Essa possibilidade [de denunciar Bolsonaro como genocida] realmente existe e tem muita viabilidade
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) confirmou ao Brasil de Fato que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) será indiciado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia no Senado.
O relator da CPI disse ainda que deve definir nos próximos dias, em diálogo com os demais membros da comissão, se Bolsonaro será enquadrado em crime de genocídio.
"Nós estamos avaliando a possibilidade de responsabilizar (Jair Bolsonaro) pelo crime de genocídio, mas essa decisão não está totalmente tomada. A partir do dia 15, vou consultar os senadores que integram a comissão para que nós façamos isso de maneira coletiva. A investigação parlamentar é uma investigação coletiva sempre. Você não decidirá sozinho qual o encaminhamento é importante", declarou.
::Renan Calheiros vai propor indiciamento de Jair Bolsonaro em relatório final da CPI da Covid::
O congressista foi o convidado desta semana do BdF Entrevista. Calheiros recebeu a reportagem em seu gabinete na tarde da última terça-feira, em Brasília, após a sessão da CPI. Em uma conversa de pouco mais de 40 minutos, o senador alagoano fez um balanço da CPI, apontando as principais conquistas e dificuldades da investigação parlamentar.
Segundo ele, para a CPI não "acabar em pizza", é "importante que nós mantenhamos a sociedade mobilizada". Ele citou a responsabilidade de pressionar o Ministério Público Federal e os demais órgãos de Justiça para que os indiciados sejam, de fato, responsabilizados.
Calheiros citou ainda a responsabilidade dos senadores em garantir que os crimes sejam punidos. O senador apontou que pesquisas mostram altos índices de apoio popular à CPI: "Essa comissão parlamentar de inquérito obteve índices superlativos de aprovação, nós chegamos a 70% de aprovação. Isso é uma coisa inacreditável do ponto de vista da avaliação dos parlamentos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo".
O senador falou ainda sobre as eleições de 2022 e sua relação com o ex-presidente Lula (PT).
::Coluna | CPI da Covid: sem pizza no forno::
Confira, na íntegra, a entrevista com Renan Calheiros:
Brasil de Fato: Começando o nosso papo, queria falar sobre um tema que está mais talvez mais fresco em sua memória para a gente trabalhar um pouquinho do que aconteceu hoje [terça] na CPI. A VTCLog é acusada de saques volumosos, depois de levantar suspeitas em contratos que foram feitos com o governo federal. O [empresário] Raimundo Nonato Brasil que participou hoje da CPI tinha um habeas corpus e pareceu fazer um corpo mole nas respostas. O senhor já havia dito mais cedo que faltavam amarrar algumas pontas para chegar até o caminho do dinheiro, para onde vai, de onde vem... Ficou satisfeito de alguma maneira com o depoimento de hoje?
Renan Calheiros: Não, evidentemente que não porque ele pouco colaborou. A CPI já comprovou evidentemente que nós tivemos saques volumosos. Em um um desses saques, a VTCLog pagou um compromisso do Roberto Ferreira Dias que era o diretor de Logística do Ministério da Saúde.
Foi ele quem assinou esse contrato de R$ 59 milhões e que possibilita o pagamento de R$ 97 milhões todos os anos. Esse contrato é de 2018, então você pega 2018, 2019, 2020 e 2021. Como é autorrenovável e sem licitação, são quase R$ 400 milhões de reais.
A cada momento, a VTCLog pede a revisão desse contrato. O Tribunal de Contas da União já suspendeu o aditivo, o que significa dizer que, do ponto de vista da materialidade, nós já avançamos. Mas precisávamos saber qual o destino final desse dinheiro sacado. Ele foi para que lugar?
O motoboy, quando esteve aqui na comissão parlamentar de inquérito, ele fez questão de declarar que ele sacava o dinheiro, altos volumes. E o dinheiro que sobrava, ele levava de volta para a empresa e deixava na sala da senhora Zenaide, que é quem dava o destino final. Isso nós ainda não conseguimos acessar. Constatamos várias provas, mas infelizmente esse objetivo hoje não caminhou com esse depoimento.
Há uma série de documentos que foram entregues sigilosamente à CPI, além das quebras de sigilo bancário. Existem provas que não vieram a público, mas que são relevantes para a produção, por exemplo, do relatório que o senhor deve entregar?
