OPINIÃO

Artigo | Se Kalil não se vincular à frente democrática contra Bolsonaro perderá para Zema em MG

Kalil precisa demarcar com governador na defesa da democracia para ganhar eleições ao governo de Minas

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Alexandre Kalil é uma candidatura muito forte, mas se ficar “neutro” na disputa presidencial perderá a eleição para Romeu Zema - EBC

Matéria publicada no Valor Econômico, do dia 10 de agosto, traz como chamada: “Em Minas, sucessão estadual está descasada da nacional”. Este “descasamento”, em minha opinião, é amplamente favorável a Romeu Zema, que numa eleição “desnacionalizada” tem tudo para se reeleger governador. 

Já Kalil, para se tornar uma candidatura competitiva e vencer a eleição, terá que se vincular à disputa nacional à candidatura de Lula ou, pelo menos, no primeiro turno “abrir” o palanque para candidatos da Frente Democrática e, no segundo turno, apoiar o adversário de Bolsonaro

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Veja a seguir um painel com a situação das duas candidaturas ao governo de Minas. 

Alexandre Kalil é uma candidatura muito forte, mas se ficar “neutro” na disputa presidencial perderá a eleição para Romeu Zema. A candidatura de Alexandre Kalil ao governo do Estado é muito forte e as primeiras pesquisas divulgadas confirmam isso; o prefeito aparece na frente nas pesquisas na Grande BH e perde no interior, não por ter uma rejeição maior do que Romeu Zema, mas em função do desconhecimento. 

Quem é melhor no combate a pandemia?

Todo o confronto de Alexandre Kalil e Romeu Zema tem sido, no último período, em torno de quem é mais competente na gestão contra a pandemia do coronavírus em Minas. Acontece que a segunda onda da covid-19 mostrou as limitações da estratégia municipalista de Kalil. 

De fato, o prefeito Kalil teve um papel de destaque na contenção da primeira onda em Minas, com atitudes firmes de isolamento social, contribuiu para salvar muitas vidas, mas a estratégia “municipalista” do prefeito se esgotou. Isto porque o vírus não é “municipalista”, ele não tem fronteira, o que atingiu violentamente Belo Horizonte, que é uma cidade com grande circulação de pessoas. 

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BH ancora o sistema público e privado de saúde em Minas, o que sobrecarregou os hospitais da capital com pacientes de outras cidades; e sem um auxílio emergencial mais expressivo e apoio às empresas, BH não teve como sustentar o “fechamento da cidade” por tempo mais longo.

Veja só: se a disputa for em torno do desempenho no combate à covid-19, os resultados são desfavoráveis a Kalil (números de 17/8): a) a taxa de casos em BH é de 10.553/por 100 mil moradores contra taxa de Minas de 9.567/por 100 mil; b) a taxa de mortalidade em BH é de 254/por 100 mil contra taxa de Minas de 244/por 100 mil; c) BH lidera em números absolutos o número de mortes nas cidades mineiras, com 6.407 óbitos e é difícil explicar que se trata de “números absolutos” e não “números relativos”. 

Além disso, Romeu Zema promete investir pesado no principal reduto eleitoral de Kalil, a Grande BH, com obras gigantescas como o Rodoanel e as obras do Ferrugem e Arrudas, em Contagem e Belo Horizonte. Como se vê, uma disputa para governador desnacionalizada favorece a candidatura de Romeu Zema.

Frente democrática ou neutralidade

Não se sabe ainda qual será a posição definitiva de Kalil sobre a candidatura de Bolsonaro; se vai ficar neutro ou se irá integrar uma frente democrática antibolsonarista. Até o momento o indicativo de Kalil tem sido pela neutralidade, como declarou recentemente: “Apesar desses encontros, o prefeito de BH cogita até não se posicionar na disputa. "Me dou o direito, inclusive, de ficar neutro. Quem veio me ajudar na minha reeleição? Vocês tiveram notícias de Bolsonaro ou Lula aqui? Por que sou obrigado a não cruzar os braços e a não dizer 'vota em quem quiser'? Os dois tentaram puxar o meu pé aqui", reclamou Kalil”. 

Em outra declaração Kalil demarca com Bolsonaro, mas rejeita a adesão à Lula: “tendência é não ficar com Bolsonaro, mas não pular no colo do outro”. Com este discurso, Kalil deverá desagradar o eleitorado antibolsonarista, que é amplamente majoritário em Minas, e não ganha o eleitor bolsonarista, que tenderá a votar em Romeu Zema. 

