MORADIA É DIREITO

Movimento e Rede de Direitos Humanos impedem remoção de famílias pela prefeitura de João Pessoa

"Vivo há 12 anos aqui", disse moradora ao encontrar notificação de despejo colada na parede de sua casa

Brasil de Fato | João Pessoa (PB) |
Rosa Bernardo, durante ameaça de remoção da PMJP, em 1 de setembro. - Gleyson Melo

A boa nova não andou nos campos do bairro do Gramame, em João Pessoa (PB), quando 'entrou' setembro. Diferentemente da música Sol de Primavera, de Beto Guedes, a tarde do dia 1° de setembro de Rosa Bernardo da Silva e de Daiane foi de agonia. Elas estavam esperando a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) chegar com retroescavadeiras e despejá-las às 16h30.

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"Passaram a noite inteira sem dormir e muito angustiadas", relatou Maria do Céu Palmeira, Ouvidora Externa da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, que acompanhou o caso.

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A identificação dessa situação foi feita por Gleyson Melo, militante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Ele recebeu, ainda na noite do dia 31 de agosto, o chamado das famílias que moram na Rua Jani Celi de Sousa, no bairro de Gramame, em João Pessoa, que pediam ajuda e estavam assustadas ao encontrarem na porta de suas casas uma notificação da PMJP sobre remoção de suas casas da área.


No aviso informa "Demolir": Por infração ao código de postura. / Gleyson Melo

"Fiquei muito preocupada com a situação dessas famílias serem despejadas em plena pandemia e tomamos a iniciativa o mais rápido possível. Alegamos a violação aos direitos fundamentais da Constituição e pedimos a observação às recomendações do Conselho Nacional de Justiça, assim como ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e solicitamos de imediato, à PMJP, a partir do Núcleo Especial de Direitos Humanos e de Cidadania, através da defensora pública, Fernanda Peres da Silva, a imediata suspensão da remoção dessas famílias", relatou a ouvidora Maria do Céu. 

A reportagem procurou a Secretaria de Desenvolvimento Urbano de João Pessoa (Sedurb) para entender as razões para tal ação e recebeu o seguinte comunicado: "A Sedurb esclarece que a ação realizada no loteamento Novo Milênio, no Valentina de Figueiredo, teve como objetivo promover a desocupação de área pública."

A nota continua afirmando que, no início do ano, a secretaria realizou uma fiscalização e teria constatado o início de construções irregulares, chegando a notificar os responsáveis pelas edificações: "À época, o material utilizado na construção foi retirado do local. Apesar disso, a construção foi retomada e algumas unidades chegaram a ser finalizadas. A Sedurb reforça que tais construções desrespeitam as legislações vigentes, entre elas o Código de Postura do Município, configurando invasão."

"Diante da conduta, as equipes da Sedurb promoveram nova notificação, dada a reincidência, dando o prazo estabelecido pela lei para que ocorra a desocupação. Vale ressaltar que durante a abordagem, as equipes não identificaram nenhuma pessoa no local, apesar das reiteradas tentativas e, por isso, fizeram a notificação por colagem, como prevê a lei", conclui.

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MTD

Ao longo da pandemia, o MTD tem atuado prontamente para garantir o direito à moradia de diversas mulheres, homens, jovens, adolescentes, idosos e crianças da cidade de João Pessoa. No último dia 31 de agosto, foi a vez de chegar até o bairro de Gramame para amparar e assessorar as famílias de Rosa Bernardo da Silva e de Daiane.

"Eu moro aqui desde 2009 e eles disseram que iam demolir tudo e tirar todo mundo daqui e dos terrenos. Eu moro aqui há 12 anos", disse Rosa Bernardo da Silva.

A área que as famílias moram é um espaço rural dentro da cidade, lá eles além de morar, plantam também ao redor de casa. Inclusive há uma divergência quanto ao bairro onde o local está localizado, oscilando entre o bairros de Gramame (de acordo com a conta da energia elétrica) e Valentina (de acordo com os moradores e PMJP).

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Pequena horta. / Gleyson Melo

"A prefeitura veio aqui sem nenhuma mandado judicial. Além disso, a área, no passado, parece pertencer, segundo as contas de energia, a uma construtora, portanto, é uma ação no mínimo estranha da PMJP, vir aqui e alegar que a área é pública", explica Gleyson Melo, do MTD.


Conta de energia em nome de construtora. / Gleyson Melo

Em resposta à ação da Defensoria Pública da Paraíba, MTD e a Comissão de Combate à Violência no Campo e na Cidade, a PMJP respondeu nesta quinta (2), positivamente, ao pedido de suspensão dos despejos feito pela Defensoria. "Só a luta e a nossa organização são capazes de enfrentar as violações de nossos direitos. Por isso, seguimos juntos defendendo o direito à dignidade humana e à moradia", disse Gleyson Melo, ao comemorar o resultado da ação.

 

 

Fonte: BdF Paraíba

Edição: Heloisa de Sousa