Existem muitas provas. Nesta reta final, nós estamos dedicados a tarefas simultâneas: avançar na investigação da VTCLog, acessando novas informações, de novos sigilos que continuam a chegar, além de fazer o desenho do relatório final. A partir do dia 15, eu vou individualmente conversar sobre o relatório com cada um dos senadores da comissão parlamentar de inquérito. Então, nós estamos trabalhando para que essas coisas todas aconteçam efetivamente assim.
Vamos fazer a leitura do relatório no dia 19, às 9 da manhã. Nós teremos uma cerimônia em homenagem às vítimas dessa que é a maior tragédia de todos os tempos no nosso país. É duro constatar que muitas dessas mortes, quase 600 mil, poderiam ter sido evitadas aqui na Comissão Parlamentar de Inquérito.
Nós trouxemos estudos, com números incontestáveis, com relação ao número de mortes que poderiam ter sido evitadas e isso enfurece ainda mais a população brasileira, que viu, diante da circunstância do agravamento, o presidente da República defender de maneira absurda a imunização de rebanho coletiva natural, ou seja, ele se tornou aliado do vírus para o vírus caminhar livremente e levar ao contágio da população.
Ele imaginava que, elevando o contágio da população, haveria uma imunização natural e nós não precisaríamos da vacina. Por isso, deixou de comprar a vacina na hora certa. Muita gente estava esperando para vacinar, muitas não vacinaram e muitas consequentemente morreram. Então, a comissão tem fundamentalmente cumprido um papel relevantíssimo em passar a limpo toda essa situação.
Há uma percepção de que a CPI vai terminar e, apesar de esperarmos bastante do relatório, há uma dúvida sobre o destino desse documento final. Vai para a PGR, para o TCU. Mas, o que é necessário para que esse relatório seja de fato base para denúncias e julgamentos e seja colocado para a sociedade como uma resposta às ações do governo na pandemia?
É importante lembrar que nós temos um prazo para que essa avaliação aconteça no âmbito da Procuradoria-Geral da República. Vamos mandar para a procuradoria tudo o que disser respeito a essa prerrogativa de foro privilegiado. Quem não estiver com essa prerrogativa de foro, nós mandaremos os documentos e tudo o que foi averiguado para as instâncias inferiores do Ministério Público Federal dos estados e do Distrito Federal. Porque, sem dúvida nenhuma, eles terão mais celeridade do que a própria procuradoria, que tem um prazo de 30 dias.
O importante também é que nós mantenhamos a sociedade mobilizada. Essa Comissão Parlamentar de Inquérito obteve índices superlativos de aprovação, chegamos a 70% de aprovação. Isso é uma coisa inacreditável do ponto de vista da avaliação dos parlamentos, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.
Os parlamentos são instituições que enfrentam, pelas circunstâncias, um determinado desgaste. Então, no momento em que cai a avaliação do Parlamento, você tem uma instituição parlamentar que chega a ter 70% de aprovação da sociedade. Nós temos que fazer justiça a tudo isso que procuramos em todos os momentos nos dedicar.
Nós tentamos fazer o melhor sempre. Fomos duros na averiguação, nos interrogatórios, nos depoimentos. E nós, igualmente, precisamos agir com relação ao resultado final, que é o relatório. Nós vamos é mandar esses documentos para a procuradoria o para os Ministérios Públicos Federais procederem ou darem continuidade às investigações. Por isso, nós precisamos, como eu falei, manter a sociedade mobilizada.
Em alguns casos, nós estamos avaliando a possibilidade de responsabilizar pelo crime de genocídio, mas essa decisão não está totalmente tomada.
Nós também vamos entregar os documentos para a CPI da Câmara Municipal de São Paulo, para a CPI da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que tratam da questão da Prevent Senior especificamente. O que aconteceu ali foi uma coisa absurda sob qualquer aspecto e criminosa. Você utilizar idosos em uma experiência com humanos e transformá-los em cobaia para reduzir o custo e depois para tentar justificar uma tese de que o Brasil tinha um tratamento precoce.
O presidente da República disse em vários momentos: "Eu tomei! Eu tomei a cloroquina e, no meu caso, resolveu e curou. É 100% de eficácia". Na medida em que ele falava isso e repetia, fazia questão de deixar suas digitais. Ele repetiu isso até na ONU. Ele precisa ser responsabilizado e a CPI vai responsabilizá-lo.
É justamente sobre isso essa próxima pergunta, senador. Quais serão, de fato, os crimes imputados ao presidente da República no relatório?
A CPI, com relação à discussão da caracterização da utilização dos tipos penais, ela é inédita. Porque, como você sabe, nós antecipamos esse debate com juristas, recebemos sugestões de encaminhamento, propostas. E nós conversamos e fizemos um debate. Recebemos a sugestão de um parecer do grupo de juristas liderado pelo professor Miguel Reale Júnior.
Depois, também do Grupo Prerrogativas, da Ordem dos Advogados do Brasil, da FGV e da PUC, através dos seus representantes. Nós continuamos a consultar as pessoas, então há uma definição com relação à utilização do crime de responsabilidade. Vamos responsabilizar o presidente da República e outras pessoas do governo e vamos responsabilizar o Estado brasileiro pela maneira em que, por omissão, participou dessa tragédia toda.
Vamos utilizar, nessa responsabilização, vários tipos dos crimes comuns, dos crimes contra a saúde pública, dos crimes contra a humanidade. Em alguns casos, nós estamos avaliando a possibilidade de responsabilizar pelo crime de genocídio, mas essa decisão não está totalmente tomada. A partir do dia 15, vou consultar os senadores que integram a comissão para que nós façamos isso de maneira coletiva. ]
A investigação parlamentar é uma investigação coletiva sempre. Você não decidirá sozinho qual o encaminhamento é importante. É fundamental que você tenha sempre uma maioria para assegurar o seu ponto de vista.
Eu conversei recentemente, aqui no nosso programa de entrevista, com o epidemiologista Pedro Hallal. Ele falou sobre a participação dele na CPI e propôs uma divisão da CPI em dois momentos. Um até a chegada ao depoimento dele e da Jurema Werneck, ainda tratando sobre a omissão do governo em algumas questões da pandemia. E outra, em um segundo momento, tratando dos desvios e da corrupção do Ministério da Saúde. Na entrevista, o Pedro trouxe uma questão interessante: se era possível ali, naquele momento, determinar as tipificações penais e responsabilizações de alguns agentes para que a gente pudesse ter uma resposta mais rápida. O que o senhor acha?
Nós admitimos fazer relatórios preliminares. Nós não tínhamos como foco investigar essa questão de desvio de dinheiro público. Isso acabou aparecendo no dia a dia dos trabalhos da própria Comissão Parlamentar de Inquérito. Nós tivemos informações dessa coisa da Covaxin no primeiro interrogatório e fomos avançando. O governo reagiu e não queria suspender o contrato até que a Bharat Biotech retirasse a representação da Precisa Medicamentos no Brasil. Foi decisiva a presença da CPI para que fosse, de fato, exposto e estancado.
Outro ponto é que as pessoas mais próximas do governo federal vinham orientadas, meio que adestradas, para negar tudo, absolutamente tudo. Mas a gente fazia um interrogatório com muita seriedade, tentando que ele fosse conciso. Muitas vezes, a gente acessou informações importantíssimas que não estavam previstas, por exemplo, no depoimento do Fabio Wajngarten, em que ele acabou falando das ofertas da Pfizer.
Disse que não receberam sequer resposta do governo federal, o que caracteriza e materializa que o governo poderia ter ali, naquele momento, comprado vacina. As ofertas da Pfizer, do Butantan com a CoronaVac e da OMS, elas possibilitariam, ainda no final do ano passado, a compra de 170 milhões de vacinas. O Brasil poderia ter sido um dos primeiros países do mundo a vacinar.
O dia em que nós recebemos os estudos do Pedro Hallal e da Jurema Werneck foi um dos maiores dias da comissão parlamentar de inquérito, porque nós demonstramos em todos os momentos do enfrentamento à pandemia o número de mortes que poderiam ter sido evitadas desde que o governo federal tivesse feito coisa certa, como os outros países do mundo estavam fazendo. O presidente da República do Brasil foi o único chefe de Estado e de governo que não fez uma autocrítica. Pelo contrário, ele fazia questão de deixar suas digitais. Repetia sempre as mesmas coisas, de que não ia comprar vacina.
O Congresso fez uma autorização de 20 bilhões para comprar vacina e o Bolsonaro disse que iria sentar em cima do cheque, que não compraria. O que surpreendeu a Comissão Parlamentar de Inquérito foi que, no exato momento em que ele estava fazendo isso, ele ligou para o primeiro-ministro da Índia e pediu para proporcionar a venda através da Bharat Biotech e da Precisa, que é uma empresa ligada ao líder do seu governo na Câmara dos Deputados. E ainda teria o preço mais caro de todas as vacinas.
::Pivô no escândalo da vacina Covaxin, dono da Precisa Medicamentos se cala na CPI da Covid::
Dessa forma, conseguimos impactar a continuidade da corrupção e da negociação. Eles pediram dinheiro adiantado do contrato. Um contrato de R$ 1,614 bilhão. Esse dinheiro seria recebido em paraíso fiscal. As invoices que foram apresentadas ao ministério estavam falsificadas e, depois, a própria Bharat Biotech constatou. Uma coisa cheia de regularidade e indefensável em todos os aspectos. Isso tudo serviu para demonstrar ao Brasil que, além de não querer vacina, de não comprá-las na hora certa, quando decidiu comprá-la, o governo o fez por atravessadores, que queriam potencializar e potencializar o preço dessas vacinas.
E, no dia 6 de março, o que é mais constrangedor ainda, o governo, através do Ministério da Saúde, pediu mais 50 milhões de doses de vacinas. Ele tinha comprado 20 milhões, tinha dado esse escândalo todo, e, no dia 6 de março, ele pediu mais de 50 milhões nas mesmas condições. Ou seja, a CPI tem que responsabilizar as pessoas que participaram desse encaminhamento, estejam evidentemente onde estiver.
Dois temas importantes que rondaram a CPI, mas não conseguiram ser tratados com uma investigação mais criteriosa, foram os indígenas e os militares. É verdade que houve a presença de alguns militares, como o general Eduardo Pazuello...
Os coronéis, aqueles que estiveram à frente do ministério. Quando o Pazuello foi para o ministério, ele levou 70 militares, sendo que 27 desses militares em cargos de direção. Nós tivemos, lamentavelmente, o envolvimento deles. Nós investigamos como podíamos.
Mas, em todos os momentos, eu tentei levar para depor o ministro da Defesa, não pelo fato de ser ministro da Defesa, mas pelo fato de ter sido o coordenador do comitê de enfrentamento da pandemia e de ter exercido a chefia da Casa Civil da Presidência. O depoimento dele era muito importante, mas nós não conseguimos uma correlação de forças favorável à sua convocação.
Como o senhor vê esses dois pontos: os militares e também a questão dos indígenas. Existe a possibilidade de caracterizar como um genocídio comandado pelo presidente da República contra os povos indígenas?
Nós estamos estudando essa possibilidade, não é? Como eu falei, nós estamos discutindo com juristas. Essa possibilidade realmente existe e tem muita viabilidade.
Sobre os militares, como é que eles deverão aparecer no relatório final, já que fica claro a responsabilidade de vários dos militares do entorno do presidente da República na gestão da pandemia?
Aqueles todos de quem nós encontramos digitais nesse processo, nessa corrupção, serão responsabilizados. Porque, do ponto de vista da Comissão Parlamentar de Inquérito, o importante para nós em todos os momentos era proteger a vida das pessoas, defender a ciência, levar o Brasil de volta para essa racionalidade e enfrentar o negacionismo. Quando você se predispõe a investigar, você não vai investigar ou não em função da atividade que a pessoa exerce, ou em função do fato de ser civil ou de ser militar. O importante é que se leve adiante essa investigação.
Inclusive do ministro da Defesa, Walter Braga Netto?
É. Inclusive do ministro da Defesa. Em vários momentos, eu tentei trazê-lo para depor, mas acabou depondo na Câmara dos Deputados por outros assuntos. Eu não lembro qual, seria muito importante, mas nós não tivemos como aprovar, infelizmente.
::Para ex-ministro da Saúde, CPI da Covid deveria ter convocado Braga Netto e outros militares::
Nós só vamos deixar em aberto, na verdade, dois assuntos. Esse da VTCLog, nós constatamos tudo. Temos materialidade dos saques, do dinheiro. Sabemos para onde o dinheiro ia lá na VTCLog, mas não temos os documentos da destinação final desse dinheiro, apenas. Mas o Tribunal de Contas da União já cancelou aditivo é nós provamos que, em um determinado saque, como eu disse, a VTCLog pagava compromissos do Roberto Ferreira Dias, que foi o cara que, como chefe da Diretoria de Logística do Ministério da Saúde fez esses contratos.
E muitas outras bandalheiras em que eles estão metidos, em praticamente tudo o que a Comissão Parlamentar de Inquérito investigou. Hoje mesmo, o Tribunal de Contas da União cancelou um contrato do Ministério da Saúde que possibilitaria um sobrepreço de R$ 160 milhões na aquisição de um produto, sem licitação. Isso era uma prática que eu acho que a CPI esvaziou.
Gostaria de ouvi-lo sobre a possibilidade de dois nomes terem prestado depoimento à CPI. O primeiro seria mais uma oitiva com o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Nós o ouvimos duas vezes. Era importante um depoimento sobretudo depois da sua conversão ao negacionismo, a quem jurou não pertencer de maneira vergonhosa. Ele também suspendeu a vacinação dos adolescentes sem comorbidade. Coisas inacreditáveis. Depois, ele fez questão de posar em público sem máscara para induzir esse comportamento na população. Nós não vamos trazê-lo em função do prazo, mas nós hoje aprovamos na comissão questionamentos que serão feitos diretamente ao ministro.
Outro nome é o do ministro da economia Paulo Guedes, seja pela questão do auxílio emergencial ou pela questão das offshores, que me parece uma questão ilegal.
Pelo cargo estratégico que ele exerce, isso pode, de uma forma ou de outra, ter impactado na própria movimentação dessa offshore. Mas, estaremos mandando também algumas perguntas para o ministro Paulo Guedes porque, em alguns momentos, o Ministério da Economia criou dificuldade para a imunização dos brasileiros. Naquele início, a CPI levantou que alguns artigos de uma Medida Provisória que permitia a compra de vacinas foram retirados por sugestão do Ministério da Economia.
Na última vez em que esteve aqui na comissão, a doutora Bruna Morato, advogada dos médicos que denunciaram a questão da Prevent Senior, fez questão de dizer como aquilo era uma pretensão do governo de fazer uma renovação, uma revolução na história da Medicina, sobretudo tratando com cloroquina, com ivermectina, com azitromicina.
Ela declarou em alto e bom som que, nesse projeto Prevent Senior, havia uma decisiva participação da Presidência da República e do próprio Ministério da Economia. Quando essas coisas são colocadas na CPI, é importante que você averigue, que as investigue. É isso que nós íamos fazer, mas o tempo não vai nos possibilitar.
O gabinete das sombras, o gabinete paralelo, era realmente o principal, porque despachava com o presidente da República todos os dias.
Uma outra questão também é essa questão dos hospitais federais do Rio de Janeiro, porque depois do depoimento do ex-governador do Rio de Janeiro [Wilson Witzel], em que ele citou os hospitais do estado, que são federais e só existem no Rio de Janeiro. O Rio é o único estado que tem esses hospitais federais. E eles tinham um dono, quase a indicar que pessoas poderiam exercer essa influência.
Nós quebramos muitos sigilos, mas essa coisa da corrupção você não a detecta em sigilos bancários. Porque a corrupção, evidentemente, é uma coisa por fora, que as pessoas não colocam por dentro de suas movimentações. Isso, na verdade, dificulta que nós tenhamos acesso a essas informações para responsabilizar as pessoas que estiveram envolvidas nisso.
Senador, lá nos anos 90, o senhor deu uma entrevista durante a gestão do ex-presidente Fernando Collor, falando sobre um governo paralelo que atuava no entorno dele, operado pelo PC Farias. E, agora, provas mostram outro gabinete paralelo e o chamado de gabinete do ódio. A república Brasileira se reinventou?
Eu acho que é uma atualização dos fatos. Nós comprovamos, desde o início, a existência do gabinete paralelo, que era uma espécie de gabinete das sombras que fora criado exatamente para substituir o próprio Ministério da Saúde. Ou seja, em português claro, quem virou paralelo foi o Ministério da Saúde. O gabinete das sombras, o gabinete paralelo, era realmente o principal, porque despachava com o presidente da República todos os dias, priorizava o gasto público, o tratamento, a não aquisição de vacinas.
