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De portas semiabertas para as mulheres

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Até 1951, o estatuto da ABL permitia apenas o ingresso de escritores do sexo masculino - Guilherme Gonçalves/ABL
Criada por um escritor negro, a Academia Brasileira de Letras nunca teve uma negra em suas fileiras

Na próxima semana, a atriz e escritora Fernanda Montenegro, que completou 92 anos este mês, vai tomar posse da cadeira de número 17 da Academia Brasileira de Letras, ocupada por Afonso Arino de Mello Franco até março do ano passado. Em respeito à grande dama do teatro brasileiro, ninguém se candidatou para disputar a vaga com ela. Mas a inclusão de mulheres nessa entidade centenária nem sempre foi (nem ainda é) tão fácil. A prova disso é que, em 124 anos de existência, Fernanda é apenas a oitava mulher a alcançar essa deferência excepcional, que deveria ser um simples reconhecimento.

Até 1951, o estatuto da ABL permitia apenas o ingresso de escritores do sexo masculino com obras de importância reconhecida. Essa restrição impediu a entrada da jornalista piauiense Amélia Beviláqua, em 1930. Apenas em 1977, oitenta anos depois de sua fundação, a ABL admitiu a primeira “imortal”, a escritora cearense Rachel de Queiroz.  

Se, para mulheres brancas o acesso é complicado, para as negras essa dificuldade aumenta exponencialmente. Criada por um escritor negro, Machado de Assis, a ABL nunca teve uma negra em suas fileiras.  Em 1977, a poetisa simbolista negra, da periferia do Rio de Janeiro, Gilka Machado, foi provocada por Jorge Amado a se candidatar a uma vaga. Na opinião do escritor baiano, a poesia erótica de Gilka era uma das mais belas da língua portuguesa. Ela declinou do convite por não apreciar o meio literário.

Em 2018, mais de 40 anos depois da indicação de Gilka por Jorge Amado, uma escritora negra decidiu fazer um percurso oposto ao de Gilka e se candidatar à cadeira 7 da Academia, deixada vaga pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos. Depois de uma intensa campanha popular, Conceição Evaristo entregou sua carta de intenções, mas só conquistou um voto na eleição.

Vencedora do prêmio Jabuti 2015, a mineira Conceição é uma escritora de fôlego, que não mede palavras quando precisa enfrentar o racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira, seja onde ele estiver. Inclusive na ABL. Se a negritude foi um fator decisivo para mantê-la à margem, ninguém pode afirmar, mas o fato é que a ABL perdeu a oportunidade de protagonizar um feito histórico. Afinal, Conceição ocuparia a cadeira que tem como patrono o abolicionista Castro Alves, que combateu, incansavelmente, a escravidão.

O ingresso de Fernanda Montenegro num espaço que nunca facilitou o acesso das mulheres é uma grande conquista. Mas a vitória só estará completa quando esse bastião da hegemonia branca for abalado pelo ingresso de uma escritora negra sem padrinho nem politicagem. Apenas trazendo a tiracolo a cor e a raça das Gilkas, Conceições e Carolinas das letras da vida.

Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Pernambuco.

Edição: Vanessa Gonzaga