Auxílio Brasil

Mesmo com reajuste prometido, “novo Bolsa Família” será insuficiente; entenda

Promessa de aumento do valor médio do benefício é positiva, mas a abrangência deveria ser maior, alertam especialistas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Cerca de 125,6 milhões de brasileiros sofreram com insegurança alimentar em 2020 - Créditos da foto: Midia NINJA

A reformulação do programa Bolsa Família é considerada a bala de prata de Jair Bolsonaro (sem partido) para retomar sua popularidade a pouco mais de um ano da eleição presidencial.

O governo promete aumentar o valor médio do benefício, de R$ 190 para até R$ 400, e a abrangência, de 14,7 milhões para 17 milhões de famílias.

O Brasil de Fato ouviu especialistas para avaliar o impacto dessas mudanças, que ainda dependem da aprovação do Congresso Nacional.

O reajuste no valor das parcelas é considerado positivo, uma vez que o auxílio emergencial – atualmente, no valor médio de R$ 200 – é insuficiente para cobrir as despesas básicas dos trabalhadores com alimentação e moradia.

O problema central das mudanças prometidas pelo atual governo, segundo os entrevistados, é a abrangência.

“A realidade do país é de muito mais gente precisando. Cerca de 2,3 milhões de famílias já estão na fila do Bolsa Família, tal como ele é. Sem o auxílio emergencial, o número de beneficiários deveria ser ampliado em pelo menos 7 milhões para ter um impacto significativo”, avalia Leandro Teodoro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB) e mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC).

“Ninguém que está preocupado com a proteção social será contra um aumento no número de beneficiários e no valor do Bolsa Família. Porém, os números citados pelo presidente e por seus ministros refletem uma quantidade muito pequena de pessoas”, completa.

Movimentos populares pressionam para que o reajuste seja superior à inflação do período. Em julho de 2014, por exemplo, o valor médio do benefício era R$ 169. Com a mera atualização pelo INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor], o valor já saltaria para R$ 250.

Falta clareza sobre os valores

Hoje, quem tem direito ao Bolsa Família são famílias com renda mensal de até R$ 89 por pessoa (extrema pobreza) e entre R$ 89,01 e R$ 178 por pessoa (pobreza).

O plano é aumentar a faixa de extrema pobreza para R$ 100 e a de pobreza para cerca de R$ 200. É justamente essa mudança que levaria à inclusão dos novos beneficiários.

Não está claro, até o momento, quem teria direito a benefícios acima dos R$ 400 mensais, elevando a média do programa. A equipe econômica estuda, inclusive, destinar os maiores valores apenas a trabalhadores com carteira assinada, como um complemento de renda. A ideia seria estimular a busca por trabalho – em um país com 14,8 milhões de desempregados.

Histórico

Interlocutores de Bolsonaro afirmam que o nome do programa deverá ser alterado, como parte de uma estratégia de desvinculá-lo das gestões do Partido dos Trabalhadores (PT). Marca registrada do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Bolsa Família reduziu a extrema pobreza em cerca de 25% no país desde 2003.

Sob Bolsonaro, o programa deve ser rebatizado como Auxílio Brasil.

Há pelo menos cinco anos, o ritmo de enfrentamento da fome e da pobreza no país diminuiu. Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018, a insegurança alimentar teve aumento de 33,3% em relação a 2003 e de 62,2% em relação a 2013. Ou seja, a situação já era pior do que ao início do governo Lula.

A pandemia agravou esse cenário. Conforme dados do Grupo de Pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, da Freie Universität Berlin, na Alemanha, 125,6 milhões de brasileiros sofreram com insegurança alimentar em 2020.

Da promessa à realidade

Decisões judiciais que aumentam os gastos obrigatórios do governo com estados e municípios para 2022 vem adiando a reformulação do Bolsa Família.

Por enquanto, o aumento de 2,3 milhões no número de beneficiários e o reajuste no valor médio para até R$ 400 mensais são apenas promessas.

Para garantir essas mudanças, o governo federal precisa abrir espaço no orçamento.

A principal aposta do governo é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita que as despesas com sentenças da Justiça sejam parceladas em dez anos, driblando o “teto de gastos”.

Matias Cardomingo, mestre em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), diz que a disposição do governo para encontrar formas de ampliar o Bolsa Família é resultado de pressões da sociedade.

“Temos que lutar para que aquilo [o reajuste para R$ 400] seja implementado. Porque, quando chega no Congresso e o lobby das forças que sustentam esse governo começam a atuar, a gente já viu acontecer o desmonte e a desidratação das propostas”, alerta.

“O governo foi constrangido pelas circunstâncias e pela sociedade a apresentar uma ampliação do programa. Temos que aproveitar o momento porque, de fato, um aumento no valor e na abrangência, mesmo que insuficiente, é um avanço”, acrescenta o Cardomingo, que integra o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da USP.

Na última terça (3), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), contradisse Bolsonaro e afirmou que o valor médio de R$ 400 é inviável.

O presidente da RBRB defende que haja transparência e participação popular nas decisões sobre a aplicação do orçamento que será disponibilizado para 2022. Além de uma renda básica, a população necessita de serviços públicos de qualidade e acesso a direitos básicos, previstos na Constituição, que vêm sendo negados.

“O governo precisa apontar como vai utilizar as ferramentas que já existem dentro das regras fiscais que eles mesmos são defensores, como o ‘Teto de gastos’. Serão ao menos R$ 40 bilhões a mais para gastar de forma livre, e precisa ser aberta uma discussão sobre como isso deve ser usado em políticas sociais”, analisa Ferreira.

“O que o Brasil precisa é democracia na discussão sobre quais são as políticas sociais que devem ser adotadas. Seja um novo Bolsa Família ou qualquer coisa que se faça na saúde e na educação, se isso não for pactuado com quem entende do assunto ou é beneficiário dessas políticas, o país não vai avançar, mesmo que isso esteja na ordem do dia do discurso do governo”, conclui.

Edição: Vivian Virissimo