Ele teve a participação de pessoas que ficaram muito conhecidas no noticiário nessa coisa do enfrentamento à pandemia. A doutora Nise Yamaguchi, o Anthony Wong, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) e outras pessoas.
E temos também, o que foi um desdobramento das investigações que acontecem no Supremo Tribunal Federal e foram aprofundadas na comissão, apesar do curto espaço de tempo, avanços com relação ao gabinete do ódio. Era um gabinete que existia exatamente para fazer a defesa do governo e dessas "curas" selvagens que estavam sendo levadas a efeito pelo governo para atacar as pessoas e desfazer as reputações.
O gabinete do ódio trabalha desde a eleição e continua a trabalhar em vários momentos dos últimos anos no Brasil, inclusive agora, atacando a própria CPI. Então, isso é uma reinvenção de outros tempos, sem dúvida.
O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) enfrentou o senhor e outros senadores diversas vezes nesse período todo de CPI. Como o senhor encarou esse processo que imagino que tenha sido desgastante?
Desde o início, foi muito desgastante, porque você lembra que ele [Flávio Bolsonaro] judicializou a minha designação como relator. Foi a primeira vez que aconteceu isso na história do Brasil. Depois, quando a CPI me indicou relator, eles conseguiram uma decisão na primeira instância dizendo que eu não podia ser relator. Nós tivemos que derrubar essa decisão na segunda instância e, quando a CPI começou, evidentemente, nós recebemos provocações. Não só eu, mas muitas pessoas da CPI.
Eu te confesso que a gente reagia sempre de uma maneira diferente, por mais preparado que você tivesse, para não reagir. Mas, em alguns momentos, você escorrega e acaba reagindo. Você não repete isso no dia seguinte, mas, naquele momento, muitas vezes as coisas esquentam. Toda vez que isso aconteceu, eu pedi desculpas ao povo brasileiro e aos meus companheiros da própria comissão, porque nós não estávamos ali para responder a xingamento nem para a agredir.
::Flávio Bolsonaro teria participado de negociação para compra de vacina nos EUA, diz revista::
No início da CPI, o senhor disse que não receberia o Lula para não contaminar a comissão com a polarização que há na sociedade.
Não é que não receberia. O Lula é um grande amigo. Como sabem, fui presidente do Senado quatro vezes e tenho com o presidente Lula uma convivência muito próxima e direta. Fui visitá-lo no Paraná e fui solidário a ele em todos os momentos daquela perseguição. Até mesmo quando as pessoas não ousavam enfrentar a Lava Jato, fiz esse papel.
O projeto de abuso de autoridade é de minha autoria, sobretudo depois do que a Laja Jato fez, não tinha como não ter uma lei de abuso de autoridade. Também colaborei bastante com a aprovação do juiz de garantias, que foi suspenso pelo ministro Fux. Depois do Moro, não tem como não ter um juiz de garantias. Isso ficou demonstrado por decisões seriadas do próprio Supremo, mostrando que o Moro se envolveu e utilizou aquilo impedir a candidatura de Lula, que liderava as pesquisas.
Eu telefonei ao Lula e disse a ele que, tão logo acabe a comissão, o visitarei em São Paulo para conversar. Eu acho que não é conveniente para a CPI envolvê-lo nessa circunstância. Uma das narrativas é que, por ser amigo do Lula, eu teria uma condução parcial e não isenta. E não podíamos nos submeter a essa possibilidade.
Como o senhor enxerga o cenário para as eleições presidenciais de 2022?
A CPI acentuou bastante – e não era esse o nosso objetivo – o desgaste do presidente da República, que até agora não parou de cair. Ele continua caindo, desgastado, com mais de 60% da população enxergando o governo como corrupto, desacreditado. Ele é despreparado para a maioria da população. Isso tudo vai preponderar no debate presidencial. Eu enxergo que, do ponto de vista matemático, é muito difícil a ascensão da terceira via. Se Bolsonaro não arriar para 16% ou 17% de aprovação, de modo a criar condições para que alguém da terceira via ocupe esse espaço, dificilmente haverá um outro candidato competitivo.
Edição: Leandro Melito