O depoimento da advogada Bruna Morato foi o mais contundente da CPI da Covid desde sua instalação, segundo vários senadores. Representante de ex-médicos que denunciaram a Prevent Senior, ela saiu do Senado com pedido de proteção a sua segurança. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, requisitou à secretaria da Mesa que oficiasse a Polícia Federal para que se manifeste com urgência sobre o pedido, sugerido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). A advogada agradeceu, pois disse ter “grande preocupação com o que vai acontecer com a minha vida a partir do dia de hoje”.
A depoente afirmou que os administradores e médicos da cúpula da operadora de saúde se sentiam seguros para utilizar seus protocolos. Segundo disse, “a Prevent Senior tinha segurança de que não seria fiscalizada pelo Ministério da Saúde”.
Bruna acrescentou que essa segurança “fez nascer neles o interesse por um protocolo experimental, cientes de que não seriam investigados pelo Ministério da Saúde”. A informação a que teve acesso, de acordo com ela, indicava um “pacto” – intermediado pelo o chamado “gabinete paralelo” – pelo qual a seguradora poderia implementar protocolos próprios, com medicamentos ineficazes e em casos de idosos muitas vezes letais.
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A aproximação entre a em´presa foi feita pelos médicos Nise Yamagushi, Paolo Zanotto e Anthony Wong, que morreu de covid. Esse seria o “grupo de assessores médicos próximos ao governo que tinham informações até então cientificas, próximas aos interesses do Ministério da Economia, com relação ao país não precisar aderir ao lockdown”, disse Bruna, em referência ao “gabinete paralelo”, nomenclatura que ela afirmou ter conhecido pela CPI.
“Óbito também é alta”
Graças ao “pacto”, a Prevent Senior pôde executar sua política de “combate” à pandemia, que interessava ao governo de Jair Bolsonaro e ao Ministério da Economia. O objetivo era justificar à sociedade a necessidade de voltar a trabalhar, ignorando isolamento social e demais recomendações científicas, induzindo a população à imunidade de rebanho.
A operadora internava pacientes contaminados com o vírus junto com outros pacientes não infectados. Médicos contaminados eram obrigados a trabalhar. Há suspeita de que os hospitais da rede reduziam o nível do oxigênio de alguns pacientes internados com mais de dez ou 14 dias, o que foi classificado como “eutanásia” por senadores. Bruna Morato afirmou ter ouvido relato nesse sentido de um médico que presenciou tal prática. “A expressão que ouvi é de que “óbito também é alta’”, disse Bruna. Ela pediu à CPI a “devida averiguação” do fato.
De Mandetta a Pazzuelo
A senadora Eliziane Gama traçou uma linha de tempo pela qual associou as denúncias ao processo que desencadeou a saída do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta da pasta em 16 de abril de 2020. Ela lembrou que, em 31 de março, o então ministro aventou, em uma coletiva, a possibilidade de intervenção na Prevent Senior, que registrava então cerca de 65% das mortes por covid-19 no estado de São Paulo. Mandetta estaria se contrapondo ao “alinhamento” que interessava mutuamente ao governo e à operadora.
Em 20 de maio de 2020, Mayra Pinheiro, ainda hoje secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, apresentou uma nota informativa pela qual fazia recomendações sobre uso de hidroxicloroquina. O comunicado se deu cinco dias depois da demissão do segundo ministro da Saúde do governo, Nelson Teich, que deixou a pasta alegando que não tinha autonomia.
“Naquele momento a doutora Mayra apresenta uma nota do ministério para toda a nação brasileira fazendo recomendação para o uso da hidroxicloroquina e cita a rede Prevent Senior como se fosse um case de sucesso”, disse Eliziane. O ministro já era, então, interinamente, o general Eduardo Pazuello.
A “pílula da esperança”
Segundo Bruna Morato, a Prevent Senior entrou “para corroborar” a tese de as pessoas se exporem mais ao vírus com a sensação de que existia possível tratamento para reduzir a letalidade. “A expressão que ouvi dos médicos é de que aquilo seria uma ‘pílula de esperança’. A Prevent Senior iria validar, chancelar as informações que tinham sido propagadas fornecendo dados contundentes com a possibilidade de tratamento ou cura da covid-19”, disse.
“Autorização para matar”
Com isso, se validava a entrega dos kits covid sem autorização dos conselhos de ética médica e “experiências” sem autorização dos pacientes. Havia muitos médicos contrários às práticas da Prevent Senior, segundo Bruna. “Não existe nada mais degradante do que ouvir o relato de um médico que quer o bem do paciente, mas não tem autonomia respeitada na missão de salvar vidas.”
“A Prevent Senior tinha autorização do governo, tinha autorização do Conselho Federal de Medicina, autorização do Ministério da Saúde, tinha autorização para matar em nome do desenvolvimento de uma fórmula milagrosa para apresentar para a sociedade e (para que) ela pudesse voltar ao trabalho”, resumiu Rogério Carvalho (PT-SE). “Estamos falando de homicídio abertamente”, disse Alessandro Vieira.
Bruna Morato x senador Marcos Rogério
Pela primeira vez na CPI, um depoente confrontou o senador Marcos Rogério (DEM-RO), bolsonarista, que tentou intimidar a advogada. Foi logo ao ser questionada por não revelar nomes dos médicos que defende e sobre os motivos de estar ali. “Senador Marcos Rogério, gostaria de esclarecer umas coisas que o senhor demonstra bastante desconhecimento. O senhor desconhece as prerrogativas. Eu estou aqui porque tenho direito de estar aqui”, disse.
O bolsonarista tentou interromper, mas a advogada continuou. “Se o senhor desconhece a função social do advogado, não deveria estar aqui me inquirindo. Essa descompostura, essa deselegância na tentativa de desqualificar a denúncia, mostra que vocês não têm qualquer condição técnica pra tentar contestar os fatos”, fulminou Bruna.
Ela foi defendida pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), segundo a qual a depoente, como advogada, tem direito constitucional de não revelar nomes de clientes. Alessandro Vieira sugeriu ao bolsonarista que ele voltasse a estudar Direito para deixar de “passar vergonha”.
Soraya Thronicke (PSL-MS) criticou os que “vociferam” sem estudar documentos, e afirmou que a CPI não é de esquerda, de direita, de centro ou do Centrão, e acrescentou que pessoas que estão acompanhando (a CPI) não têm ideia das provas levantadas. “Ou, se finge não ver, esse é um criminoso”, disse a senadora eleita pelo mesmo partido que elegeu Bolsonaro.