Um outro caminho que Kalil poderá adotar será integrar uma frente democrática contra Bolsonaro, ainda que abra seu “palanque” para mais de uma candidatura presidencial de partidos vinculados à sua coligação (por exemplo, Lula e Ciro), como Marcelo Freixo está tentando articular no Rio de Janeiro, e apoie o candidato do campo democrático que for para o segundo turno.

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Pessoalmente sou favorável a uma aproximação do PT com Alexandre Kalil, o que deverá ficar claro com a presença de Lula em Minas na segunda quinzena de setembro. 

Temos uma eleição com enorme desafio. Existe quase que um desespero dos segmentos democráticos e progressistas da sociedade brasileira: ninguém consegue pensar em outra coisa senão em derrotar Bolsonaro e encerrar o tempo das trevas que vivemos no Brasil. 

É uma estratégia de difícil construção: a defesa de uma frente ampla para derrotar Bolsonaro, provavelmente no segundo turno, e, ao mesmo tempo, ganhar a eleição e fazer um governo mais à esquerda do que fez Lula em seus dois mandatos, com o fortalecimento do Estado e um combate forte às desigualdades enormes presentes na sociedade brasileira.

Uma aliança com Kalil favorece, em minha opinião, a construção de um governo mais à esquerda em Minas e no Brasil. Veja o caso do Rio de Janeiro. Lá a frente ampla está sendo construída com segmentos do PSD mais à direita, representados pelas lideranças de Eduardo Paes e Rodrigo Maia, muito comprometidos com o projeto econômico e social de corte neoliberal. Kalil, no PSD, representa um centro mais à esquerda. 

Kalil se elegeu como um outsider, mas demonstrou conteúdo político que o coloca muito próximo a posições de centro esquerda: tem sensibilidade social, manteve pessoas progressistas na área social e de forma corajosa adotou como slogan da PBH “Prefeitura para quem mais precisa”; adotou posições avançadas na cultura e nos costumes, manteve pessoas de esquerda nestas áreas e com declarações corajosas como fez na Parada LGBTQIA+; adota uma posição desenvolvimentista na economia e é um crítico da privatização das estatais proposta pelo governo Romeu Zema; tem sido um crítico do “negacionismo” bolsonarista, fez um ótimo trabalho de combate à pandemia, com atitudes fortes de isolamento social e na vacinação; Kalil é um crítico do autoritarismo de Bolsonaro. 

Na minha opinião devemos estar com Kalil no primeiro ou no segundo turno.

Zema, aliado do negacionismo

Romeu Zema tem sido um aliado do “negacionismo” bolsonarista; foi eleito na “onda anti-PT” e poderá ser atropelado pela “onda anti-bolsonarista”. Para entender a aliança de Romeu Zema com o “negacionismo” de Bolsonaro é preciso compreender seu projeto de Estado e de sociedade. 

O governador defende um privatismo igual ou até mais radical do que o de Paulo Guedes. No seu programa de governo, ele defende o Estado mínimo e a privatização de tudo, inclusive da saúde e da educação: “acreditamos que a garantia da liberdade é a única e verdadeira função do estado, e que, por isso, ele deve ser mínimo, pois o indivíduo deve ser dono de si”. 

Eu fiz um estudo sobre as privatizações de Romeu Zema; utilizei o alfabeto para enumerá-las; deu alfabeto completo: de A a Z. O governador não é anti-ciência como Bolsonaro: defende o uso das máscaras, do álcool em gel e a vacinação. Mas, como um ultraliberal, Romeu Zema defende, como vimos, que “a garantia da liberdade é a única e verdadeira função do estado”. Romeu Zema, então, “privatizou” o vírus. Veja a íntegra do raciocínio do governador quando ele afirmou que o vírus tinha que “viajar”: 

"São medidas que o prefeito resolveu adotar, e nós temos observado que em muitas regiões, em muitas cidades, os casos existentes, ou até a ausência de casos, não justifica o fechamento total do comércio, até porque nessa crise nós precisamos que o vírus viaje um pouco. Se nós impedirmos ele totalmente, ele acaba deixando algumas regiões sem estar infectadas, e amanhã nós vamos ter uma onda gigantesca nessa região. Então, o ideal é que ele se propague, mas devagar, e a ausência total de propagação é ruim” (UOL, 1/4/2020). 

