Ensino superior

Única universidade criada por Bolsonaro enfrenta cortes e não abriu concursos após 2 anos

Reitor pró-tempore relata esforço para estruturar a UFNT e espera abertura de vagas para professores e técnicos em 2022

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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UFNT herdou campus de Araguaína (foto) da UFT, que tem outros cinco campi no estado - Divulgação / Prefeitura de Araguaína

A Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), criada em julho de 2019, não abriu concurso para contratações de professores e servidores técnico-administrativos e sofre com os cortes de investimentos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) no ensino superior.

Para garantir o funcionamento da universidade até o final de 2021, a reitoria se viu obrigada a fazer ajustes orçamentários e depende de emendas parlamentares.

Histórico

Única universidade federal criada a partir de uma lei sancionada por Bolsonaro, a UFNT é fruto de um projeto de autoria da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT).

A instituição nasceu do desmembramento de dois campi da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Araguaína (TO) e Tocantinópolis (TO). O projeto inicial do Ministério da Educação (MEC) previa a instalação de outros dois campi, em Xambioá (TO) e Guaraí (TO), que ainda não saíram do papel.

Desde a sanção presidencial, há dois anos, não foi aberto nenhum curso de graduação novo na UFNT. O primeiro será inaugurado este ano, no campus de Tocantinópolis – serão 40 vagas para o curso de Direito, autorizado pelo MEC em 2020.

A primeira turma de Direito se soma a outros 18 cursos de graduação da UFNT que já existiam sob o nome de UFT antes do governo Bolsonaro – quatro em Tocantinópolis e 13 em Araguaína, além de 10 programas de pós-graduação.

A estrutura física, os servidores e professores que hoje atuam na universidade criada por Bolsonaro também são legados de gestões anteriores.

Quando sancionou a lei de criação da UFNT, Bolsonaro declarou que estava inaugurando uma “forma diferente de encarar o ensino público” no país.

Professor de Geografia e reitor pró-tempore da UFNT, Airton Sieben diz desconhecer o teor da fala do presidente.

“Para nós, não houve nenhuma orientação especial. No momento da criação, havia uma discussão muito grande em torno do programa Future-se, que previa outra forma de gestão das universidades, mas depois esse assunto perdeu força”, lembra.

Segundo informações do governo federal, o Future-se pretendia dar “maior autonomia financeira a universidades e institutos por meio do fomento à captação de recursos próprios e ao empreendedorismo.”

O programa era uma das bandeiras do MEC sob a gestão de Abraham Weintraub, mas foi rejeitado por entidades estudantis e de professores e saiu da agenda após a exoneração e fuga do ex-ministro aos EUA, em junho de 2020.

Impactos da pandemia

Sieben participou ativamente do processo de concepção da UFNT, há cinco anos. Ele relata que a pandemia de covid-19, sem condições adequadas de acesso à tecnologia para ensino remoto, provocou a evasão estudantil.

“Tínhamos cerca de quatro mil alunos, mas houve uma redução, infelizmente, em função da pandemia. Os números atualizados, ainda não temos. Pelo que me foi apresentado previamente, é em torno de 25% [de evasão]”, diz.

“Temos alunos que vêm de comunidades indígenas, quilombolas, onde o acesso à internet é mais difícil.”

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Do ponto de vista da estruturação da universidade, a crise sanitária não foi um empecilho. Pelo contrário, a necessidade de fazer reuniões virtualmente até agilizou os processos, na visão do reitor.

O ensino 100% remoto também contribuiu, por linhas tortas, na gestão do orçamento.

“Tivemos que fazer alguns ajustes orçamentários, internamente, para poder chegar até o final do ano. E isso só será possível porque estamos com ensino remoto”, admite o reitor pró-tempore, lembrando que as despesas aumentam com aulas presenciais.

“Nada contra a presencialidade, e acho que ela deve voltar no momento oportuno, mas a compressão das despesas discricionárias nos impediria de chegar até 2021 com ensino presencial.”

Espreme daqui, aperta dali

A UFNT não possui qualquer estrutura administrativa para além do cargo temporário ocupado por Sieben desde julho de 2020.

