A Advocacia-Geral da União (AGU), quando comandada por André Mendonça (2019 e 2020, e de março a agosto de 2021), ex-ministro da Justiça e indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF), foi responsável pelo pedido de, no mínimo, sete procedimentos investigativo-incriminatórios contra associações de militares de baixa patente que se posicionaram contrariamente a pautas encampadas pelo governo federal no Congresso Nacional.
Até hoje, uma dessas associações foi fechada, outra foi intimada pelo Exército a depor em sindicância e outra, ligada ao estudo de legislações militares, atualmente responde a inquérito aberto pelas Forças Armadas. Todos os casos citados foram feitos a pedido da AGU, por meio de despachos assinados por Mendonça e enviados à Procuradoria-Geral Militar e à Receita Federal.
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Todas as entidades atingidas possuem uma coisa em comum: tomaram parte em audiências públicas no Congresso que debateram o Projeto de Lei 1645/2019. Trata-se de uma longa norma de reestruturação da carreira militar, que imprime alterações no sistema previdenciário, nas regras de progressão de carreira e até no alistamento obrigatório, entre outras.
O projeto foi aprovado no Congresso e hoje é lei, de número 13.954/2019. Além disso, encamparam posicionamentos públicos a respeito da reforma da previdência ao longo dos debates acerca do tema que se deram no país em 2019.
Em junho deste ano, Mendonça solicitou a abertura de sete inquéritos à Procuradoria-Geral de Justiça Militar, acusando entidades de militares de baixa patente de "desenvolvimento de atividades típicas de sindicato". Pela lei brasileira, servidores militares não podem se organizar em sindicatos e por meio dessas entidades reivindicarem direitos.
Na esteira do pedido da AGU, a Associação de Militares das Forças Armadas do Estado de São Paulo (Amfaesp) foi retirada da existência jurídica no mês seguinte: seu CNPJ foi cancelado pela Receita Federal, em cumprimento a ofício expedido pela AGU.
Em São Paulo, a Procuradoria de Justiça Militar instaurou um Inquérito Policial Militar para investigar supostas "atividades" ilícitas das associações que teriam participado de audiências públicas no Congresso, como se vê em trecho de documento abaixo.
Já a Associação dos Militares Veteranos e Pensionistas de Guaratinguetá (Amiga) recebeu intimação para que sua diretoria se apresentasse em um quartel do Exército. A entidade é ligada a familiares e veteranos da Força Aérea do Brasil. De acordo com um membro da Amiga - que concedeu entrevista ao Brasil de Fato sob condição de anonimato - os coordenadores da entidade receberam com surpresa a intimação.
"Nós estranhamos. É normal que a gente tenha interesse em mudanças da carreira, nas leis aprovadas em Brasília. Qualquer um pode ir a uma audiência pública, isso nunca tinha acontecido", pontuou a fonte, que é suboficial aposentado da Aeronáutica e apoiador assumido de Jair Bolsonaro.
O militar assinalou ainda que o Ministério Público Militar (MPM), de qualquer forma, cumpriu com seu dever, realizou as diligências necessárias e concluiu que a Amiga não fez nada de ilegal. A própria entidade distribuiu o parecer dos procuradores que recomenda o arquivamento dos trabalhos de investigação.
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Benefício exclusivo para oficiais deu início a conflitos
Quando as leis que reformaram a previdência e as carreiras militares estavam em debate no Congresso Nacional, em 2019, uma série de parlamentares ligados às Forças Armadas e a órgãos de segurança receberam membros de associações militares em seus gabinetes.
Os convidaram para as audiências públicas, tiraram fotos e postaram nas redes sociais publicizando serem contrários ou favoráveis a este ou aquele ponto das normas que estavam para ser votadas.
"Tentaram criar uma gratificação somente para oficiais generais, inclusive os da reserva, o que gerou animosidade nesse ponto", afirma um cabo do Exército e membro de uma das associações investigadas, também pedindo sigilo sobre sua identidade.
Ele se refere a um inciso que existia na proposta original de reestruturação da carreira, que previa que apenas oficiais generais somariam à aposentadoria uma gratificação recebida por eles quando na ativa. Chamada de gratificação de representação, ela equivale a 10% do salário.
Ao fim das contas, foi tal o barulho feito dentro e fora dos quartéis em virtude da gratificação exclusiva que o próprio governo desistiu de levá-la adiante nas negociações de votação no Senado. Muita gente não gostou.
Edição: Arturo Hartmann