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Terça em Brasília: os tanques, as urnas e a revogação da LSN

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Presidente Jair Bolsonaro e os comandantes das Forças Armadas saúdam comboio com veículos blindados e armamentos que passa pela Esplanada dos Ministérios na terça-feira (10) - Marcelo Camargo/Agência Brasil
A possibilidade de uma ruptura com a democracia no Brasil existe

Que ninguém duvide que mesmo sem governar, Bolsonaro continua a pautar o país. O que implica, no atual momento, acentuar o medo coletivo e o grau de incertezas que vivemos sobre o futuro próximo, com ameaças formais ou simbólicas, e mobilizar sociedade e instituições com uma agenda improdutiva.

Em uma terça-feira que depôs à CPI da Covid o tenente-coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, presidente da ONG Instituto Força Brasil, apontado como elo entre representantes da empresa Davati Medical Supply - que negociava a venda de 400 milhões de doses de vacinas da Astrazeneca - e o Ministério da Saúde, a grande expectativa da nação eram tanques de guerra passeando na Esplanada dos Ministérios.

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Pretender que a sociedade considere comum um comboio militar para entregar um simples convite ao presidente da República é, no mínimo, considerar a todos idiotas ou ingênuos.

Em queda nos índices de aprovação e nas pesquisas para o próximo pleito eleitoral, Bolsonaro trabalha com dois cenários. No primeiro, a economia se recupera, o governo consegue emplacar seu programa de distribuição de renda, entregue ao Congresso, que nada mais é do que o Bolsa Família, outrora criticado, com o nome de “Auxílio Brasil” e se reelege. Para isso, ele precisa, basicamente, manter o apoio do Centrão, sua base radical mobilizada, e neutralizar os candidatos que possam drenar votos à direita. No segundo cenário, a economia não se recupera, o desemprego se mantém em taxas elevadas, a crise social se agrava. É nesse caso que, se entender que suas chances eleitorais são rarefeitas, Bolsonaro tentará não deixar o poder.

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Seu inimigo imaginário da vez chamado urnas eletrônicas saiu vitorioso na Câmara dos Deputados apenas algumas horas mais tarde após o passeio dos blindados, com a derrota da PEC 135/2019, que teve 229 votos dos 308 necessários, o que garante, paradoxalmente, a permanência do discurso que alimenta a desconfiança no sistema eleitoral.

Para fechar a agenda de uma terça intensa, com menos estardalhaço e muito impacto real, o Senado finalizou a votação do Projeto de Lei 2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) e cria tipos penais específicos para garantia do Estado Democrático de Direito. Os senadores rejeitaram as tentativas de retirar do texto a tipificação ao atentado a direito de manifestação, com previsão de aumento de pena para militares. Uma agenda legislativa importante de configuração democrática foi concluída com relativo sucesso, protegendo liberdades e garantias individuais e delineando caminhos para a defesa das instituições, contra golpes e arbítrios. A lei não é a ideal, mas a melhor que poderíamos ter, sobremaneira neste momento histórico.

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A possibilidade de uma ruptura com a democracia no Brasil existe. Afirmar peremptoriamente o contrário chega a ser desidioso. Não significa que irá se concretizar, porque a consumação depende de diversos fatores que, por enquanto, não estão dados.

A dinâmica cotidiana do bolsonarismo é alimentar o ódio, sob pena de diluição de sua base, como é próprio de sistemas totalitários. Por isso, para Bolsonaro, a produção de uma realidade conformada pela ideologia é tão importante, não importando o quanto seja fantasiosa. É a narrativa que sustenta a aderência acrítica de seus apoiadores.

Para quem está do lado da democracia, desmontar essa dinâmica passou a ser um grande desafio, antes que ela própria seja destruída. Por isso os acontecimentos no Congresso Nacional nesta terça (10) importam muito. A CPI, que tem sido a impulsionadora da queda de popularidade de Bolsonaro, que já impôs a ele as derrotas do uso da Cloroquina e do discurso antivacina, segue seu trabalho investigativo, mesmo que esteja em momento de menos visibilidade. As duas derrotas do governo na Câmara e no Senado, do voto impresso e revogação da Lei de Segurança Nacional, são um ótimo sintoma de enfraquecimento do poder de agenda em temas muito relevantes.

Por outro lado, sabemos que o mesmo Congresso segue aprovando toda a agenda liberal, não do governo, mas do mercado. É o momento em que mergulha no mais sorrateiro pragmatismo e transforma qualquer possibilidade virtuosa de debate e elaboração de políticas públicas sociais consequentes em um despudorado balcão de negócios. A Medida Provisória 1045, que reduz jornadas e salários em meio à pandemia para proteger empresas, foi emendada também nessa terça-feira na Câmara dos Deputados, cortando proteções trabalhistas e reduzindo a renda dos trabalhadores, dentre outras maldades.

Aliás, grosso modo, quanto mais o governo parece fraco, mais rapidamente o Congresso aprova as reformas liberais, como a apressar e torná-las fatos consumados para possibilidades futuras incertas.

À luz da experiência histórica, as ocorrências, que apenas aparentemente são contraditórias, como sinais trocados de decisões antagônicas, vitória da democracia e derrota da classe trabalhadora, são igualmente combustível para a luta que acontece na sociedade, fora do parlamento, nas ruas e espaços sociais onde se dá a disputa concreta pelas mentes e corações para a retomada e construção de um projeto de país inclusivo.

 

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo