Ceará

Coluna

A política nacional de educação especial do Ministério da Exclusão

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Segundo a Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC-CE), 4.048 alunos com algum tipo de deficiência estão matriculados em 545 escolas estaduais regulares. - Foto: Elizabeth Nader / Prefeitura de Vítória
Segundo o ministro da educação, crianças e adolescentes com deficiência atrapalham o aprendizado

As políticas de educação inclusiva no Brasil, assim como todas as políticas educacionais, não ficaram imunes aos ataques e retrocessos impostos pelo Ministério da Educação (MEC) do atual governo federal. As últimas declarações do ministro da pasta, pastor Milton Ribeiro, sobre a nova política de educação especial, condensada no Decreto nº 10.502/2020, foram estarrecedoras e criminosas do ponto de vista pedagógico e da garantia dos direitos das pessoas com deficiência.

Para importantes especialistas e entidades vinculadas às lutas das pessoas com deficiência, como a Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), esse decreto retrocede em direitos garantidos na legislação vigente, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – LBI (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aprovada em 2015, o Plano Nacional de Educação (Meta 4) e tratados internacionais nos quais o Brasil é signatário, como a Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007).

Em dezembro do ano passado, após a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6590, acionada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a “Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida” (decreto 10.502/2020) foi suspensa e o relator do caso, ministro Dias Toffoli, convocou uma audiência pública para debater o tema, realizada nos últimos dias 23 e 24 de agosto, que contou com a participação de vozes favoráveis e contrárias ao decreto. Em breve o assunto será novamente revisitado pelo STF para a tomada de uma decisão final.

Segundo o raciocínio preconceituoso e sem nenhuma fundamentação científica do ministro da educação, muitas crianças e adolescentes com deficiência atrapalham o aprendizado dos demais estudantes nas escolas regulares, além de não conseguirem se desenvolverem adequadamente. Por trás dessa aparente preocupação, o MEC tem, na verdade, dois objetivos principais com essa nova legislação, um pragmático/econômico e o outro pedagógico/ideológico. O primeiro pretende barganhar junto as entidades privadas a abertura de um nicho de mercado para escolas especializadas nas diversas deficiências, e o segundo se vincula à própria concepção de educação que orienta a atual política ministerial, pautada numa visão reducionista e obscurantista de escola.

A LBI, em seu capítulo V (artigos 27 a 30), obriga o poder público a garantir a inclusão de pessoas com deficiência da rede regular de ensino, assegurando todas as condições e adaptações físicas e didáticas das instituições de ensino. Essa mesma lei reforça a importância de haver, quando necessário, o atendimento educacional especializado por outras organizações públicas ou filantrópicas, como ocorre hoje. 

No Ceará ainda existem duas escolas especializas, o Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES) e a Escola de Ensino Fundamental dos Instituto dos Cegos, que têm cumprindo um papel importante para a garantia do direito à educação para pessoas com deficiência auditiva e visual.

Segundo a Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC-CE), 4.048 alunos com algum tipo de deficiência estão matriculados em 545 escolas estaduais regulares e 338 alunos matriculados nessas duas escolas especializadas. Porém, a tendência tem sido de que instituições como essas desempenhem, cada vez mais, uma função complementar às escolas regulares inclusivas e não de substituição, como ocorreu nos últimos anos com a rede APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), responsável por apoiar pessoas com deficiência intelectual ou deficiência múltipla, com mais de 2.200 unidades distribuídas em todo o território nacional.

É evidente que a efetivação plena da política de inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares ainda é permeada de muitas contradições e limites, assim como a grande maioria das políticas sociais no Brasil. Mas são evidentes também os avanços obtidos nos últimos anos no campo na educação inclusiva, que tem possibilitado mudanças fundamentais no cenário educacional brasileiro e na socialização das pessoas com deficiência, em risco com o retorno de visões segregacionistas, como as contidas no decreto em discussão.

A escola, para além da sua função clássica de democratização do saber historicamente acumulado, deve ser compreendida também como um espaço relacional que contribua com a construção de valores e posturas que apontem para uma sociedade menos desigual e injusta, que tenha a valorização da diversidade e a promoção da inclusão como pilares inegociáveis.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Francisco Barbosa