Contrariando o teórico da guerra Clausewitz, Foucault[1] afirma que a política é a guerra prolongada por outros meios e que impõe a “paz civil”, não para suspender os efeitos da guerra ou para neutralizar os desequilíbrios que se manifestaram na batalha final, mas para reinscrever perpetuamente essas relações de força, através de uma espécie de guerra silenciosa nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e até no corpo dos indivíduos.
Guerra que, nos dias de hoje, se torna menos silenciosa, aliás, muito pelo contrário, se torna estrondosa, pois quem a faz, diz em alto e bom tom o que faz e contra quem. E entre as vítimas está a ciência brasileira, as universidades, os centros e os institutos de pesquisa públicos e os próprios pesquisadores/as.
Isso demonstra mais uma vez a visão retrógrada e antinacional de nossas elites, que novamente provam ser nossas inimigas
Isso posto, vale destacar que a ciência nacional como a conhecemos hoje é recente, estabelecida somente no início do século XX, por volta de 1909, resultado de quatro séculos de resistência da coroa portuguesa e da elite luso-brasileira em fundar universidades em território nacional.
Graças a isso, o Brasil foi uma das últimas nações da América Latina a implantar uma instituição dessa natureza, ficando atrás, por exemplo, de nações como o México (1551), Peru (1555) e Argentina (1613).
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Um quadro que evidenciava que a Ciência do(s) e para os brasileiros não era considerada uma prioridade nacional, pelo menos do ponto de vista de “nossas” elites imperiais e republicanas, que sob a lógica econômica do atraso e da submissão ao estrangeiro europeu e estadunidense, sempre procuraram um meio de interrompê-la, assim como fazem hoje com a CEITEC - Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada, a única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul do planeta, localizada em Porto Alegre. Sim, de semicondutores, este item que vemos faltar e encarecer os preços dos automóveis no país.
Para o filósofo brasileiro Álvaro Vieira Pinto[2], as elites dominantes, em sociedades como as nossas, normalmente alienadas, comportam-se como animais irracionais: estes depredam a natureza para subsistir, o homem alienado depreda a cultura.
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Toma desta os bens, as ideias, que armazena no espírito, mas é incapaz de produzir com elas qualquer coisa de original, ou seja, de criar a cultura emergente autêntica, com o auxílio da que absorveu.
Paulo Guedes, o ministro da Economia do Brasil representa essa elite. Cínico, cruel e de mau caráter, debocha dos milhões de miseráveis famélicos, levados a essa condição propositadamente pela agenda econômica antipovo e antivida gerida por ele.
Resta aos estudantes, professores e agentes técnicos das universidades públicas levantarem-se contra aqueles que escravizam o povo
Não satisfeito com isso, de maneira sorrateira, no último dia 7 de outubro, na calada da noite como fazem os gatunos, cortou 92% da verba do Ministério da Ciência e Tecnologia destinados a bolsas e projetos de pesquisa, verba da já combalida e sucateada ciência brasileira, que acumula reduções recordes desde meados de 2016 com Michel Temer.
Por seu turno, sem pestanejar, senadores e deputados federais acataram o pedido de Guedes e decidiram retirar R$ 600 milhões de reais da ciência brasileira.
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Ora, isso demonstra mais uma vez a visão retrógrada e antinacional de nossas elites, que novamente provam ser nossas inimigas, e que hoje travam uma guerra aberta contra o povo e as universidades públicas brasileiras, esta última, prenunciada pela farsa investigativa que levou a trágica morte do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luís Carlos Cancellier, em 2017.
Obviamente, o ataque à ciência nacional de hoje não é uma exceção e pode ser vista em diversos momentos de nossa história, porém o que se mantém constante é o lobby internacional (Alemanha, França, EUA ...) pela venda de seus produtos científicos e tecnológicos, assim como as vacinas e os semicondutores, em detrimento dos produtos técnico-científicos nacionais.
Dito de outro modo, multinacionais, com o auxílio de políticos e empresários "anti-Brasil", e com interesses econômicos pessoais, sabotam a ciência nacional para que o país possa se manter dependente da ciência estrangeira.
Diante desse quadro e de maneira imediata, resta aos estudantes, professores e agentes técnicos das universidades públicas levantarem-se contra aqueles que escravizam o povo, depredam a cultura e destroem a ciência brasileira, e, portanto, para além da produção de conhecimentos do mais alto grau de sofisticação, este momento exige de nós ações coletivas "extra-universidade", que rechacem e protejam a universidade pública e a ciência brasileira de sua extinção.
Por Roberto Barbosa, pesquisador e professor de física da Universidade Federal do Paraná.
[1] Michel Foucault, Microfísica do Poder (2015).
[2] Álvaro Vieira Pinto, Ciência e Existência: problemas filosóficos da pesquisa científica (1979).
Fonte: BdF Paraná
Edição: Frédi Vasconcelos