“Estamos aguardando a liberação de cargos comissionados, para que possamos formar uma equipe de pró-reitores e diretores”, afirma o reitor pró-tempore. A gestão dele recebe o suporte de Grupos de Trabalho (GTs) formados por outros professores, voluntariamente.

Conforme a lei orçamentária anual (LOA), as verbas de custeio da UFNT para 2021 são de aproximadamente R$ 11 milhões.

“Infelizmente, tivemos uma queda no recurso das universidades, para investimento em despesas correntes, como pagamento de água, luz, segurança, além das bolsas e programas de auxílio estudantil. Tivemos uma redução, de 2020 para 2021, daquilo que estava previsto na pré-LOA para a LOA”, lamenta o reitor.

“Essa redução no orçamento coloca todas as instituições federais em uma situação complicada, principalmente no que diz respeito à manutenção dos contratos continuados – energia, vigilância, limpeza, manutenção predial, entre outros. Também temos dificuldades com cortes no Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), o que afeta a permanência de milhares de alunos na universidade.”

Graças ao ensino remoto e a emendas parlamentares pleiteadas pelo deputado Célio Moura (PT-TO), foi possível ajustar as contas e até deslocar parte da verba para auxílio-moradia e auxílio-permanência, compensando em parte os cortes no Pnaes.

“É uma região carente, que tem muitos quilombolas, territórios indígenas. De maneira geral, é um perfil social vulnerável, um público que necessita dessa assistência estudantil”, ressalta Sieben.

“Porém, não tinha como fazermos um remanejamento ou um ajuste mais drástico, porque ele [orçamento] já vem engessado, para pagamentos que a universidade já deve fazer”, pondera.

Previsões de novas vagas e novos campi

A lei que criou a UFNT previa 316 novos cargos de direção, de funções gratificadas e comissionadas, e 175 cargos efetivos para a universidade. Até o momento, não foram abertos concursos para essas vagas.

“Essa é uma das nossas grandes dificuldades: a falta de [servidores] técnico-administrativos. Também há a necessidade de concursos para professores”, afirma o reitor, que espera autorização para preencher as vagas em 2022.

“O que nós tivemos foram concursos esporádicos para cargos em vacância, alguma exoneração ou aposentadoria. Mas, para vagas novas, tanto para professor quanto para técnicos-administrativos, não foram feitos ainda”, enfatiza.

Só depois dessas contratações, deve entrar na agenda a expansão da universidade.

“Com relação aos futuros campi de Guaraí e Xambioá, isso depende de uma articulação política. Nós precisamos do apoio político e de recursos, tanto de capital, investimento, como a disponibilização de servidores, professores e técnicos-administrativos, além de toda a estrutura de oferta de cursos”, enumera Sieben.

Outra preocupação do reitor é a ausência de uma estrutura de tecnologia de informação (TI) para a nova reitoria, em Araguaína. Na avaliação dele, os equipamentos de informática que estão à disposição são “obsoletos” e precisam ser substituídos, mas não há verba para compras dessa natureza.

O Brasil de Fato entrou em contato com o MEC e apresentou as informações apuradas sobre as dificuldades de estruturação da UFNT.  A assessoria de comunicação do Ministério respondeu apenas os questionamentos referentes ao provimento de cargos.

Segundo o MEC, a abertura de concursos depende da ampliação do Quadro de Referência dos Servidores Técnico-Administrativos em Educação (QRSTA) e do Banco de Professor Equivalente dos docentes (BPEq), que carecem de autorização do Ministério da Economia.

"Destacamos que este Ministério solicitou no corrente ano autorização para ampliação Quadro e Banco da UFNT para que os provimentos dos cargos criados aconteçam a partir do ano de 2022", informa a nota do MEC. "Ademais, em virtude da publicação da Lei Complementar n° 173/2020, está vedada a admissão de pessoal, até 31 de Dezembro de 2021, para ocupar cargos novos, ressalvadas as hipóteses de vacância e reposição de cargos comissionados, desde que não haja o aumento de despesa."

Edição: Leandro Melito