MARCO TEMPORAL

STF retoma julgamento que definirá futuro de demarcações indígenas; acompanhe ao vivo

Análise da tese jurídica que restringe direitos dos povos originários é retomada após sequência de adiamentos no Supremo

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Em Brasília, indígenas iluminaram a Praça dos Três Poderes em apoio ao STF e contra o "marco temporal"
Em Brasília, indígenas iluminaram a Praça dos Três Poderes em apoio ao STF e contra o "marco temporal" - APIB

Considerado um divisor de águas para o movimento indígena brasileiro, o julgamento do chamado "marco temporal" no Supremo Tribunal Federal (STF) foi retomado às 14h desta quarta-feira (1º). 

O ministros irão decidir pela validade ou não da tese jurídica defendida por ruralistas segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. 

Adiado quatro vezes, o julgamento teve apenas a apresentação do voto do relator, ministro Edson Fachin. Ele rejeitou a tese e defendeu o direito originário dos povos indígenas à posse de seus territórios ancestrais.  

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Cerca de mil indígenas acompanham a sessão em Brasília (DF), onde estão mobilizados contra o "marco temporal". Lideranças e especialistas afirmam que a validação da tese é incompatível com a própria Constituição e significaria um ataque sem precedentes aos povos originários.

Como funciona o julgamento

A retomada da sessão deve iniciar com as falas de representantes de todos os envolvidos no processo: União, povo Xokleng de Santa Catarina, Procuradoria Geral da República (PGR), e o proponente da ação, o governo catarinense.

Na sequência, devem se manifestar organizações ou pessoas que podem contribuir para o tema, chamadas de amicus curiae, “amigos da Corte” em latim. Haverá 21 falas falas contrárias ao "marco temporal" e 13 favoráveis. 

Só depois começa a leitura de votos. O primeiro será Edson Fachin, seguido pelos outros nove ministros. Um novo pedido de adiamento da análise do marco temporal não está descartado.

Abertura da sessão

O procurador-geral de Santa Catarina, que ingressou com a ação contra o povo Xokleng agora julgada pelo Supremo, abriu a sessão defendendo a aplicabilidade da tese do “marco temporal”. 

“Precisamos proteger os direitos territoriais indígenas? Óbvio que sim. Mas devemos também proteger os direitos dos empresários e agricultores de Santa Catarina”, argumentou o procurador.

Os advogados que representam os Xokleng, Carlos Marés e Rafael Modesto dos Santos, dividiram o tempo de fala. Modesto classificou a defesa de um critério de tempo para definir demarcações como “ficção” e “negacionismo”.

“Eles roubaram suas terras quando ainda eram tutelados. O povo Xokleng era cassado por bugreiros. E as orelhas eram levadas ao governo de Santa Catarina”, contou o advogado. 

"Negar-lhes o território é negar-lhes a organização social. Manter o 'marco temporal' é dizer claramente: os índios serão integrados e as sociedades indígenas desaparecerão", complementou Marés.

Representando o governo federal, o advogado-geral da União Bruno Bianco Leal defendeu que o “marco temporal” vai contribuir para a “pacificação social”.  Descartar a tese jurídica, na avaliação de Leal, tem o potencial de “gerar total insegurança jurídica e ainda mais instabilidade nos processos demarcatórios”. 

Entidades contra o "marco temporal"

Em seguida começaram as sustentações dos amicus curiae, “amigos da Corte”, contrários ao "marco temporal".

Representante da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib), o advogado indígena Eloy Terena destacou que a Constituição entende a questão indígena sob o conceito de tradicionalidade, não de tempo de ocupação de território.

"Se as comunidades não estavam em suas terras em 5 de outubro, onde estavam? Basta lembrar que estávamos saindo do período da ditadura, quando muitas comunidades foram despejadas de suas terras, ora com apoio e com aval do próprio estado", lembrou.

Pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Samara Pataxó citou os mais de 500 anos de exploração vividos pelos povos indígenas. O julgamento "decidirá sobre o futuro das nossas vidas e da nossas continuidade existencial enquanto povos originários do nosso país", afirmou. 

A advogada do Instituto Socioambiental, Juliana de Paula, afirmou que as terras indígenas são as mais ambientalmente conservadas do país e têm um papel fundamental para frear as mudanças climáticas causadas pelo homem.

"Infelizmente ainda é comum ouvir que existe 'muita terra para pouco índio'. O bordão, impregnado de preconceito e de racismo, não condiz com a realidade". "Boi vale mais do que gente?", questionou.

O advogado Ivo Aureliano, do Conselho Indígena de Roraima, rebateu o argumento apresentado pelo procurador-geral catarinense, que afirmou existir jurisprudência consolidada em favor da aplicabilidade do “marco temporal”. 

“Essa Corte definiu pela constitucionalidade da demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por isso é de fundamental importância dizer que a decisão vincula a apenas aquela demarcação, ao contrário do que sustenta o estado de Santa Catarina. 

Representando o Amazonas, o procurador do estado Daniel Pinheiro afirmou que o estado, que tem a maior e mais diversa população indígena do Brasil, é contrário ao "marco temporal".

"A tradicionalidade da ocupação indígena não está em uma relação de tempo linear e lugar, mas na necessidade de materialização física de suas práticas culturais que são construías e reconstruídas cotidianamente, sendo inconstitucional qualquer tentativa de congelá-los no passado", declarou o procurador. 

Pela Indigenistas Associados, associação de servidores da Funai, a advogada Camila Gomes de Lima defendeu os critérios atuais de demarcação de territórios indígenas e criticou aqueles que defendem o "marco temporal" como forma de "simplificar" o procedimento.

"A partir da perspectiva daqueles que executam a politica indigenista diuturnamente é importante dizer que as criticas sobre as bases técnicas e a suposta falta de objetividade não condizem com a realidade dos processos demarcatórios", frisou.

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Edição: Vivian Virissimo