Ao invés de o poder público atuar para ampliar o isolamento social com restrições ao funcionamento das atividades econômicas para prevenir a doença, para Romeu Zema o Estado deveria garantir a “propagação controlada do vírus”; é a chamada “imunidade de rebanho”, onde o vírus deveria infectar a maioria da população e quem sobrevivesse “estaria imunizado”. Inacreditável e desumano! 

Com o avanço avassalador da segunda onda da pandemia em Minas Gerais, o governador, a contragosto, teve que contrariar a sua ideologia ultraliberal, e criar a “Onda roxa” de aplicação compulsória em toda Minas Gerais, com fechamento de todas as atividades não essenciais no Estado. Na entrevista em que anunciou o “fechamento de Minas” era visível o nervosismo e desconforto do governador, que, de forma agressiva, chamou de “criminosas” as pessoas que se aglomeram. 

E o governo do Estado e os “novistas”, visivelmente, demonstraram um enorme desconforto com o fechamento de Minas e mostraram ansiedade enorme em se livrar da “Onda roxa”, até porque a sustentação de fechamentos por prazos mais longos implica em reabrir o “orçamento de guerra” no Brasil, para aumentar o auxílio emergencial e o apoio às empresas, política que o Partido Novo é radicalmente contrário.

Eixos da candidatura Zema

Tudo indica que a candidatura de Romeu Zema terá como eixos mostrar os “avanços” no Estado de Minas Gerais: o pagamento em dia dos servidores; os repasses feitos para os municípios referentes a impostos retidos no governo Fernando Pimentel, inclusive os da saúde; a renegociação do pagamento de R$ 7 bilhões de precatórios em 72 parcelas; a campanha de vacinação; os investimentos prometidos no Estado, em particular com o acordo da Vale de R$ 27 bilhões e os repasses aos municípios de parte do dinheiro da Vale. 

Será isto o suficiente para reeleger Romeu Zema? Minas está bem no ranking da vacinação, mas a segunda onda fez uma devastação de mortes no Estado, ocupando o Estado a terceira colocação nacional (52.002 no dia 17/8) e o Estado subiu 10 posições na taxa de mortalidade por 1 milhão de habitantes da 26ª para 16ª posição no ranking nacional dos Estados; um resultado deste não tem como colocar Zema com uma boa gestão da pandemia. 

Já os investimentos do acordo da Vale são expressivos, mas são promessas futuras que só serão entregues depois de muitos anos. 

Romeu Zema foi eleito na “onda anti-PT” e em aliança com o bolsonarismo, corre um sério risco agora, ao se manter vinculado ao presidente ao que tudo indica de forma envergonhada, de ser atropelado pela “onda anti-bolsonarista” que está se formando no Nordeste e também no Sudeste. Na recente pesquisa do IPEC (EX-IBOPE) Lula ganha no Sudeste com boa margem (47% a 24%) e esta diferença deverá aumentar em Minas Gerais, onde o PT e aliados venceram quatro eleições presidenciais (2002, 2006, 2010, 2014).

Kalil precisa demarcar na defesa da democracia

Kalil precisa demarcar com Romeu Zema na saúde, na economia e na defesa da democracia. 

Como se vê, é possível derrotar Romeu Zema em Minas Gerais e o melhor nome para esta tarefa é o de Alexandre Kalil. Mas depende da estratégia política a ser adotada pelo prefeito. 

Kalil será vitorioso se confrontar o governador em três frentes: 

a) na política de combate à pandemia, vinculando Romeu Zema ao negacionismo de Bolsonaro, responsável por mais de 600 mil mortes por covid-19 no Brasil; 

b) combatendo o privatismo de Romeu Zema, que propõe privatizar tudo, inclusive saúde e educação; pesquisa da XP/IPESPE mostra que o povo é contra este privatismo; perguntada qual a “melhor maneira para recuperar a economia depois do coronavírus”, a população respondeu: 65%, mudar a política econômica com mais investimentos do governo para o Brasil voltar a crescer; 25%, manter a política econômica atual com as reformas, e maior participação das empresas privadas para retomar o crescimento; 10%, não sabe / não respondeu; 

c) Kalil precisa demarcar com Romeu Zema também na questão democrática; o governador é um aliado de Bolsonaro nos ataques à democracia e não participa de nenhuma articulação dos governadores em defesa da democracia, como aconteceu recentemente em uma nota de crítica aos ataques de Bolsonaro ao STF; vale dizer que Romeu Zema está à direita do Partido Novo, que defende o impeachment de Bolsonaro.

 

*José Prata Araújo é economista, especialista em direitos sociais e colunista do Brasil de Fato.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida