O Talibã assumiu o poder no Afeganistão no último fim de semana (14-15). No Vale do Panjshir, 150 quilômetros a nordeste de Cabul, forma-se a resistência. Lá se refugiaram dois ex-representantes de primeiro escalão do governo deposto de Ashraf Ghani: o vice-presidente Amrullah Saleh e o ministro da Defesa Bismillah Mohammadi.
Saleh reivindica para si a presidência, já que Ghani fugiu do país, e declarou: "Não vou jamais e sob nenhuma circunstância me curvar ao Talibã terrorista. Jamais vou trair a minha alma e o legado do meu comandante e líder, a lenda Ahmad Shah Massoud".
O Vale do Panjshir ("literalmente vale dos cinco leões") tem representado um papel militar decisivo na história afegã, pois sua localização geográfica o isola quase inteiramente do resto do país. O único acesso é por uma estreita passagem criada pelo rio Panjshir, um gargalo fácil de defender militarmente.
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A maior parte dos 150 mil habitantes da região é da etnia tadjique, enquanto os talibãs são majoritariamente pachtos. O vale é, além disso, conhecido por suas esmeraldas, que no passado serviram para financiar a resistência contra os governantes. Antes da tomada do poder pelo Talibã, a província de Panjshir exigia insistentemente mais autonomia do governo central.
O vale preservou sua independência tanto durante a ocupação pela União Soviética (1980-1985) como no primeiro domínio talibã (1996-2001). Ao longo do governo sustentado pela Otan em Cabul de 2001 a 2021, ele era uma das regiões mais seguras de todo o país.
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Ahmad Shah Massoud, líder carismático
A história da autonomia do Vale do Panjshir está estreitamente ligada ao carismático Ahmad Shah Massoud, famoso em todo o Afeganistão, que também foi o mentor do vice-presidente deposto Saleh. Nascido no vale em 1953, Ahmad Shah adotou o nome de guerra "Massoud" ("afortunado", "feliz").
Depois de partir para a resistência contra o governo comunista em Cabul e os ocupadores soviéticos, tornou-se um dos mais influentes comandantes mujahidin do país. Uma de suas máximas, que até hoje ainda ilustra numerosos cartazes trazendo seu retrato, era: "Dependência é vergonha".
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Em seguida à retirada da União Soviética, em 1989, desencadeou-se a guerra civil no Afeganistão, que o Talibã acabou decidindo em favor próprio. No entanto, com sua Frente Unida (também conhecida como Aliança Norte), Massoud conseguiu manter o controle não só do Vale do Panjshir como de quase todo o nordeste afegão, até a fronteira com a China e o Tadjiquistão, escapando, assim, ao domínio talibã.
Apesar de também defender um islamismo conservador, Massoud tentou criar instituições democráticas e achava que as mulheres deveriam ter um papel igualitário na sociedade. Sua meta era um Afeganistão unido, em que as fronteiras étnicas e religiosas fossem menos visíveis. No entanto, durante os combates por Cabul, a organização Human Rights Watch acusou as tropas de Massoud de violações em massa dos direitos humanos.
Em 2001, apenas dois dias antes dos atentados nos Estados Unidos, o líder foi assassinado: dois terroristas que se apresentaram como repórteres haviam escondido uma bomba em sua câmera, presumivelmente agindo sob ordens do chefe do grupo fundamentalista Al Qaeda, Osama bin Laden, o qual, com a morte de Massoud, desejaria prestar um favor aos talibãs.
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O grupo fundamentalista havia dado refúgio à Al Qaeda no Afeganistão, e foi a partir do país que Bin Laden organizou os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, em 11 de setembro de 2001.
Forma-se nova resistência aos talibãs
Diante desse histórico, volta a formar-se uma resistência na região. Ahmad Massoud, filho do lendário comandante e muito semelhante a ele em aparência e atitude, comanda uma milícia no Vale do Panjshir e, juntamente com o vice-presidente deposto, prometeu não se curvar perante o Talibã. No Twitter cursava uma foto de um encontro entre ambos.
Aparentemente, Massoud e Saleh pretendem fundar juntos um novo movimento de resistência. Já em abril, quando os Estados Unidos fecharam um acordo com o Talibã, os habitantes do vale mostraram-se indignados e começaram a reativar suas mílícias, como mostrou uma reportagem do jornal suíço Neue Zürcher Zeitung.
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Sob condição de anonimato, um habitante da região declarou à agência de notícias AFP: "Não vamos permitir aos talibãs pisarem o Panjshir. Vamos lutar contra eles com toda nossa força e poder." No momento, contudo, está totalmente em aberto quão forte o movimento é e como o Talibã reagirá.
O especialista em assuntos do Sul Asiático Michael Kugelman, do centro de estudos americano Wilson Center, avaliou: "Se tomarmos os talibãs ao pé da letra, o Panjshir estaria seguro, pois a guerra no Afeganistão acabou. Os talibãs prometeram não empregar mais violência, o que implica deixar em paz os territórios não dominados por eles. Mas vamos ter que esperar para ver."
"Caso se forme uma resistência militar organizada na região, porém", ressalva Kugelman, "não descarto que os talibãs venham a investir contra ela. E se o fizerem, vão ter vitória rápida e fácil."