A entrada do Talibã em Cabul é uma "amarga conclusão de uma longa aventura militar de 20 anos do imperialismo norte-americano que infligiu morte sem sentido e sofrimento em uma escala enorme", avalia o Partido pelo Socialismo e Libertação (PSL) dos EUA em comunicado.
Após uma ofensiva que conseguiu conquistar o país sem enfrentar grande oposição das forças estatais de segurança e a retirada de militares estadunidenses, o Talibã assumiu o controle do palácio presidencial na capital. O presidente até poucos dias atrás, Ashraf Ghani, abandonou o país.
O PSL destaca que o próprio Talibã é resultado "da guerra da CIA contra o governo socialista do Afeganistão que chegou ao poder em 1978 durante a Revolução de Saur". Ainda de acordo com o partido socialista dos EUA, bilhões de dólares foram gastos no investimento e treinamento dos militares afegãos, mas essas forças armadas não tinham legitimidade para além da ocupação militar dos Estados Unidos.
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"O governo de Joe Biden escolheu não alimentar uma escalada militar, como por exemplo uma dramática guerra aérea, que poderia conter o avanço do grupo. A visão predominante parece ter sido a de que a guerra era invencível e seria melhor abandonar o governo que eles instalaram, acabar com a retirada por agora e se concentrar em questões maiores para o império americano. Mas certamente o governo Biden esperava realizar uma retirada organizada em seus próprios termos. Os Estados Unidos agora estão sofrendo a humilhação de ter que entregar diretamente o controle do país ao Talibã, um grande golpe para a sua imagem internacional de potência militar. Isso poderia ter implicações duradouras para o avanço da política militar e externa de Biden.", analisa o PSL.
Confira a íntegra da nota do Partido pelo Socialismo e Libertação:
Comunicado do Partido Socialismo e Liberdade: governo afegão apoiado pelos Estados Unidos rende-se ao Talibã
"A entrada de forças do Talibã em Cabul sem resistência contrária marca o fim amargo das duas décadas da aventura militar imperialista estadunidense que infligiu morte e sofrimento sem sentido em grande escala. O fato de que o governo afegão apoiado pelos Estados Unidos se rendeu sem que houvesse qualquer luta indica claramente que este governo era nada mais que uma extensão do poder imperialista estadunidense. A realidade nua e crua mostrou-se: ou a ocupação imperialista dos EUA iniciada há vinte anos seria sustentada para sempre, ou este governo colapsaria com a saída das forças militares americanas. A ascensão do Talibã ao poder na década de 90 foi consequência da guerra da CIA contra o governo socialista afegão que assumira o país em 1978, durante a Revolução de Saur. Os EUA ansiavam negociar com o Talibã antes do 11 de Setembro, a despeio das políticas odiosas do grupo, dentre elas a proibição da educação às meninas. A esperança e as promessas do período socialista foram esmagadas pela intervenção estadunidense e pelo colapso da União Soviética. Desde então, o povo afegão tem vivido sob um governo reacionário após o outro.
O completo colapso político do governo do Afeganistão – colapso quase instantâneo – levou a uma situação na qual o Talibã administra a evacuação de dentro da capital dos seus oponentes em estado de pânico. Desde a invasão americana em outubro de 2001, centenas de milhares de afegãos morrerão, milhões foram forçados a saíram de suas casas, dezenas de milhares de soldados alistados da classe trabalhadora dos Estados Unidos foram mortos ou feridos. Ao fim, o cenário político do país é novamente o domínio talibã.
A invasão liderada pelos EUA e OTAN começou em 7 de outubro de 2001 em retaliação aos ataques terroristas às Torres Gêmeas e Pentágono, ocorridos em 11 de setembro daquele mesmo ano. O então presidente George W. Bush rejeitou a oferta do Talibã de entregar Osama Bin Laden para julgamento em um país muçulmano se os Estados Unidos apresentassem evidências de que a Al-Qaeda fora responsável pelos ataques. Em vez disso, Bush declarou que “não negociaria com terroristas” e deu início à invasão. O governo estadunidense usou os ataques como pretexto para lançar um ataque generalizado contra o Iraque e outros governos do Oriente Médio. A invasão do Afeganistão foi concebida como simples empreendimento de fortalecimento financeiro pelo governo neoconservador para travar nova rodada de agressões sob a bandeira da “guerra ao terror”. Esta onda de agressões imperialistas derrubou os governos do Iraque [Saddam Hussein] e da Líbia [Muammar Kadhafi] e desejou derrubar também o governo sírio e iraniano. Essas investidas do Estados Unidos têm sido um desastre para o povo dos países do Oriente Médio e sul da Ásia.
