Em constante crise política e econômica, agravada pela condução desastrosa da pandemia de covid-19, o Brasil agrava a cada dia o cenário de extrema pobreza, conforme aponta estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan). divulgada em abril.
Quase 20 milhões de brasileiros afirmam que passam períodos de 24 horas sem ter o que comer. Cerca de metade da população – 116,8 milhões de pessoas – sofre atualmente de algum tipo de insegurança alimentar. “O Brasil continua dividido entre os poucos que comem à vontade e os muitos que só têm vontade de comer”, afirmam pesquisadores da entidade.
De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, a situação vem piorando de forma acelerada sob o governo Bolsonaro.
“Em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia”, aponta o relatório.
Tamanho da fome no Brasil
O levantamento foi realizado em 2.180 domicílios das cinco regiões do Brasil, em áreas rurais e urbanas, de 5 a 24 de dezembro de 2020. Dos 116,8 milhões de pessoas atualmente em situação de insegurança alimentar, 43,4 milhões (20,5% da população) não contam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estão passando fome (insegurança alimentar grave).
“É um cenário que não deixa dúvidas de que a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou uma imensa redução da segurança alimentar em todo o Brasil.”
O número de brasileiros sem acesso a comida é maior do que a população total dos estados da Bahia (15 milhões) ou do Rio de Janeiro (17,5 milhões). Apenas Minas Gerais e São Paulo têm mais que 19,1 milhões de habitantes, o extrato da fome no Brasil de Bolsonaro.
Fome come
O estudo identificou que a situação de fome piorou em todas as regiões do país. Entretanto, o Norte e o Nordeste são os mais afetados. Enquanto 9% da população geral brasileira passa fome, este indicador é de 18,1% no Norte e 13,8% no Nordeste. A situação no campo também é pior do que na cidade – em áreas rurais, 12% dos domicílios passam pela privação.
Da mesma forma, o estudo identificou recortes de gênero, cor e escolaridade no quadro de insegurança alimentar do país. “Em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres, os moradores estavam passando fome, contra 7,7% quando a pessoa de referência era homem. Das residências habitadas por pessoas pretas e pardas, a fome esteve em 10,7%. Entre pessoas de cor/raça branca, esse percentual foi de 7,5%”, apontam os pesquisadores.
As diferenças são ainda mais brutais quando levados em conta índices de escolaridade. “A fome se fez presente em 14,7% dos lares em que a pessoa de referência não tinha escolaridade ou possuía Ensino Fundamental incompleto. Com Ensino Fundamental completo ou Ensino Médio incompleto, caiu para 10,7%. E, finalmente, em lares chefiados por pessoas com Ensino Médio completo em diante, despencou para 4,7%”.
Várias faces
O estudo identificou que a insegurança alimentar avançou também entre pessoas que não se encontram em condição de extrema pobreza. Isso tem relação com o desemprego e a inflação, que corrói o poder de compra, enquanto salários seguem congelados.
“Cerca de metade dos entrevistados relatou redução da renda familiar durante a pandemia, provocando inclusive cortes nas despesas essenciais. Esses lares constituem o grupo com maior proporção de insegurança alimentar leve – por volta de 40%. Isso aponta para o impacto da pandemia entre famílias que tinham renda estável, que provavelmente foram empurradas da segurança alimentar para a insegurança alimentar leve”.
Por fim, a Rede Pessan afirma que “a solução para erradicar a fome passa por políticas de geração de emprego e renda”. Os pesquisadores lamentam que, embora agravado pela covid-19, os indicadores estão regredindo já mesmo em período anterior à pandemia.
“O sucesso da garantia do direito humano à alimentação adequada, alcançado até 2013, foi progressivamente revertido a partir de 2014 (…) A escalada da fome durante a pandemia não é de responsabilidade de um vírus, mas de escolhas políticas de negação e da ausência de medidas efetivas de proteção social”.