Justiça

Sem flagrante ou prova material, pedreiros ficam 30 dias presos após reconhecimento de advogada

Assaltantes usavam capacete e, mesmo assim, dez dias depois, vítima diz tê-los reconhecido em uma pizzaria

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Rodrigo Alves de Andrade chega ao alojamento em horário aproximado do momento do assalto - Foto: Reprodução de circuito interno de cãmeras

Na noite do último dia 8 de agosto, Ronaldo Santana Nogueira, 21 anos, e Rodrigo Alves Santana, 25 anos, jantavam com amigos em uma pizzaria na avenida Miguel Stefano, no bairro da Saúde, na zona sul de São Paulo. Passava das 19h quando seis viaturas da Polícia Militar pararam na frente do estabelecimento e prenderam os dois.

Minutos antes, Santana notou que era encarado pela advogada Luciana Alves (nome fictício). Pensou que seria um flerte e retribuiu a atenção. “Ela ficou me olhando, eu devolvi. Só depois fui entender o que estava realmente acontecendo”, recorda o jovem.

“Quando eu vi, o policial me arrastou pela toca do moletom e fala ‘perdeu, ladrão’ e eu sem entender nada. Aí, começou a nos revistar lá fora e perguntou ‘onde está o celular que você roubou ontem aqui?’. Eu disse pra ele que nunca tinha ido lá, que era a primeira vez.”

Dez dias antes, 29 de julho, às 19h28, Luciana Alves foi assaltada a poucos quilômetros da pizzaria, na rua Biodebas, também no bairro da Saúde, por dois homens, que usavam capacete, em uma moto. O carona desceu, apontou uma arma para a advogada e levou seu celular.

Alves registrou três boletins de ocorrência na 16ª Delegacia de Polícia, que fica na Vila Clementino, também na zona sul da capital paulista. O primeiro, por roubo, os outros dois, por movimentações financeiras em sua conta através do celular.

No primeiro boletim de ocorrência, Alves conta que um dos criminosos apontou uma arma para o seu rosto e pediu o celular e a chave do carro. Enquanto isso, o condutor da moto gritava para que ele atirasse na advogada.

Sem barba

Nas imagens de um prédio na rua onde ocorreu o crime, é possível ver que em nenhum momento os assaltantes retiram o capacete. Apesar disso, a advogada decidiu oferecer, no boletim de ocorrência, uma descrição física dos criminosos. Ambos, segundo Alves, não possuíam barba.


Ronaldo e Rodrigo, ambos com barba, foram reconhecidos pela advogada na pizzaria / Foto: Arquivo Pessoal

Dez dias depois, jantando na pizzaria, a advogada enxerga Santana e Nogueira em uma mesa a poucos metros da sua e decide ligar para a polícia informando que encontrou os homens que a assaltaram. O curioso, é que ambos possuem barba.

Nogueira e Santana são originais de Riacho de Santana, no interior da Bahia, e estão em São Paulo desde o dia 23 de março, trabalhando como pedreiros para uma construtora. Moram em um alojamento da empresa, próximo da obra onde trabalham.

As imagens da entrada do alojamento, que o Brasil de Fato teve acesso, mostram Rodrigo Alves Santana chegando ao alojamento com o jantar às 18h02, ainda com o capacete da obra. Segundo funcionários da empresa que vivem no local, os dois passaram a noite com eles.

A polícia revistou o alojamento e não encontrou armas e nem o celular da advogada. Nenhum dos dois possui moto. Mesmo diante de circunstâncias sensíveis e sem o flagrante, o delegado Stefano Uszkurat, da 16ª DP, determinou a prisão de Nogueira e Santana no dia 8 de agosto. Sem antecedentes criminais, eles ficaram encarcerados por 30 dias no Centro de Detenção Provisória (CDP) Belém II, na zona leste de São Paulo.

No dia 9 de setembro, eles foram soltos. “Eu fiquei angustiado. Você parar num lugar e perguntar o que fez para parar naquele lugar. Sem resposta de nada, vendo só o advogado e passando por humilhação e esculacho da polícia, eles fazendo ironia do seu caso, sorrindo e sem nem poder falar nada, porque eles falam que é desacato”, diz Rodrigo Santana.

Da experiência, ficou o trauma. “Ontem mesmo, eu saí com os caras aqui pra comer. A cabeça fica pesada, você fica achando que algo pode acontecer a qualquer momento. Passa pela polícia e tem medo, a polícia humilha a gente que é trabalhador. Por isso que a maioria das pessoas lá saem e entram para o crime, chega lá dentro o crime te protege mais que a polícia.”

Para o advogado André Alcântara, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, que tem assessorado Santana e Nogueira, a prisão e o caso “são absurdos”. O defensor lamenta que o delegado Uszkurat tenha desrespeitado direitos da dupla acusada pelo crime.

“É uma prática da polícia, que oferece um serviço precário à população. Claro, não queremos que seja uma polícia de seriado investigativo. Mas, que ela seja responsável e aja conforme a lei e a técnica. Você estuda na academia da polícia, estuda procedimentos investigatórios e se baseia (para determinar a prisão) no depoimento de uma testemunha dez dias depois? Isso é muito precário. Ainda com acusados de residência fixa e emprego”, lamenta o advogado.

Estava agendada para esta terça-feira (21), às 15h45, na 9ª Vara Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, a audiência de instrução e julgamento do caso. Porém, a juíza remarcou a audiência:

"Diante do pedido da defesa, bem como considerando que amanhã [22] o expediente foi suspenso por determinação da e. Presidência do Tribunal de Justiça em decorrência de rompimento de tubulação de água no prédio do Fórum Criminal Central, dê-se baixa na pauta na audiência designada às fls. 142/145. Dê-se ciência ao Ministério Público. Após, tornem os autos conclusos para redesignação de audiência de instrução, debates e julgamento."

 

Outro lado

No dia 16 de setembro, o Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), enumerando as possíveis falhas na prisão de Nogueira e Santana. Até o fechamento desta matéria, a pasta não havia respondido. Caso o faça, o texto será atualizado.

Edição: Anelize Moreira