O ritmo do avanço talibã é assustador. Em apenas nove dias, o grupo tomou todas as principais cidades do país e marchou até Cabul sem atirar uma única vez. Isso só foi possível porque, na maioria dos casos, as forças militares do governo afegão apresentaram praticamente nenhuma resistência. Nos locais onde houve confrontos, eles foram realizados por forças especiais de elite ou milícias locais. Quando o momento da verdade chegou e ficou claro que os militares dos EUA realmente estavam deixando o país, o exército nacional afegão não lutou.
Após a invasão de 2001, os Estados Unidos gastaram bilhões de dólares na criação e suporte das forças militares do governo afegão. Mas esses militares serviram a um governo que não tinha legitimidade política. Sua legitimidade vinha da ocupação liderada pelos EUA. A corrupção era enorme e o governo falhou na tentativa de desenvolver uma base de apoio entre o povo do país. Estava claro que o governo não seria capaz de resistir por muito tempo ao Talibã, então, em vez de lutar e morrer para prolongar o inevitável, as forças de segurança preferiram se afastar.
O governo de Joe Biden escolheu não alimentar uma escalada militar, como por exemplo uma dramática guerra aérea, que poderia conter o avanço do grupo.
A visão predominante parece ter sido a de que a guerra era invencível e seria melhor abandonar o governo que eles instalaram, acabar com a retirada por agora e se concentrar em questões maiores para o império americano. Mas certamente o governo Biden esperava realizar uma retirada organizada em seus próprios termos. Os Estados Unidos agora estão sofrendo a humilhação de ter que entregar diretamente o controle do país ao Talibã, um grande golpe para a sua imagem internacional de potência militar. Isso poderia ter implicações duradouras para o avanço da política militar e externa de Biden.
Antecedentes da invasão de 2011
O papel dos Estados Unidos no Afeganistão sempre foi traiçoeiro. O próprio Talibã é produto da insurgência contrarrevolucionária organizada e financiada pela CIA nas décadas de 70 e 80 com o intuito de acabar com o governo socialista então à frente do país. Este governo – a República Democrática do Afeganistão – estava comprometido com o empoderamento de trabalhadores e agricultores, equidade de direitos entre homens e mulheres em todas as áreas da sociedade, o fornecimento de serviços sociais gratuitos, como educação e saúde, e outros objetivos progressistas. O governo dos EUA apoiou grupos armados da extrema direita religiosa para travar uma insurgência mortal contra o governo socialista e seus aliados soviéticos.
Uma das facções nessa luta – o Talibã – tomou o poder na sequência à queda do governo socialista afegão e se estabeleceram como governantes do país, impondo um sistema político opressor baseado em princípios teocráticos reacionários. Qualquer alegação de autoridades americanas de se preocupar com o destino dos direitos das mulheres, da democracia ou da liberdade religiosa no Afeganistão é o pior tipo de hipocrisia.
Os políticos e generais americanos responsáveis por organizar esta guerra sem sentido devem ser levados à justiça. Em última instância, eles são os responsáveis pela enorme perda de vidas que destruiu a sociedade afegã. A justificativa para a guerra era absurda - não havia afegãos a bordo dos aviões que atingiram as Torres Gêmeas e o Talibã estava disposto a negociar a entrega de Osama Bin Laden. O establishment militar e político dos EUA poderia ter acabado com o derramamento de sangue a qualquer momento e o resultado teria sido o mesmo. Em vez disso, alegaram ano após ano que era essencial que a ocupação fosse prolongada. Eles devem ser responsabilizados pelo crime de iniciar uma guerra de agressão."
Edição: Thales Schmidt