Termina nesta quinta-feira (2) o prazo para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionar o Projeto de Lei (PL) 12/2021, que autoriza licenças compulsórias para insumos em saúde em situações de emergência sanitária como a pandemia de covid-19.
Embora o texto do senador Paulo Paim (PT-RS) seja comumente chamado de PL da “quebra de patentes”, não se trata de uma apropriação indevida. O licenciamento compulsório está previsto na Lei da Propriedade Industrial 9.279/96 e foi criado para enfrentar eventuais abusos cometidos por detentores de patentes.
A própria Organização Mundial do Comércio (OMC) permite a adoção desse mecanismo em casos de emergência sanitária ou de interesse público.
Em 2007, por exemplo, o governo brasileiro licenciou compulsoriamente um dos medicamentos do coquetel Anti-Aids, o Efavirenz, reduzindo o preço do medicamento a um terço do que era negociado pelo laboratório estadunidense.
“As licenças compulsórias, comprovadamente, salvam vidas. É um mecanismo legal, legítimo”, ressalta Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) e doutor em Ciências Humanas e Saúde pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
“O PL 12/2021 consegue dar mais celeridade para esse processo e traz, também, outros dispositivos importantes. Por exemplo, a obrigatoriedade do compartilhamento de informações necessárias para reprodução da tecnologia. Isso colocaria o Brasil numa posição muito boa para a sequência do enfrentamento à pandemia”, completa o especialista.
Caso o projeto seja sancionado, o governo federal deverá elaborar uma lista dos fármacos de interesse, com a participação da sociedade civil e de especialistas. Ou seja, se for essa a avaliação do grupo responsável, o Brasil poderia emitir licenças compulsórias até do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), um dos produtos que causaram atraso na produção e aplicação de vacinas.
E se não sancionar?
Poucos laboratórios controlam a produção e distribuição de imunizantes no mundo, impedindo a sua reprodução por meio de patentes que garantem monopólio sobre a propriedade intelectual por 20 anos ou mais.
Menos de 30% da população brasileira tomou as duas doses contra o novo coronavírus. Hoje, estão em uso os imunizantes dos laboratórios Sinovac/Instituto Butantan (Coronavac), Astrazeneca/Oxford/Fiocruz, Pfizer e Janssen – esta última em dose única. A vacina russa Sputnik é produzida no país pela União Química e aguarda autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O GTPI é coordenado pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1987. Entre as entidades que compõem o grupo e pressionam o governo para sanção do PL sem vetos, está a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Caso não determine a sanção nem vete o PL, ele será sancionado tacitamente. Se Bolsonaro vetar alguns trechos, estes serão novamente discutidos pelo Congresso – e o projeto demoraria mais tempo para virar lei.
“Esse PL vai permitir ao Brasil colocar mais tecnologias em domínio público de forma mais rápida e possibilitar que os laboratórios brasileiros tenham mais informação para reproduzir essas tecnologias”, enfatiza Villardi.
“Isso vai fazer com que o Brasil consiga insumos para combate à covid-19 e outras pandemias, como medicamentos, vacinas e kits de diagnóstico, a preços mais baixos e com maior disponibilidade.”
Até os Estados Unidos, que têm laboratórios detentores de propriedade intelectual de vacinas, já se posicionaram pela liberação das patentes. O Brasil não defendeu licenças compulsórias em nenhuma reunião da OMC, causando desconforto entre países em desenvolvimento que estão com a vacinação atrasada, como Índia e África do Sul.
Edição: Vivian Virissimo