Decisões judiciais desfavoráveis à Uber no Canadá e nos Estados Unidos derrubaram as ações da empresa para US$ 39,95 na Bolsa de Valores de Nova Iorque no último dia 20. Em um mês, a desvalorização foi de 15,8%.
Esta é a primeira semana desde novembro de 2020 em que as ações da multinacional estadunidense começam sendo negociadas abaixo de US$ 40.
As decisões mais importantes
No dia 12 de agosto, o Tribunal Superior de Justiça de Ontário, no Canadá, considerou apta para julgamento uma ação coletiva contra a empresa, em que motoristas pedem US$ 400 milhões por dano coletivo.
Os motoristas acusam a Uber de fraude na classificação trabalhista, ao considerá-los como trabalhadores autônomos e não como empregados.
“Essa decisão não trata do mérito da causa, mas apenas dos requisitos formais e processuais para que a ação coletiva seja julgada. Porém, é uma decisão importante, uma vez que a superação desses requisitos [pré-julgamento] não é fácil no direito canadense”, ressalta o advogado José Eduardo Resende Chaves Júnior, desembargador aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3).
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No berço da Uber
Na última sexta-feira (20), um juiz da Corte Superior do Condado de Alameda, na Califórnia, considerou inconstitucional a seção 745 do Código do Trabalho do estado, alterada em favor da Uber após plebiscito realizado em novembro de 2020.
Na época, 58,6% dos votantes se pronunciaram a favor da chamada Proposta [ou Proposição] 22, que considera os motoristas como autônomos, concedendo a eles alguns benefícios adicionais.
“O plebiscito retirou o enquadramento como empregado dos motoristas e entregadores dos aplicativos na Califórnia. Esse enquadramento havia sido feito pela lei californiana AB-5, depois de uma decisão da Suprema Corte da Califórnia nesse sentido”, explica Chaves Júnior.
“No dia 20, a Justiça de primeira instância considerou inconstitucional tal plebiscito, porque na prática ele inviabiliza o Poder Legislativo californiano de conceder novos direitos aos trabalhadores de plataformas, pois exige um incrível quórum de 7/8 para alterá-lo.”
A ação foi promovida pelo sindicato Service Employees International Union (SEIU).
“A Suprema Corte da Califórnia recentemente havia rechaçado uma ação nos mesmos termos, mas permitiu que tal debate fosse travado em primeiro grau, o que ocorreu agora”, relembra o advogado.
A empresa afirmou que recorrerá dessa decisão.
Histórico
O embate sobre a Proposição 22 começou na Califórnia com uma ação de um trabalhador da Dynamex, empresa de entrega de encomendas, em 2018. Os motoristas recebiam uniformes e recebiam ordens da empresa, mas formalmente eram tratados como contratados independentes.
Naquele ano, o caso chegou à Suprema Corte da Califórnia, que reconheceu o vínculo de emprego e deu ganho de causa ao trabalhador.
Após essa decisão, a deputada estadual Lorena Gonzalez levou o caso à Assembleia Legislativa, obtendo sucessivas aprovações, até a sanção do governador Gavin Newsom – consolidando o entendimento favorável aos trabalhadores de aplicativo na Califórnia por meio da lei AB-5, em 2019.
A AB-5 deveria entrar em vigor em 1º de janeiro de 2020. No entanto, a Uber e outras empresas do setor reagiram e conseguiram submeter a decisão a um plebiscito estadual, realizado em paralelo às eleições presidenciais.
Empresas como Uber, Lyft, DoorDash e Instacart gastaram cerca de US$ 200 milhões – mais de R$ 1,1 bilhão – em campanha para aprovar a medida, que na semana passada foi revertida na Corte Superior do Condado de Alameda.
De olho
A Uber foi fundada justamente na Califórnia, em 2009, e motoristas esperam que decisões como essa tenham impactos globais.
Ex-motorista e autor do livro Minha batalha contra a Uber, Wagner Oliveira foi o primeiro a processar a empresa no Brasil e acompanha diariamente as decisões judiciais no exterior.
“A Uber queria mudar a lei da Califórnia para se enquadrar no seu modelo de negócio, dizendo que o motorista é um contratado independente e que ela é uma empresa de tecnologia”, afirma Oliveira.
“Tudo isso é uma mentira. Ela é uma empresa privada de transporte de passageiros, que não quer assumir os custos trabalhistas porque isso faz parte de seu projeto de dumping, para quebrar o sistema público de transporte.”
Oliveira diz que houve uma campanha enganosa durante o plebiscito de 2020, induzindo a população ao erro.
“Muita gente votou a favor da Proposta 22 acreditando que estava ajudando os motoristas, quando na verdade era o contrário”, lembra o ex-motorista, que mantém um canal no Youtube com vídeos sobre os danos causados pela Uber e outras multinacional do setor.
“Essa decisão do magistrado [da Califórnia no dia 20] vai trazer sérios aborrecimentos à empresa, e os papéis da Uber estão caindo ainda mais.”
O desembargador José Eduardo Resende Chaves Júnior afirma que essas decisões não produzem reflexos objetivos sobre os processos abertos por motoristas no Brasil – maior mercado da Uber fora dos Estados Unidos.
“Os conceitos de empregados são parecidos [entre os países], com algumas diferenças, mas não têm qualquer força vinculante no Brasil”, enfatiza.
“Apenas cria-se um paradoxo: se em um país mais liberal na economia, como é o caso dos Estado Unidos, o Poder Judiciário tem dados inúmeras decisões a favor da existência do contrato de trabalho subordinado, é difícil entender como aqui o vínculo empregatício não seja considerado, pois temos no Brasil o princípio da presunção de laboralidade do trabalho pessoal.”
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, em quatro julgamentos diferentes, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas.
Outro lado
O Brasil de Fato apresentou questionamentos à Uber sobre o tema recentemente. Confira a resposta, na íntegra:
“Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber, eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação de viagens oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Dessa forma, não há subordinação na relação, pois a Uber não exerce controle sobre os motoristas, que escolhem quando e como usar a tecnologia da empresa.
Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe controle ou determinação de cumprimento de jornada mínima.
Nos últimos anos, os tribunais brasileiros vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 900 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, além de julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e quatro decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho).”
Edição: Vinícius Segalla