vivendo.


O escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil foi o mediador da segunda mesa do Diálogos Contemporâneos em Porto Alegre / Foto: Rafael Roso Berlezi

Brasil de Fato RS - "A Peste", de Albert Camus, vira best-seller em meio à pandemia de coronavírus. Em um mundo pandêmico e pós pandêmico, qual o papel da literatura neste contexto?

Ignácio Loyola Brandão - Papel da literatura? O mesmo que sempre teve. Se é que ela tem papel, função. Contar, relatar, mostrar a realidade que nos cerca, ainda que em forma de ficção. Testemunhar.

Outro Brasil saiu dos esgotos, da violência, suscitando ódio

BdF RS - Como foi a sua produção nesse período?

Loyola  Brandão - Continuei escrevendo crônicas para o jornal O Estado de S. Paulo. Devo ter feito mais de 200 lives com universidades, faculdades, centros culturais, classes de estudantes, com professores e jornalistas. Escrevi um novo romance que vai sair ano que vem. Título provisório: "Como chegar ao fundo do poço sem deixar de olhar as estrelas". E fiz palestras on line e comecei a fazê-las presenciais.

BdF RS - Grandes pestes mudaram profundamente as sociedades. Quais as principais mudanças que a pandemia do coronavírus nos apontam?

Loyola Brandão - Que a maldade humana, a perversidade de governantes, a polarização do Brasil se acentuou, a violência campeou, desenfreada. Os instintos selvagens vieram à tona. Outro Brasil saiu do fundo, do escuro, dos esgotos, da violência, suscitando ódio. E que também a solidariedade de muitos foi revelada. 

Estamos mergulhados num buraco, com um governo negacionista

BdF RS - Em 2015, você publicou, em forma de carta aos seus filhos, o Manifesto Verde, onde faz um alerta sobre a preservação da natureza e apresenta as realidades e os desafios que devemos enfrentar em prol da conservação da vida na Terra. O que dizer hoje frente aos desafios colocados? 

Loyola Brandão -  Mais do que este livro cartilha, escrevi "Não Verás País Nenhum", um romance que mostrou o Brasil devastado, desertificado, sem água, sem comida, tempestades de vento e areia, o mar subindo, o aquecimento global crescendo. Escrito há 40 anos, este livro mostrou que a fantasia acabou se tornando realidade. Estamos mergulhados num buraco, com um governo negacionista que nos conduz para trás, a cada dia, hora, minuto.


Novo romance que vai sair ano que vem tem como título provisório "Como chegar ao fundo do poço sem deixar de olhar as estrelas" / Foto: Rafael Roso Berlezi

BdF RS - Com a ascensão do fascismo crescente no país e no mundo, vemos também um interesse maior por livros e séries distópicas. A realidade já não é sufocante e opressora? Há ainda lugar para utopias?

Loyola Brandão - Viver hoje já é uma utopia. Viver perguntando: isto é viver? Como chegamos a isto? Somos suicidas ou o mundo está revelando sua fase de namoro com a morte?

Meu novo romance se passa quando atingimos 214 milhões de mortos

BdF RS - Qual sua opinião sobre o mandato Bolsonaro?  

Loyola Brandão - Dizer o quê sobre um homem tosco, sem preparo, que ainda não assumiu a Presidência até agora? Não houve mandato nenhum.

BdF RS - Na ditadura, você escreveu "Zero" que foi proibido. Chegou a pensar, agora, em escrever um relato distópico sobre os anos Bolsonaro?

Loyola Brandão - Eu diria anos Bolsonaro, anos Queiroga, Pazuello, Lira, Bia qualquer coisa, Zambelli, Damares, Centrão, gabinetes de ódio, fake news, desprezo pela vida, ausência de compaixão. Este período está em meu novo romance que se passa no Brasil quando atingimos 214 milhões de mortos.


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Edição: Ayrton Centeno