Segurança pública

Por que especialistas apontam que Guarda Municipal de Curitiba vive processo de militarização

Letalidade da força pública aumenta com escalada de violações de direitos, abordagens truculentas e até assassinato

Curitiba (PR) |
Ato denunciou a morte do jovem Mateus Noga em ação da Guarda Municipal de Curitiba - Foto: Giorgia Prates

Ameaça de despejo forçado em plena pandemia, uso arbitrário de armas não letais, prisão de um parlamentar negro por desacato a autoridade, e até assassinato de um jovem de 22 anos, no centro histórico de Curitiba. A Guarda Municipal (GM) da cidade esteve envolvida em ações contestadas, seja pelo uso excessivo da força ou denúncias de abuso de autoridade.

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No domingo, 12, uma ação da GM para dispersar uma aglomeração no Largo da Ordem, centro da cidade, resultou na morte de Mateus Noga, 22 anos, que ali estava celebrando ter tirado a carteira de motorista com os amigos. Foram mais de nove tiros de arma letal disparados pela Guarda Municipal e que atingiram o corpo do jovem. O caso está sendo investigado.

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Ainda no ano passado, moradores da ocupação Nova Caiuá, na região da Cidade Industrial, CIC, foram expulsos de suas casas em uma ação de despejo forçado à base de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e spray pimenta, além de uso de violência contra os ocupantes.

Carol Dartora (PT), vereadora na capital, analisa que, com a pandemia, a violência policial tem aumentado, e a atual gestão Greca tem aproveitado para aprofundar as ações truculentas. "A gente observa que houve um aumento da truculência policial, sobretudo na pandemia, me parece que o prefeito usa a questão do distanciamento social para aumentar a violência nas ruas, e na maioria das vezes contra jovens negros", reflete.

De acordo com dados divulgados no mês de agosto pelo Ministério Público do Paraná, só em 2020, cerca de 45 policiais morreram em Curitiba, durante o serviço, dentre eles dois guardas municipais, sendo a única cidade do estado que registrou mortes em sua corporação municipal. 

Para João Eduardo Ramos Moreira, advogado e especialista em criminologia crítica pela Universidade de Bolonha, há um processo de militarização da guarda municipal. "Há um apelo muito grande para a cultura militarizada em todos os órgãos de segurança pública, o próprio treinamento da GM é feito pela Polícia Militar, o que acaba levando vícios para a guarda", explica.


Waleiska Cristina recebeu um tiro de bala de borracha na panturrilha e mais dois nos braços da Guarda de Curitiba durante ação de despejo em dezembro do ano passado. CLIQUE AQUI E LEIA MAIS / Giorgia Prates

Moreira propõe que a guarda tenha um papel de policiamento comunitário, de proximidade, e não apenas como uma força contenciosa. "A guarda que entendemos como mais adequada, não só pela lei federal, é aquela que atue em uma lógica de atenção primária, com um policiamento comunitário de proximidade, se aproximando das comunidades com uma ótica de mediação de conflitos. É necessária uma mudança", opina.

Na mesma linha de raciocínio, Marcelo Jugend, ex-chefe de gabinete e assessor especial da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná (2003/2006) e ex-secretário municipal de Segurança de São José dos Pinhais (2009/2012), explica que a polícia deveria ser incentivadora de soluções não violentas de conflitos. "A Polícia Militar, que é emulada pela Guarda Municipal, já em si é uma contradição. O militarismo é guerra, guerra é para combater inimigo, e polícia é exatamente o contrário, é incentivadora da solução não violenta de conflitos, e aí as guardas acabam sendo aculturadas na ideia militar.”

No caso envolvendo a morte do jovem Matheus, Juged é taxativo. "Em tese, a guarda municipal é incumbida de impedir danos de patrimônio do município. [...] A rigor, eles nem deveriam estar no Largo da Ordem reprimindo manifestações ou aglomerações, já que o espaço não é estritamente do município”, analisa.

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Posição da GM

A Guarda Municipal, em nota oficial, lamentou a morte do jovem Mateus Noga e informou que a corregedoria abriu investigação para apurar os fatos. "O procedimento vai apurar eventuais irregularidades, com as devidas providências previstas em regimento interno da corporação e demais legislações inerentes à matéria”, diz. Contudo, a prefeitura não confirma que o tiro veio, de fato, de um guarda. Procurada para comentar a respeito das ações mais truculentas envolvendo o órgão, o município não respondeu à reportagem.

Fonte: BdF Paraná

Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini