Prepotente e sarcástica, a contribuição do banqueiro Esteves é a mais didática e copiosa de todas
Uma das observações mais reiteradas sobre a literatura brasileira diz que ela é boa em devassar a vida dos pobres e da classe média mas é ruim em desvelar a vida da classe dominante. Trata do baixo mundo mas não penetra na alta-roda. Não é de hoje. É de sempre.
Menos mal que, na ausência dos escritores, aquilo que as ciências sociais chamam de burguesia começa a expor suas entranhas por vontade própria. Querem alguns exemplos? Os sincericídios de Paulo Guedes ao falar sobre empregadas domésticas e funcionários públicos, os modos do bloco da naftalina no jantar do megaespeculador Naji Nahas e, agora, o áudio vazado da escolinha do professor André Esteves ensinando filhos de grandes empresários a ganhar dinheiro sem fazer força. Future Leaders é o nome da aula que vem grafada assim mesmo no idioma pátrio...
:: Leia o que disse André Esteves sobre "conselhos" a Lira, Campos Neto e ministros do STF ::
Prepotente e sarcástica, a contribuição do banqueiro Esteves é a mais didática e copiosa de todas. No decorrer de 1h1m39seg. de palestra gravada no último dia 21, ele deita falação sobre eleições, impeachment, Lula, Bolsonaro, Dilma, Dória etc. Porém, são mais reveladoras as conversas do senior partner do BTG Pactual com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e a historinha sobre como convenceu o STF a votar a autonomia do BC.
Todos comem nas suas mãos. Pedem-lhe conselhos. Lira quis saber sobre as demissões no Ministério da Economia. Campos Neto quis saber onde estava a taxa de juros mínima. Quanto ao STF, o banqueiro gabou-se de vender à corte, de maneira jocosa, a ideia do BC independente. “Pô, ministro, assim, o senhor sabe que Banco Central independente tem nos Estados Unidos, no Japão, na Alemanha e na Inglaterra, né? E não tem na Venezuela e na Argentina…(...) O senhor acha em qual grupo a gente quer estar junto?”, contou em meio a risadas com seus pupilos.
::O que está por trás da venda de títulos de créditos do Banco do Brasil para o BTG? ::
O projeto do BC independente passou por 8x2. É lícito presumir que as oito excelências que acataram tal argumento, juntaram ao seu notável saber jurídico, notável burrice econômica, política e social.
Quanto ao Bolsa Família, o maioral do BTG é a favor mas não pela função essencial do programa de combater a desigualdade e proporcionar a ascensão social dos pobres. É a favor para que os beneficiados não se transformem em ameaça...
Não era de bom tom, em ambiente tão bem frequentado, abordar os 606 mil mortos, a pandemia, o desemprego, a miséria, as pessoas catando comida no lixo. Falou-se do mercado mas não daquele que vende bandejinhas de pés de frango ou cabeças de peixe. Muito menos da fila do osso.
Bolsonaro não entra na exposição aos future leaders como o criminoso contra a humanidade que é. Não é a abjeção que debocha das suas vítimas imitando alguém que não consegue respirar.
Na escolinha dos pirralhos do alto empresariado ninguém se indignou com o horror eviscerado na CPI da Covid, com a indução à morte de centenas de milhares, com a defesa de cloroquina, com o atraso deliberado na compra de vacinas e com a pilantragem graúda envolvendo militares e empresas suspeitas. Nem com a destruição ambiental ou à terra arrasada na educação, ciência, cultura. Nada disso.
Para a galera situada no topo da cadeia alimentar do país, Bolsonaro deve apenas calar a boca. Assim ganhará a eleição.
Quando os generais depuseram João Goulart em 1964, surgiu uma tirada espirituosa relacionada ao papel decisivo do então embaixador dos Estados Unidos na arquitetura do assalto ao poder. “Chega de intermediários, Lincoln Gordon para presidente!”, dizia.
Para a banca, Bolsonaro pode fazer o que quiser desde que não atrapalhe os negócios. Se pisar fora do seu quadrado será sacrificado por quem tem o mando e o comando. Talvez seja então o caso de propor “Chega de intermediários, André Esteves para presidente!”
*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo