É difícil aceitar que a nossa maior autoridade política descredibiliza o que temos de mais concreto.
A maior parte das internações e mortes por covid-19 registradas atualmente ocorrem entre pessoas que não tomaram a vacina. A constatação vem sendo corroborada por entidades da saúde e da ciência do mundo todo. Na semana que se encerra neste sábado (16), mais um estudo - dessa vez no Brasil - endossou a percepção.
De acordo com dados reunidos pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, nove entre cada dez pacientes em internação por covid nos últimos meses não receberam o imunizante. As pessoas não vacinadas têm 14 vezes mais chances de morrer por causa da doença.
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Não é a primeira vez que conclusões semelhantes são apresentadas. Os governos de Israel e Estados Unidos (EUA), por exemplo, vêm alertando há meses sobre a chamada "pandemia de não vacinados". Em algumas regiões quase todos os casos de internação registrados são de pessoas que não passaram pela imunização.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA divulgou uma pesquisa de grandes proporções, em que 600 mil pessoas foram acompanhadas. Os resultados indicam que quem não tomou a vacina tem dez vezes mais possibilidade de precisar de internação.
Em agosto, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), por meio da plataforma InfoTracker, indicava que 96% dos casos de internados e internadas ocorreram entre pessoas que não tinham o esquema vacinal em dia.
A médica Fernanda Americano Freitas Silva, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que o controle da pandemia esbarra no número de pessoas que ainda não tomaram a vacina.
Ela lembra que a Fundação Oswaldo Cruz, por meio do boletim Infogripe, relata que é preciso vacinar pelo menos 80% de toda a população brasileira para controlar a pandemia. "Por mais que estejamos em um momento melhor, ainda temos um caminho a trilhar", pontua a médica.
Segundo Fernanda, os números diários atuais no Brasil ainda devem preocupar "Eles demonstram a permanência da transmissão e a incidência de casos graves, que exigem cuidados intensivos e ainda podem gerar milhares de mortes nos próximos meses", alerta.
Bolsonaro do contra
A preocupação com o controle da pandemia por meio do avanço da vacinação foi o principal tema do novo relatório conjunto da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Divulgado na última quinta-feira (14), o documento faz um apelo aos governos da região para que acelerem a imunização. Esse é um dos focos considerados prioritários para controlar a crise de saúde no curto prazo.
“Junto com as fragilidades estruturais dos sistemas de saúde para enfrentar a pandemia, o prolongamento da crise sanitária está intimamente relacionado ao lento e desigual andamento dos processos de vacinação na região e às dificuldades dos países em manter as medidas sociais e de saúde pública nos níveis adequados”, diz o relatório.
No Brasil, dias antes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que não pretende se vacinar. Em entrevista a uma emissora de rádio apoiadora do governo ele mentiu ao dizer que não precisa da vacina porque já foi infectado pelo coronavírus.
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Pessoas que já foram contaminadas não estão protegidas contra a doença, o que já é comprovado por estudos científicos no mundo todo. A proteção oferecida pela vacina é a única forma de controle da pandemia.
As declarações de Bolsonaro foram feitas dias antes de o Brasil chegar à marca de mais de 600 mil óbitos por covid. A médica Fernanda Americano considera a postura do presidente "lamentável". Segundo ela, o chefe de Estado presta "mais uma vez um desserviço" à população brasileira com a postura.
"É difícil aceitar que a nossa maior autoridade política descredibiliza o que temos de mais concreto no combate à pandemia, que é a vacinação em massa. Bolsonaro deveria ser exemplo, mas como vimos desde o início, ele segue no discurso do caos e da morte", finaliza Fernanda.
Edição: Vinícius Segalla