A fome que espere

Bolsonaro adia novo auxílio emergencial, oposição critica e sociedade reage

Mercado financeiro pressiona contra os custos financeiros da medida, e equipe conduzida pelo ministro Paulo Guedes cede

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |

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Mercado financeiro torceu o nariz para o novo auxílio; os famintos que aguardem - Fotos: Scarlett Rocha

Esperado para a tarde desta terça-feira (19), o anúncio do Auxílio Brasil foi adiado pelo governo Bolsonaro. O programa vem sendo apontado como o “novo Bolsa Família” e encontrou resistência entre a equipe econômica da gestão executiva federal, que sofre influência do mercado financeiro, defensor de rígidos limites fiscais. Ainda não há nova data de lançamento. 

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Segundo informações extraoficiais que vinham sendo antecipadas pela imprensa, o benefício passaria a ser distribuído no próximo mês e pagaria mensalidade de R$ 400 para os contemplados até o final de 2022, ano em que Bolsonaro deve tentar a reeleição.

A iniciativa é vista nos bastidores de Brasília como um aceno ao pleito, em uma tentativa do presidente de colher dividendos políticos. Bolsonaro enfrenta queda na popularidade – pesquisa Datafolha feita em meados de setembro identificou 53% de reprovação – enquanto o governo segue afundado em escândalos.

O último deles atingiu exatamente a área econômica, com a revelação de que o ministro da Economia é sócio de offshores (empresas sediadas em países que oferecem benefícios tributários para atrair capitais) nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido "paraíso fiscal" de milionários.

Foi em meio a esse contexto que o mundo político reagiu ao cancelamento da apresentação do Auxílio Brasil nesta terça-feira. “A suspensão do lançamento faltando 30 minutos para o evento é a prova de que o presidente não tem proposta concreta para socorrer quem mais precisa”, disse o líder da minoria na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (PSB-RJ), pelo Twitter.

O pessebista defendeu o fortalecimento do Bolsa Família, em vez da substituição da política pública. “O programa é referência mundial no combate à fome e hoje está com uma fila de 1,2 milhão de pessoas à espera de receber o benefício. São famílias que não têm o que comer. Bolsonaro não faz isso porque está mais preocupado com mesquinharias eleitoreiras do que em socorrer os milhões de brasileiros que não têm o que comer”, completou, em diferentes postagens.  

Lideranças de organizações civis também reagiram ao adiamento. É o caso da diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Carvalho. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela destacou que a protelação do governo coloca a população vulnerável em situação de maior prejuízo.

A maior parte dos beneficiários da atual rodada do auxílio emergencial recebe uma fatia mensal de R$ 150. Segundo os dados oficiais, são cerca de 19,9 milhões de famílias que, juntas, respondem por 43,6% do contingente atendido hoje pelo programa.

A ideia do governo seria não renovar a política, cuja última parcela está sendo liberada este mês, para iniciar o Auxílio Brasil na sequência, em novembro. O adiamento do anúncio de lançamento do novo programa deixou incertezas no ar.

“Eu queria chamar atenção para o que isso significa para as famílias. As pessoas sabem que estão recebendo a última parcela do auxílio e criaram grande expectativa de que hoje sairia um anúncio concreto, inclusive na expectativa de que famílias que não são do Bolsa Família, que estão na lista de espera ou que empobreceram na pandemia seriam de alguma forma contempladas num projeto de futuro”, destaca Paola Carvalho.

“É muito duro a gente viver num país onde se veem pessoas procurando comida estragada no caminhão de lixo porque há um desespero em relação à fome, e aí se cria uma esperança, uma expectativa em busca de resposta governamental e essa resposta fica titubeando entre o que é a necessidade do povo e uma irresponsabilidade do governo. A questão do Teto de Gastos não pode ser conduzida dessa forma”, critica Carvalho, ao comentar o tema. 

As informações que circulam a respeito do Auxílio Brasil dão conta de que o governo, ao liberar parcelas no valor de R$ 400, tiraria R$ 100 desse total de fora do Teto dos Gastos, restrição orçamentária embutida na Constituição em 2016 aos investimentos federais em áreas sociais. Instituída durante o governo Temer e defendida pela gestão Bolsonaro, a medida engessou os investimentos públicos por um período de 20 anos, estabelecendo rígidos limites para a política fiscal. 

O teto se tornou, ao longo dos últimos anos, o principal alvo de parlamentares de oposição e especialistas da sociedade civil que defendem programas sociais mais robustos e efetivos. Mais uma vez, o arrocho fiscal volta ao centro da pauta política. De acordo com informações divulgadas pelo colunista Valdo Cruz, do G1, a ideia de ultrapassar os limites colocados pelo ajuste fiscal provocou reações do mercado financeiro, segmento de principal influência com o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Este teria sido o motivo do adiamento do anúncio. Defensores das políticas de redução do Estado, representantes do grupo pedem que sejam feitos mais cortes em outras áreas para custear o novo programa em vez de se furar o teto. A proposta é vista com maus olhos pelos setores que demandam um programa voltado aos mais pobres.

A ideia de novos cortes na máquina é impopular, e o governo enfrenta críticas desde 2019 por conta da crescente asfixia orçamentária imposta a diferentes áreas da administração pública, com destaque para saúde, educação e ciência.

Edição: Vinícius Segalla