O ex-agente da ditadura militar do Brasil Átila Rohrsetzer morreu no dia 3 de agosto, anunciou nesta terça-feira (26/10) o procurador Amelio Erminio no início da audiência, em Roma, que julgaria a participação do brasileiro na morte e desaparecimento do cidadão ítalo-argentino Lorenzo Ismael Viñas Gigli. Com isso, o processo contra Rohrsetzer será extinto.
O julgamento faz parte do Processo Condor, que corre nas cortes italianas. O advogado da família do ex-agente brasileiro o contatou Ermínio via e-mail para informá-lo sobre a morte e dizer que estava providenciando a cópia da certidão de óbito.
Justamente pela falta do documento, a audiência para decretar a extinção do caso foi remarcada para o dia 29 de novembro. Essa é só uma questão processual, porque para decretar a extinção é necessário que o documento que ateste o falecimento do acusado seja depositado na Corte. O caso contra Rohrsetzer corria há seis anos.
O gaúcho, que tinha 91 anos, era o único acusado ainda vivo no processo que julga o envolvimento de brasileiros em crimes cometidos pelas ditaduras militares do cone sul nos anos 70/80, no âmbito da Operação Condor.
A Condor foi um plano de aniquilação de opositores políticos feito em colaboração entre as agências de inteligência das ditaduras sul-americanas que sequestravam, prendiam, torturavam e assassinavam opositores dos regimes de opressão
Todas as investigações sobre a Operação Condor na Itália duraram cerca de 15 anos e tiveram início após denúncias apresentadas pelos familiares dos italianos desaparecidos na América do Sul. Os autos do processo se estendem por mais de 170 mil páginas, entre depoimentos tomados e documentos recolhidos em arquivos secretos dos países do Cone Sul.
Das 146 pessoas indiciadas após as investigações preliminares, apenas 37 viraram réus, incluindo os gaúchos. Destes, somente 20 foram condenados, em via definitiva. Nenhum brasileiro está entre eles.
Burocracia e obstrução prejudicaram o processo
No final da audiência, um dos cinco júris populares afirmou que teria votado pela condenação do brasileiro. "Após todos esses anos, o processo termina no vazio. Queria fazer justiça à história", disse.
Diversos motivos influenciaram para que o resultado fosse esse. O tempo certamente não ajudou, já que as investigações começaram apenas em 2007. A demora processual também foi causada pela burocracia e obstrução tanto do Brasil, quanto do governo da Argentina. Por mais de um ano, a Corte italiana tentou ouvir testemunhas daquele país, e a cada audiência Buenos Aires dava justificativas técnicas pela audiência dos mesmos.
Tanto que o procurador, na sua última tentativa de escutar as testemunhas argentinas, disse que, se a audiência fosse remarcada, ele iria pessoalmente ao país para ouvi-las.
"Já o Brasil não colaborou em nada. No começo a Valentina Perrone, defensora pública que estou substituindo, havia solicitado documentos ao Brasil, mas nunca teve resposta", disse Marco Bastoni, defensor de Rohrsetzer na Itália.
Lorenzo Ismaes Viñas Gigli
Vinãs era militante dos Montoneros, movimento de esquerda argentino que lutava contra a ditadura do general Jorge Rafael Videla. Ele tinha somente 25 anos quando, em 26 de junho de 1980, foi preso por agentes brasileiros em Uruguaiana. Ficou quatro dias encarcerado na Polícia Federal para depois ser entregue à repressão de seu país.
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Na Argentina, passou primeiro pela Polaca, prisão clandestina que ficava em Paso de los Libres e, sucessivamente, pelo Campo de Mayo, o mais terrível centro de detenção clandestino argentino que ficava na periferia de Buenos Aires e era operado pelo Batalhão 601, a inteligência argentina.
Foram mandadas para lá mais de 5 mil pessoas, mas somente 43 sobreviveram e Vinãs não está entre eles. Está desaparecido até hoje.
O Brasil no processo Condor
O processo que julgava o brasileiro era um desdobramento do maxiprocesso Condor que condenou, em julho passado, em via definitiva, 14 torturadores das ditaduras sul-americanas à prisão perpétua, sendo 11 uruguaios e três chilenos.
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Em 2015, quando o ex-procurador Giancarlo Capaldo denunciou Átila, também haviam sido denunciados João Osvaldo Leivas Job, ex-secretário de Segurança do Rio Grande do Sul, Carlos Alberto Ponzi, ex-chefe da Agência do Serviço Nacional de Informações (SNI) de Porto Alegre, e Marco Aurélio da Silva Reis, delegado de polícia, cobria o cargo de diretor do Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Só que os três faleceram no andamento do julgamento.
Além dos quatro, outros nove brasileiros haviam sido notificados judicialmente em 2007. Entre eles os dois últimos presidentes do período militar, Ernesto Geisel (1974-1979) e João Baptista Figueiredo (1980-1985) – como morreram em 1996 e 1999, respectivamente, a notificação foi mandada ao governo.
Inicialmente, o processo também apurava o envolvimento dos brasileiros na morte e desaparecimento do ítalo-argentino Horacio Domingo Campiglia Pedamonti, mas, no momento da denúncia, os investigados pelo caso haviam falecido.
Campiglia e a amiga Mônica Suzana Pinus de Binstock foram presos no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, em 12 de março de 1980. Eram militantes do movimento argentino Montoneros. A prisão foi realizada por agentes do Batalhão 601, em colaboração com o Serviço Nacional de Informação (SNI) brasileiro.
Assim como Viñas, ambos foram levados ao Campo de Mayo e, desde então, nunca mais foram vistos.