Alvo preferencial do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o legado de preservação ambiental deixado por Chico Mendes tem se transformado em cinzas e é alvo de muitas pressões.
Prova disso está na destruição em um santuário que leva o próprio nome do líder dos seringueiros. No mês de julho, a Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre, foi a segunda mais desmatada entre as Unidades de Conservação da Amazonia Legal.
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Os dados divulgados nesta quinta-feira (19) pelo Instituto Imazon mostram que foram 30 km² de floresta nativa derrubada: uma área que equivale aproximadamente a 4.200 campos de futebol.
Em 2020, a área derrubada da floresta aumentou 48% em relação a 2019, chegando a 101,3 km². A área total da reserva tem pouco mais de 9 mil km².
A criação da Resex, em 1990, simbolizou a luta dos povos da floresta pelo direito de preservar seus modos de vida, de forma sustentável, em meio à expansão do agronegócio.
No local, que contempla sete municípios do Acre, cerca de 3 mil famílias vivem da extração de látex e da coleta de castanha.
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"O conjunto de ameaças hoje é muito maior, se multiplicou. Por que não bastasse, nós ter continuarmos com madeireiros, e pecuaristas, com os grileiros, nessa busca incessante de explorar a Amazônia, mas a gente se depara hoje com os projetos de lei do legislativo, que justamente incidem sobre esses territórios", analisa Ângela Mendes, filha do seringueiro e coordenadora do Comitê Chico Mendes.
No Congresso Nacional, o Projeto de Lei 6024 de 2019, propõe a redução dos limites da Resex Chico Mendes em 222 km².
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Ao apresentar o PL em novembro de 2019, a deputada Mara Rocha, do PSDB, justificou que fazendeiros já tinham gado na área antes da criação da reserva. E que, injustamente, vinham sendo alvo de fiscalizações.
Mendes contesta a versão e explica que só a tramitação do PL já gerou prejuízos às comunidades. Ela conta que as famílias estariam vendendo suas terras por acreditarem que a Resex será extinta com a proposta.
"Inventaram muito falatório, muito boato e as pessoas começaram a fatiar parte de suas áreas para vender. Então a gente está numa situação realmente em que a gente precisa pensar soluções coletivas né para enfrentar tudo isso", explica.
O PL 6024, com interesses na mineração, também propõe a transformação do Parque Nacional da Serra do Divisor em uma Área de Proteção Ambiental. A mudança da classificação diminuiria o rigor na preservação do local, onde se encontra a maior biodiversidade da Amazônia brasileira.
A justificativa para a extinção consta no texto da deputada tucana. Ela destaca que o Parque é o único lugar do Acre que "possui rochas que podem serem extraídas e utilizadas na construção civil".
Em toda a região Amazônica, a destruição da floresta cresceu 51% nos últimos 11 meses, segundo os dados do Instituto Imazon.
"Esse conjunto de projetos também dialogam com o projeto da regularização fundiária, aprovado recentemente por aqui para titular terras públicas invadidas e griladas. Com outro projeto, que acabou de ser aprovado no Senado, e que provavelmente vem para ser votado na Câmara com urgência, que é o de venda de terras para estrangeiros. Esse é uma bomba", destaca o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP).
Nos bastidores da Câmara, o parlamentar avalia que o cenário é desfavorável, principalmente após Bolsonaro consolidar a relação com Arthur Lira e os partidos do Centrão.
Segundo ele, os interesses da Bancada Ruralista já angariam mais de 300 votos ativos dentro do Plenário.
No caso do PL 6024, que avançou sua tramitação no final de março, a pressão é grande dentro da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia. Dos onze parlamentares eleitos pelo estado do Acre, apenas dois se manifestaram contra a proposta.
As esperanças para a preservação da Resex, na visão de Tatto, se volta para o parecer do relator José Ricardo Wendling (PT-RS) - caso o texto não seja derrubado.
"Os agentes que estão invadindo, desmatando Chico Mendes, fazem parte desta mesma articulação que vem provocando invasões em massa, em especial no Governo Bolsonaro, depois que desestruturou todo o sistema de fiscalização e monitoramento", avalia o petista, que é titular da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Câmara.
As primeiras reservas extrativistas do país foram criadas em março de 1990, pelo então presidente José Sarney. A Resex Chico Mendes, símbolo da luta ambientalista no Brasil, foi a segunda a ser oficializada.
Autor da célebre frase “Ecologia sem luta de classes é jardinagem”, o líder dos seringueiros nascido em Xapuri (AC), teve sua vida interrompida a mando de grileiros, em 1998.
"O legado do meu pai são os territórios de uso coletivo, mais propriamente as reservas extrativistas, que são hoje, depois das terras indígenas, os territórios mais ameaçados por esse conjunto de instrumentos do legislativo, executivo, e que vem impactar negativamente o conjunto dessas unidades de conservação", finaliza Mendes.
Edição: Vivian Virissimo