Abertura e relaxamento de medidas vão na contramão do que deveria ser feito.
Embora venha registrando queda no ritmo de crescimento dos óbitos por covid-19 há quase dois meses, o Brasil encerra o mês de julho com mais mortes do que o que foi observado nos meses mais críticos do ano passado. Ainda assim, o relaxamento das medidas de prevenção é o foco atual das decisões governamentais.
Na semana que se encerra neste sábado (31), dois anúncios preocupantes foram feitos. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), informou que a partir de 17 de agosto vai suspender todas as medidas de restrição ao horário de funcionamento das atividades econômicas.
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Já na cidade do Rio de Janeiro, o prefeito Eduardo Paes (PSD) disse que vai derrubar a obrigação do uso de máscara a partir de novembro. Além disso, a partir de setembro e em etapas, haverá liberação de público vacinado em estádios, casas de shows e boates.
As informações foram divulgadas no mesmo período em que o mundo todo reforça os alertas sobre uma nova onda de crescimento de casos, impulsionada justamente por determinações de abrandamento da quarentena e pela variante Delta, comprovadamente mais infecciosa.
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No Japão, a capital Tóquio informou que teve recorde de casos por dois dias seguidos, na terça e na quarta-feira. A cidade é sede dos Jogos Olímpicos, que deveriam ter ocorrido no ano passado, mas foram adiadas por causa da pandemia.
Dos Estados Unidos vem outro alerta, a autoridade sanitária passou a recomendar novamente o uso de máscara em ambientes fechados mesmo para quem tem as duas doses da vacina. A justificativa é a presença cada vez maior da nova cepa no país.
Na quarta-feira (28), a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) Carissa Etienne afirmou, "A covid-19 continua a ter um papel devastador" no continente. Na semana passada, houve o registro 1,26 milhão de casos e mais de 28 mil mortes.
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Segundo a plataforma Our World in Data, o Brasil tem hoje menos de 20% da população totalmente imunizada. O índice é superior ao registro global. Ainda de acordo com a iniciativa, menos de 15% da humanidade teve acesso à vacina até agora.
São índices que não permitem o fim das medidas de isolamento com segurança, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Há meses a entidade esclarece que só será possível controle da pandemia com mais de 70% de vacinação, no mínimo.
Além disso, mesmo que esteja um pouco menos lento que o mundo na imunização, o Brasil segue atrás de nações que já estão mais avançadas e que agora estudam voltar atrás no liberou geral.
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A médica emergencista Tainá Vaz, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, considera os anúncios de Dória e Paes "precoces". Em conversa no podcast A covid-19 na Semana, ela pontua que a pandemia não acabou e que a variante Delta é perigosa.
"A imunização completa ocorre a partir das duas doses da vacina, com o período estipulado pelos laboratórios. Nós temos um ínfimo número de pessoas vacinadas e a maior parte das pessoas que estão circulando, não têm a vacinação completa", explica Tainá.
Ainda de acordo com a médica "definitivamente" há outras coisas que o poder público deveria ter outros objetivos neste momento. "Deveríamos estar acelerando a vacinação para tentar desacelerar a expansão da variante Delta", afirma.
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Outras ações, já conhecidas, também estão na lista do que deveria ser prioridade: distanciamento social, restrição de circulação de pessoas e uso de máscara. Para ela a abertura e o relaxamento de medidas vão "na contramão do que deveria ser feito".
Negacionismo mortal
A semana também trouxe mais um elemento de preocupação em relação à vacinação. O governo dos Estados Unidos afirmou que o país vem observando uma "pandemia entre os não vacinados", com números crescentes.
Por parte da OMS, os alertas sobre os riscos altíssimos que a vacinação insuficiente traz ocorrem desde o início do ano. Na conta desse problema estão o negacionismo e a recusa em se vacinar em parte da população, mas também a desigualdade na garantia de imunizantes, que impacta principalmente nações com menor poder econômico.
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Ao mesmo tempo, as manifestações de desconfiança sobre o imunizante continuam a fazer parte do discurso de influenciadores importantes. Nas Olimpíadas, por exemplo, o nadador estadunidense Michael Andrew declarou que não se vacinou por temer os efeitos do imunizante no organismo.
Aqui no Brasil, o ator global Juliano Cazarré causou polêmica ao dizer que não iria se vacinar, porque já pegou a covid-19, e portanto está imunizado, afirmação absolutamente rejeitada pela ciência e comprovadamente falsa.
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Os casos movimentaram as redes sociais e as reações se dividiram entre apoio a repúdio. Para Tainá Vaz, o negacionismo e as teorias da conspiração são extremamente perigosas, "É muito triste que personalidades públicas continuem propagando inverdades e mentiras", afirma a médica.
"Acaba que pessoas leigas se sentem tocadas por aquela informação e isso inibe a vacinação. Os efeitos colaterais da vacina são esperados e os mais graves são minoria. As vacinas são seguras. Essa é a única forma que a gente tem para deter a doença", finaliza ela.
Edição: Vinicius Segalla