LGBTQIA+

Representatividade nas HQs: conheça dois quadrinhos brasileiros com protagonistas gays

"Arlindo" e "Acumulus" narram a trajetória de descoberta e aceitação da sexualidade

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O personagem Arlindo nasceu durante a campanha eleitoral de 2018: a ideia era discutir o impacto dos discursos de ódio em crianças e adolescentes - Ilustralu
As páginas com mais repercussão foram a do primeiro beijo e a que Arlindo conta para a mãe que é gay

O ano é 2007, e Arlindo é um adolescente gay em uma cidade do interior do Rio Grande do Norte. Esse é o enredo de “Arlindo”, quadrinho criado por Luiza de Souza, mais conhecida como Ilustralu. 

“A ideia da história veio depois da eleição de 2018. Durante a campanha, eu tinha feito algumas tirinhas com esse personagem pra falar sobre como esse discurso de ódio chegava nas crianças e nos adolescentes”, conta.

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A tirinha acabou virando uma webcomic divulgada pelo Twitter. A cada semana, Ilustralu fazia dois posts. A primeira página foi ao ar no dia 9 de janeiro de 2019, e a última, na véspera do Natal de 2020.

Foram dois anos em que os internautas acompanharam a vida de Arlindo: a relação com as amigas, as paixões, as decepções. As páginas que geraram mais repercussão foram a do primeiro beijo, e a que Arlindo conta para a mãe que é gay. 

“Quando a mãe dele vai dar a resposta pra ele, eu queria que ela desse a resposta que todo mundo deveria ouvir. Então pelo menos naquele momento, a pessoa que está lendo aquilo vai ler a resposta que ela deveria ter ouvido”, explica.

Quando você via uma referência era sempre como algo errado, como algo ruim


A página em que Arlindo conta para a mãe que é gay foi uma das mais comentadas no Twitter / Ilustralu

Ilustralu conta que várias pessoas tomaram coragem de se assumir para a família por causa de “Arlindo”. O sucesso nas redes acabou transformando a webcomic em um livro físico lançado pela editora Seguinte, e criou uma pequena legião de fãs: os Arlinders. 

Gui V. Almeida é um deles, e cita “Arlindo” como inspiração para sua HQ autobiográfica “Acumulus”, com lançamento previsto para novembro. A história nasceu a partir de uma conversa com o pai, que foi a última pessoa para quem Gui contou que é gay, aos 34 anos. 

É muito legal ver (...) gente que se apegava à história porque se identificava

“Depois dessa conversa, veio a reflexão sobre essas várias etapas: como eu me senti sem ter um ponto de referência, que era um problema muito forte da infância, sentindo muita pressão comigo mesmo na adolescência, as várias soluções que eu tentei criar pra não ser gay. Eu saí muito tarde do armário, saí do armário com 24 anos. Então o livro cobre principalmente essa fase entre eu me descobrir e eu começar a me relacionar com homens”.


Em "Acumulus", Gui V. Almeida mostra os percalços para aceitar a própria sexualidade crescendo nos anos 1990 / Gui V. Almeida

Gui explica que a ideia inicial não era lançar a história, e sim criar algo para si mesmo, como uma forma de reflexão sobre a própria vida. Mas os amigos que leram, falaram que essa história tinha que ir para o mundo.

Apesar do medo de se expor e de expor a família, Gui topou a empreitada e conseguiu um contrato com a editora independente Na Varanda. Tanto “Acumulus” quanto “Arlindo” passaram por financiamentos coletivos muito bem-sucedidos. “Arlindo” alcançou 455% da meta.

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“É muito legal ver que a construção disso não foi solitária, foi muita gente vendo sua história sendo contada, ou contando um pedaço da própria história nos comentários. Gente que se apegava à história porque se identificava, porque queria ter tido algo assim”. 

“Acumulus” também bateu a meta estipulada, e uma das opções de apoio era doar um livro para escolas ou bibliotecas públicas. Conseguiram mais de 80 doações. Gui acredita que sua história pode ajudar meninos que também estejam passando pela fase de descoberta e de aceitação da própria sexualidade. 

“Eu como alguém que foi adolescente nos anos 90, não existiam referências algumas. Pelo contrário, eu até falo disso no livro, quando você via uma referência era sempre como algo errado, como algo ruim. Tanto que eu tenho compromisso como quadrinista e escritor, dos protagonistas serem sempre LGBTQIA+. Só quando você lê uma história de alguém que te representa, você entende o poder de verdade das histórias”, afirma.

Para conhecer mais do trabalho destes dois quadrinistas, é só segui-los no Twitter: o da Luiza é @ilustralu, e o do Gui é @AlmeidaGui
  
 

Edição: Douglas Matos