O pneumologista Ubiratan de Paula contraiu covid-19 em maio do ano passado e precisou ficar seis dias intubado. Ao todo, ele ficou 24 dias internado – 16 em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
“Fiquei afastado dois meses depois da alta. Eu não tinha força muscular para o trabalho, e a minha função pulmonar só normalizou depois de nove meses”, relata o médico do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Ubiratan tem 69 anos e levou três meses para recuperar o paladar e o olfato. Até hoje, testes em bicicleta e esteira mostram redução na capacidade de exercícios.
O relato do médico é apenas um exemplo da chamada “covid longa”, em que o coronavírus causa danos mais duradouros. Os mais comuns são fraqueza, falta de ar, dor de cabeça, desatenção, perda de memória, que levam a reflexos mais ou menos graves nas atividades laborais.
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A discussão sobre os efeitos prolongados do novo coronavírus voltou à tona esta semana depois que o governo Jair Bolsonaro (sem partido) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar as indenizações a profissionais de saúde que ficaram incapacitados ao trabalho pela covid.
Esse não é o caso de Ubiratan, mas de alguns de seus pacientes.
“Tem um que já vinha ao InCor consultar comigo antes da covid. Hoje em dia, ele precisa vir com acompanhante porque não consegue mais lembrar o trajeto”, exemplifica Ubiratan de Paula.
“Outros ficaram com a função pulmonar reduzida ou não conseguem mais realizar seu trabalho. Esses sintomas podem persistir por mais de um ano. Algumas pessoas tiveram eventos graves, como infarto do miocárdio ou AVC com sequelas graves, ou então uma fibrose que sobrou no pulmão.”
Segundo o relato do pneumologista, não é raro que esses problemas provoquem o afastamento de profissionais de saúde.
“Às vezes, temos até quatro afastados ao mesmo tempo, por 15 dias ou mais, e é difícil repor com profissionais experientes. Isso sobrecarrega muito a equipe, com pessoas trabalhando em mais lugares, com maior jornada de trabalho, aumentando a exposição à covid”, diz.
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Estudos apontam que a “covid longa” afeta cerca de 10% dos pacientes. A gravidade das sequelas varia e, principalmente quando há comorbidade, podem durar a vida toda.
O que diz a legislação
A Lei 14.128, de março de 2021, determina que a União garanta compensação financeira de R$ 50 mil, em parcela única, a profissionais e trabalhadores de saúde que atenderam pacientes de covid e se tornaram “permanentemente incapacitados para o trabalho.” A mesma indenização se aplica “ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.”
Bolsonaro excluiu esse trecho da lei no início do ano, mas o veto foi derrubado pelo Congresso.
Na última quarta-feira (25), o governo fez uma nova tentativa de barrar essa indenização. A ação enviada ao STF foi assinada pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco.
O argumento do governo é de que a aprovação do texto violou princípios constitucionais, uma vez que o tema seria de competência do Executivo. Outro problema apontado na ação é que não está prevista a fonte de custeio.
"O texto do referido diploma foi extremamente impreciso ao estabelecer os beneficiários da compensação financeira e as hipóteses que acarretariam o direito a essa indenização", acrescenta o texto.
A Lei 14.128 inclui profissionais da segurança, da limpeza, de setores administrativos, agentes comunitários e todos que se expuseram à covid em decorrência de seu trabalho na Saúde. Segundo o governo Bolsonaro, essa abrangência traz insegurança jurídica para a União.
Célia Medina, supervisora do programa Mais Médicos em São Paulo, acompanha de perto a realidade dos trabalhadores da saúde e defende o pagamento de indenização.
“Temos pessoas que, mesmo passada a fase aguda da doença, continuam por muito tempo sentindo fraqueza, dor no peito, problemas mentais, dificuldade de elaborar o pensamento, e também problemas emocionais. Depressão depois da covid, por exemplo, é muito frequente”, diz.
“E, muitas delas, por essas sequelas, acabam não tendo o rendimento necessário para sua sobrevivência.”
Garantir uma compensação financeira, segundo Medina, ajudaria a reduzir estragos na legislação trabalhista causados pelo atual governo.
“Há um número importante de pessoas que perdem seu emprego e, devido justamente à perda de direitos trabalhistas nesse governo, ficam jogadas à própria sorte. É muito importante que o STF não aceite esse veto do presidente”, diz.
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A definição de “incapacitado para o trabalho” está sujeita à análise de um perito, e o pneumologista Ubiratan de Paula chama atenção para a necessidade de se aprimorar os processos de avaliação.
“É indispensável que haja uma adequação da Previdência Social sobre o reconhecimento da covid longa, já que muitas vezes os sintomas são subjetivos, e nem por isso são menos graves”, alerta.
“Problemas como a dificuldade de lembrar o trajeto do hospital, como eu citei, requerem testes específicos, e a Previdência precisa estar disposta a fazer essa adequação”, finaliza o médico do InCor.
A ação de Bolsonaro está sob análise da ministra Cármen Lúcia. Na última quinta (26), ela pediu mais informações ao governo federal para tomar sua decisão sobre o veto. A expectativa é de que haja uma definição sobre o caso nesta semana.
Edição: Rodrigo Durão Coelho