A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é um importante e necessário instrumento para os povos e comunidades tradicionais brasileiras na defesa de suas vidas e de sua existência enquanto grupo étnico.
Entre todas as garantias subscritas no Tratado Internacional, o direito à consulta, prévia, livre e informada é um dos pontos mais reivindicados, que adentrou os corações e mentes dos povos e comunidades tradicionais violados e invisibilizados nos seus direitos.
Cada vez mais internalizada e apropriada pelos povos e comunidades tradicionais, a Convenção 169 é reconhecida amplamente nesses territórios. Dificilmente chegaremos hoje em uma comunidade indígena, quilombola ou de povos e comunidades tradicionais e não encontraremos alguém que se orgulhe em dizer que tem o direito de ser consultado sobre obra, lei ou empreendimento que afete seu território ou modo de vida.
O Tratado tornou-se um dos principais instrumentos normativos de garantia e visibilização das violações e busca efetivar os direitos dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais no Brasil.
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Isso porque, além da grande intensidade do conteúdo trazido pela Convenção 169 - como o reconhecimento dos direitos territoriais, os direitos à auto-atribuição e à autonomia dos povos, o direito à consulta, educação e assistência à saúde, entre outros - o tratado constitui-se como marco importante de reconhecimento das diversidades.
É no direito à consulta que os povos encontraram uma forma de dizer ao Estado e à sociedade: “olhem, nós existimos! Estamos aqui, temos direitos e queremos eles garantidos e efetivados”.
É a partir dessa garantia que buscam se organizar e mobilizar para efetivação do direito à consulta prévia, livre e informada com a construção dos protocolos autônomos de consulta - hoje um dos instrumentos pensados e construídos pelos povos e que traz parâmetros e diretrizes de como querem e devem ser consultados pelos Estado.
Nesse sentido, a Convenção 169 não é só um instrumento de constituição de um direito, ela é em si o reconhecimento desses povos pelos Estados signatários. Isso se reflete em políticas e ações. A Convenção 169 tem orientado parâmetros para diversas normas e políticas públicas brasileiras desde a ratificação da norma pelo país, em 2002 - como na estruturação de programas de saúde e educação dirigidas aos povos indígenas e quilombolas.
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Na contramão aos direitos destes povos, o deputado federal Alceu Moreira (MDB/RS) apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Decreto Legislativo (PDL) nº 177/2021, que se encontra em tramitação. Tal proposta autoriza o presidente da república a denunciar a Convenção 169 da OIT. Ou seja, caso aprovado, Jair Bolsonaro estará autorizado a retirar Brasil da Convenção que é considerada um dos principais marcos internacionais de proteção dos direitos dos povos tradicionais, sendo reconhecida em 23 países.
Essa é mais uma ação racista do Estado brasileiro e de tentativa de enfraquecimento da normativa que trata dos direitos e garantias fundamentais dos povos. Por extensão, é um ataque aos povos tradicionais e à toda sociedade brasileira.
A tentativa de denúncia da Convenção 169 da OIT também tem implicações diretas na criação de um ambiente propício à aprovação de outros projetos de leis anti-indígena, anti-quilombola e demais povos, como o PL nº490/2007, que busca estabelecer um marco temporal para os povos indígenas.
Cabe a nós afirmarmos que os ataques à Convenção 169, além de inconstitucionais, violam direitos ao invés de assegurá-los. É inaceitável o Brasil assumir uma ação de regressividade e um retrocesso legal no reconhecimento dos direitos de povos e comunidades tradicionais. Se assim ocorrer, perdem as comunidades, perde a sociedade, perde o país.
*Vercilene Dias é quilombola Kalunga, advogada popular da Conaq e Terra de Direitos, doutoranda em Direito pela UnB.
*Cláudia Pinho é pantaneira, bióloga e coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras
*Samara Pataxó é indígena, assessora jurídica da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) e doutoranda em Direito pela UnB.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Anelize Moreira