Coluna

Crise da energia exige fortalecer luta por justiça climática e soberania energética; entenda

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Militantes do MAB em manifestação contra Bolsonaro no dia 24 de julho de 2021 - Foto: MAB
Enquanto o país caminha rumo a um possível apagão, Bolsonaro prioriza entrega da Eletrobras

A crise econômica neste ano no Brasil trouxe mais um componente: o das altas nas tarifas energéticas e nos preços de combustíveis e gás de cozinha. E os problemas em relação à energia este ano não vão parar por aí: a ocorrência de apagões no país rumo ao fim do ano já é tida como certa por especialistas.

O Governo Bolsonaro, especialista em não assumir responsabilidades próprias, atribui a crise da energia elétrica exclusivamente à falta de chuvas. Mas como o MAB (Movimento de Atingidos por Barragens) vem denunciando com base na análise de informações do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os motivos estão em decisões tomadas pelas empresas donas das hidrelétricas, que decidiram esvaziar os reservatórios. 

Quanto ao volume de água que entrou nos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras durante o último ano, "é o quarto melhor ano da última década, equivalente a 51.550 MW médios (...) Toda essa água vertida poderia ter sido armazenada ou transformada em energia, sem aumento dos custos. Mas não foi o que aconteceu. Os donos das hidrelétricas não perderam dinheiro com isso, pois o chamado déficit hídrico é cobrado integralmente nas contas de luz da população”, explicou o MAB no final de junho deste ano.

Além de forçar a população a pagar mais pela energia, em plena crise econômica com um nível de desemprego recorde que atinge quase 15 milhões de pessoas, o governo, por meio do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, usa a rede nacional de rádio e televisão para dizer ao povo (não às empresas) que seja “consciente” no consumo de energia: “nesse momento de escassez, precisamos, mais do que nunca, usar nossa água e nossa energia de forma consciente e responsável", disse o ministro em cadeia nacional


A privatização da Eletrobrás levará a novos aumentos na conta de luz dos brasileiros / Créditos da foto: Reprodução

A serviço do mercado financeiro

Em meio ao agravamento da crise, o Governo Bolsonaro decide aprofundar ainda mais a lógica de geração de energia para fins de lucro que, em definitiva, é a que colocou novamente o país nesta situação. Após sancionar a MP da privatização da Eletrobras em julho, nesta segunda-feira (13/09) Bolsonaro criou uma nova entidade: a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar), que viabilizará, segundo nota da Secretaria Geral da Presidência da República, “a desestatização da Eletrobras". 

A entrega completa da Eletrobras, anunciada desde o governo de Michel Temer, visa beneficiar exclusivamente o mercado financeiro, como defende o diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) e integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, Ikaro Chaves. No dia da aprovação da MP na Câmara (antes de ir para a sanção presidencial), o próprio mercado financeiro se mostrou “otimista”, e as ações da empresa aumentaram. 

Chaves denunciou que todo o processo de aprovação da entrega da Eletrobras ocorreu sem que o governo Bolsonaro apresentasse quaisquer dados que justificassem a privatização da empresa. Eletricitários e partidos da oposição recorreram à Justiça para que a entrega da Eletrobras seja declarada inconstitucional.

A Eletrobras é uma empresa pública estratégica e lucrativa. O Governo Bolsonaro faz o extremo oposto do que deveria estar fazendo, que é fortalecê-la para melhorar os serviços, evitar crises e mantê-la sob controle estatal para que o Estado não perca ainda mais recursos e garanta direitos num cenário de recuperação pós-pandemia, que se torna cada vez menos promissor. 

O abandono das políticas neoliberais é o primeiro ponto que defendemos como Amigos da Terra Internacional para uma recuperação justa diante da crise da covid-19.


Processo de privatização da Eletrobras foi feito sem diálogo e participação da sociedade brasileira / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um projeto impopular precisa de um governo antidemocrático

Bolsonaro e sua equipe nem se preocuparam em justificar, com dados, essa privatização porque o processo todo foi feito sem qualquer tipo de diálogo e participação, imposto por meio de uma Medida Provisória, o que virou uma marca da gestão Bolsonaro.

Enquanto dedica boa parte de seu tempo a fazer campanha eleitoral antecipada e a atacar os outros Poderes da República, Bolsonaro vai cumprindo a agenda de desmonte e entrega do patrimônio público, de interesse do setor empresarial e financeiro. Para avançar em projetos impopulares, precisa que eles sejam pouco transparentes e sem participação de organizações e movimentos sociais. 

Um exemplo da importância da participação popular nas políticas energéticas é a recente vitória de diversas entidades que lutam pela justiça ambiental no Rio Grande do Sul, que obtiveram da Justiça Federal a suspensão do processo de licenciamento ambiental da  Usina Termelétrica Nova Seival, projetada para ser a maior termelétrica a carvão mineral do país, entre os municípios de Candiota e Hulha Negra.

Esta vitória da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Instituto Preservar, Cooperativa Agroecológica Nacional Terra e Vida (Coonaterra) e Centro de Educação Popular e Agroecologia (Ceppa), ocorre apesar do governo de Eduardo Leite, que também tem se caracterizado por promover mudanças significativas em termos de política ambiental no estado sem debates ou participação popular. 

A vitória na Justiça também é importante porque incluiu a exigência de que o licenciamento ambiental contenha a avaliação dos impactos do empreendimento em relação às mudanças climáticas; um assunto com o qual Eduardo Leite se mostra preocupado na hora de propagandear sua participação (em inglês) na reunião da Coalizão Governadores pelo Clima com o enviado especial para o clima da presidência dos Estados Unidos, John Kerry. 

Além da necessidade de descarbonização da matriz energética pelo impacto nas mudanças climáticas, no meio ambiente e na saúde da população local, o projeto Usina Termelétrica Nova Seival deve ser barrado porque, além de o carvão mineral, abundante no solo gaúcho, ser o combustível fóssil mais poluente por unidade de energia gerada, os benefícios em termos de desenvolvimento local são escassos no médio e longo prazo, como explica Eduardo Raguse, do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM-RS), nesta completa entrevista com o IHU, sobre o projeto. 

As respostas para a série de crises que enfrentamos começam pelo fortalecimento da participação popular, de uma transição energética justa guiada pela justiça ambiental e social e pela desmercantilização da natureza e de serviços públicos, como a energia, que devem passar a ser considerados direitos. 

 

*Amigos da Terra Brasil (ATBr) é uma organização que atua na construção da luta por Justiça Ambiental. Quinzenalmente às segundas-feiras, publicamos artigos sobre justiça econômica e climática, soberania alimentar, biodiversidade, solidariedade internacionalista e contra as opressões. Leia outros textos.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo