Entidades civis que reúnem trabalhadores do campo reagiram, nesta sexta (17), aos vetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Projeto de Lei (PL) 823/2021, que previa medidas de socorro a agricultores familiares afetados pela pandemia. A proposta havia sido aprovada recentemente pelo Congresso Nacional, após um longo percurso legislativo que envolveu setores populares e diferentes grupos políticos das duas casas.
“Surpresa teria sido se ele tivesse aprovado o projeto de lei porque isso já aconteceu ano passado. É uma barbaridade o que esse presidente está fazendo. Isso é um veto político, porque ele sabe qual é a origem do PL, que foi construído junto com movimentos populares do campo, movimentos sindicais”, rememora Mateus Quevedo, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), ao se referir à recorrente conduta de Bolsonaro diante das pautas destinadas ao setor.
Na justificativa oficial dos vetos, o ex-capitão alegou “óbice jurídico por não apresentação de estimativa de impacto orçamentário e financeiro”. Em agosto do ano passado, ele cortou a maior parte dos pontos do PL 735/2020, cuja espinha dorsal era a mesma do projeto vetado nesta sexta.
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Como reação, a oposição recuperou os trechos cortados pelo presidente e reuniu as medidas no PL 823, apresentado este ano. A gênese dos dois PLs se deu a partir de demandas apresentadas por organizações populares do campo aos deputados da bancada do PT, que formataram as medidas e protocolaram a proposta na Câmara.
O texto previa, entre outras coisas, a liberação de um fomento emergencial para estimular a produção dos pequenos agricultores. A ideia seria cada família receber uma parcela única de R$ 2.500, com o valor saltando para R$ 3 mil no caso de núcleos liderados por mulheres. E, para aqueles que apresentassem projetos de implementação de tecnologias de acesso à água, o fomento chegaria a R$ 3.500.
Outro aspecto relevante do PL era a previsão de criação do Programa de Atendimento Emergencial à Agricultura Familiar, que seria administrado pela Companhia Nacional de Abastecimento e compraria produtos dos camponeses para destinar a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.
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“As mulheres, mais uma vez, vão ser as mais prejudicadas porque é quem sente a fome bater na porta, é quem tem que procurar resolver um problema da família no todo. Então, receber essa notícia é como se estivéssemos, mais uma vez, recebendo um tiro diretamente em nosso peito”, desabafa a agricultora Edcleide Rocha, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
O PL também fixava medidas de renegociações de crédito rural e prorrogação de prazos bancários para os trabalhadores do ramo. Previa ainda concessão automática do Garantia-safra para os camponeses aptos a receber o benefício até 31 de dezembro de 2022, sob a condição de apresentação de laudo de vistoria que atestasse perda de safra no período da pandemia.
Mateus Quevedo assinala que a falta de incentivo estatal para a produção de pequenos agricultores prejudica, na ponta, os demais trabalhadores por estimular a inflação dos alimentos na cadeia de consumo.
“Vai aumentar a fome. E isso acontece porque, a partir do momento em que você tira recursos da agricultura familiar, você diminui a produção de alimentos no campo e as pessoas recorrem mais aos mercados – que, pra completar, vendem processados, transgênicos, etc. Diante disso, alguns produtos, como arroz e feijão, sobem de valor porque aumenta a procura”, relaciona o camponês.
Os vetos do presidente da República só podem ser revertidos pelo Congresso Nacional por meio de votação. “Da nossa parte, vamos continuar lutando e pressionando desde os municípios e estados pra que isso chegue no Congresso e que tenha força pra derrubar os vetos”, afirma Edcleide Rocha.
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Edição: Vinícius Segalla