Fome

Estudo destaca experiências comunitárias para propor políticas de segurança alimentar no Brasil

Artigo é lançado nesta quinta (16) e aponta a necessidade de repensar os modos de produção e distribuição de alimentos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O documento destaca lições aprendidas pelas práticas sociais de base comunitária como referencial para políticas alimentares - Bernardo Camara

O aumento do desemprego e da fome diante da pandemia de Covid-19, a maior preocupação com as mudanças climáticas, a alta no preço de alimentos básicos e o impacto da paralisação dos caminhoneiros em 2018 são alguns dos recentes episódios que têm atravessado a vida de milhões de pessoas no Brasil.

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É nesse contexto de urgência de debates e ações em relação à insegurança alimentar que a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), em parceria com a Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil (FES Brasil) lança, nessa quinta (16) o artigo "Desafios para o Abastecimento e Soberania Alimentar no Brasil"

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A partir da análise das políticas de abastecimento e combate à fome no Brasil, os autores do estudo – André Luzzi de Campos e Yamila Goldfarb - propõem uma articulação entre campo, floresta, águas e cidades para avançar no desenvolvimento sustentável de comunidades e territórios no país. O lançamento da pesquisa acontece às 19h30 dessa quinta (16) com transmissão ao vivo pelo canal da FES Brasil no Youtube.

Além dos autores, o debate contará com os convidados Silvio Isoppo Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e Beto Palmeira, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).  


Insegurança alimentar no Brasil

Mais da metade da população brasileira (116,8 milhões de pessoas) vive atualmente em situação de insegurança alimentar. Destas, 43,4 milhões não tinham comida o suficiente e 19 milhões estavam passando fome. Os dados foram divulgados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) em 2020 e são retomados no artigo recém publicado. O lançamento se insere no bojo das atividades que marcam o Dia Mundial da Soberania Alimentar, celebrado no dia 16 de outubro.

 Em 2017, ocupando uma área de 80,9 milhões de hectares, a agricultura familiar representava 77% dos estabelecimentos rurais brasileiros. Mesmo com uma área pequena, representando 23% do total, ela é responsável pela maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira e por 67% da força de trabalho ocupada na agropecuária. 

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"São estas pessoas que garantem o que existe de segurança alimentar e nutricional no país", destaca o estudo, "apesar da falta de investimentos, falta de garantia de direitos como o do acesso à terra, à água, falta de assistência técnica especializada e falta de infraestrutura tanto produtiva como de comercialização". 

Fazendo uma análise histórica, Campos e Goldfarb demonstram como a agricultura familiar vem sendo alvo de cortes orçamentários, aumento de burocracias para acessar benefícios e, com o governo Bolsonaro, a paralisação da reforma agrária. Se mercados atacadistas como a CEAGESP ou as CEASA ainda são importantes na determinação dos preços de alimentos, o sucateamento desses equipamentos tem deixado, cada vez mais, o abastecimento de produtos frescos nas mãos de grandes distribuidoras.

"Ainda em meio a essa conjuntura, com registros de crescimento de mais de 100% nos preços dos principais alimentos da cesta básica brasileira", ressaltam os pesquisadores, "a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o governo não faria nenhum tipo de intervenção no controle do preços de artigos como arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja". 

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Articulação da sociedade civil e de movimentos sociais

Apesar das dificuldades históricas, são as experiências de articulações comunitárias, intensificadas em tempos pandêmicos, as que revelam pistas importantes para alcançar a soberania alimentar. 

"Os movimentos sociais e a sociedade civil responderam rapidamente à crise social e sanitária, criando ações de combate à fome e fomento à constituição de redes populares de abastecimento", constata o estudo. 

Entre os exemplos citados, estão as ações de assistência técnica camponesa inspiradas na metodologia sistematizada pela Associação Nacional dos Pequenos Agricultores de Cuba (ANAP). Também são mencionadas as iniciativas desenvolvidas nos municípios de Araraquara (SP) e Florianópolis (SC) de criação de um marco legal para programas de aquisição de alimentos da agricultura familiar. 


Proposições para atingir soberania alimentar

A Plataforma Emergencial do Campo, das Florestas e das Águas em Defesa da Vida e para o Enfrentamento da Fome Diante da Pandemia do Coronavírus é destacada no estudo como uma das iniciativas da sociedade civil com proposições para enfrentar a crise social e sanitária.

O fim da PEC do teto de gastos, a manutenção do auxílio emergencial, o apoio à agricultura familiar, manutenção da alimentação escolar e assistência alimentar são algumas das suas reivindicações. Após muita pressão, movimentos sociais conseguiram a liberação de R$500 milhões para a compra de alimentos de agricultores familiares e cooperativas do setor. 

O artigo propõe, entre outras medidas com vistas à soberania alimentar brasileira, a criação de cinturões agroecológicos, circuitos curtos de comercialização nas áreas urbanas, a retomada do controle soberano por parte de agricultores de toda a cadeia de produção, a inclusão de alimentos da agricultura familiar em programas sociais e da alimentação escolar e a diminuição da distância entre produtores e consumidores, focando em sistemas territoriais. 

A pesquisa faz parte da Série Brasil Rural, uma iniciativa da ABRA e FES Brasil que, desde julho, debate a questão agrária no país. Até novembro, será lançado um texto por mês com debate ao vivo sobre o tema. 
 

Edição: Vinícius Segalla