Rio de Janeiro

"PACOTE DE MALDADES"

Entenda o pacote de austeridade do RJ que será votado na Alerj com quase 300 emendas

Governador sacrifica estado com propostas que excedem exigências do Regime de Recuperação Fiscal, segundo especialistas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Alerj RRF
Deputados podem votar na Alerj os primeiros projetos do pacote para o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) já a partir desta terça-feira (21) - Julia Passos/Alerj

Servidores estaduais de diversas categorias farão um ato no início da tarde desta terça-feira (21) em frente à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no centro da capital fluminense. O objetivo é pressionar os deputados a barrarem o pacote de austeridade com as medidas enviadas pelo governador Cláudio Castro (PSC) para que o estado renove o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) com a União. A medida pode começar a ser votada também a partir desta terça (21).

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O texto ataca conquistas trabalhistas históricas de servidores públicos e amplia a perda de direitos constitucionais ofertados à população, ao estabelecer também um teto de gastos públicos que poderá afetar serviços público primários como educação e saúde.

A proposta do Executivo é tão controversa que vem sendo tão mal recebida pela Alerj, por categorias trabalhistas e por representantes de diversos setores que ela já recebeu quase 300 emendas com proposições de mudança do texto original.

Para a professora de História da rede estadual Dorotéa Frota Santana, o projeto de Castro é "o pior dos mundos" para os servidores. Ela se refere a uma possível extinção do triênio - adicional por tempo de serviço e um dos poucos benefícios que são incorporados à aposentadoria dos funcionários públicos.

"Para nós, servidores, esse projeto é o pior dos mundos. O triênio é uma conquista histórica e é o único benefício que você leva para a aposentadoria. O que vamos dizer a um profissional da educação que está chegando agora? Ele não vai ter nada. É um pacote para a precarização do servidor", afirma a professora, que integra a diretoria do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe).

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Presidente da comissão de Tributação da Alerj, o deputado Luiz Paulo (Cidadania) vem fazendo críticas ao projeto que Castro, que retira direitos de servidores, mas não traz nenhuma solução para a geração de receitas no estado. Ele disse que o papel do Parlamento é "limítrofe" no sentido de viabilizar a entrada no RRF, mas também de minimizar os impactos sobre o servidor público.

"Nossa posição é que o triênio só possa ser extinto para os novos concursados que ingressarem no serviço público. Vamos tentar o mesmo para a reforma previdenciária. Temos aí duas hipóteses para amenizar. Vamos também votar uma proposta do André Ceciliano [deputado petista e presidente da Alerj] na qual eu sou coautor para que haja recomposição salarial de 23 pontos percentuais a serem pagos até janeiro de 2025", explicou o parlamentar.

Cortina de fumaça

Para a técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Carolina Gagliano, é importante colocar em evidência que as medidas têm sido um "corte e cola" do retrocesso adotado no âmbito da União pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe.

"São sempre as mesmas medidas e fórmulas, não importa se estamos falando da União, Estados ou Municípios. Ou seja, as medidas não levam em conta as realidades locais e não trazem nada de novo no sentido de pensar desenvolvimento econômico e geração de empregos.
A resposta é sempre reduzir despesas e limitar gastos. Quase um mantra", critica a socióloga do Dieese.

Gagliano também discorda de falas recentes do governador sobre o suposto aumento de gastos públicos nos últimos anos para justificar reformas administrativa e previdenciária. Segundo ela, a proposta não prioriza a forma como o estado poderá gerar novas receitas. 

"Diferentemente do que o governador fala nas mensagens desses projetos de lei, não houve descontrole dos gastos nos últimos anos. O que houve foi redução brutal da arrecadação, sobretudo por conta do preço do barril de petróleo que despencou. É um problema de estrutura econômica local, altamente dependente de uma commodity com preços voláteis e uma característica peculiar, que é sua finitude", aponta a técnica.

A fala de Carolina Gagliano é confirmada por dados da Secretaria do Tesouro Nacional. De 2014 a 2020, as despesas primárias do estado variaram entre R$ 64,5 bilhões no primeiro ano da série e R$ 58,9 bilhões no ano passado. Em alguns anos, a queda de gastos chegou a variar até 14% para menos, como foi o caso do ano de 2015, segundo dados do próprio Governo do Estado.

Mais realista que o rei

O envio do projeto, que na perspectiva de diversos atores envolvidos no debate ocorreu de forma acelerada para evitar questionamentos e contrapropostas, mostrou também a adesão de Castro ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), inclusive com foco nas eleições de 2022, em que o governador tentará a reeleição. Por isso, o governo estadual incluiu reformas que não eram exigidas para o RRF.

"Não apenas vamos sair, daqui a 10 anos, mais endividados do que quando entramos. Outro ponto é que o governador enviou mensagens à Alerj que excedem o que é exigido pelo próprio regime para fazer a adesão, o governo estadual é mais rígido que o próprio regime, incluiu reformas administrativa e previdenciária e um teto de gastos", explica Gustavo Belmonte, presidente da Associação dos Servidores da Defensoria Pública (Adperj) e membro do Fórum Permanente de Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Fosperj).

Na última quinta-feira (16), em audiência pública na Alerj, a assessora parlamentar da Defensoria Pública, Maria Carmen Sá, sugeriu que fossem suprimidos do texto o que não for necessário para a entrada do estado no RRF e que traz prejuízos aos atuais servidores ativos e inativos, especialmente os que ganham menos. Segundo ela, as regras podem ser amenizadas, uma vez que não precisam ser idênticas às impostas no âmbito da União.

"O que o texto enviado pelo governo traz não é regra de transição porque se o servidor é antigo e tem direito à integralidade, ele precisa ir até 62 e 65 anos. Além disso, é mais duro com as mulheres, aumentando em 7 anos a idade contra 5 para os homens. As regras não precisam ser as mesmas, a gente pode amenizar. Não é necessário ainda taxar quem ganha abaixo do teto, apenar quem ganha menos, que o usuário do serviço da Defensoria", disse Maria Carmen.

Segundo Gustavo Belmonte, diante do desvio de propósito do Executivo, a Alerj tinha a obrigação de devolver o projeto ao governador. O defensor público argumenta que as propostas contidas no documento são injustificáveis. Ele explicou, por exemplo, que o RRF não aborda a extinção do triênio de forma genérica nem, no caso da previdência, menciona cobrança de tarifa dos aposentados.

"Já o Teto de Gastos é o ponto mais temerário dessas reformas, ele é uma armadilha gigante para qualquer estado, até para a União. Vimos o que aconteceu no governo federal [a partir da Emenda Constitucional nº95]. O Teto de Gastos causa a morte, e vai causar aqui também porque impede o socorro às famílias, impede que o Rio de Janeiro se desenvolva e amarra as despesas independentemente do que possa ocorrer nesse contexto da pandemia", explica Belmonte.

"Desde a Emenda do Teto, lá em 2016, ainda com Michel Temer na presidência, a gente tem uma série de legislações que limitam a Administração Pública de fazer concursos públicos, reajustar salários dos servidores, colocam teto para as despesas com pessoal e relacionadas ao funcionamento das políticas públicas, sem mexer nas despesas relacionadas à dívida, reduzem benefícios previdenciários", conclui Carolina Gagliano, do Dieese.

Edição: Mariana Pitasse