Configuração

Bolsonaro, o centrão e o impeachment: como fica o jogo com Ciro Nogueira na Casa Civil

‘Na hora em que o presidente tiver um conflito com o senador, o impeachment está na porta dele', diz cientista político

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Bolsonaro (à esquerda) e senador Ciro Nogueira (PP-PI) se conhecem desde a década de 1990, quando ambos iniciaram a vida política, na Câmara dos Deputados - Marcos Corrêa/PR

A minirreforma ministerial que resultou na ida do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para o comando da Casa Civil, na quarta-feira (28), fortalece a presença do centrão no governo Bolsonaro. Majoritário no Congresso Nacional, o grupo, que reúne partidos da direita liberal, agora tem três ministérios na combalida gestão do presidente.  

A tropa do centrão no primeiro escalão da aministração conta ainda com os ministros Fábio Faria (PSD-RN) e Flávia Arruda (PL-DF), respectivamente das Comunicações e da Secretaria de Governo.

Na avaliação do professor Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, a alteração modifica a aliança de forças na gestão. 

Ele destaca que o PP, partido presidido nacionalmente hoje por Ciro Nogueira, já controla a Câmara dos Deputados, que hoje tem Arthur Lira (PP-AL) no comando. Enquanto isso, o PL segue controlando a Secretaria de Governo.

Juntamente com a Casa Civil, a pasta auxilia o chefe do Executivo na articulação política da gestão, fazendo interlocução com parlamentares, estados e municípios. Com isso, as duas siglas lideram agora os dois lados do jogo político, no fluxo Executivo-Legislativo.

"Entregou os anéis pra manter os dedos”, diz Coimbra, em referência à jogada do presidente, destinada à governabilidade.

“Bolsonaro entregou o gerenciamento do governo a eles, e esse gerenciamento, junto com a presidência da Câmara, é que acaba governando o país. Isso deixa o presidente numa situação confortável quanto [ao risco de] sofrer um impeachment, mas ele perdeu o poder".

Autonomia

Tanto o PP quanto o PL integram o bloco do chamado “centrão”. Olhando para o perfil do grupo, Leonardo Avritzer, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que o segmento domina o Legislativo federal mais ou menos desde as últimas duas décadas.

O campo, cujo número de membros e partidos é relativamente variável, tem perfil heterogêneo.

O bloco se fortaleceu nos últimos tempos, como resultado da fragmentação política que hoje marca o mapa de forças no Congresso – em 2018, por exemplo, foram eleitos no país senadores de 21 legendas e deputados de 30, o que faz com que um presidente da República precise ampliar esforços para compor uma maioria.

“De fato, eles dominam o Congresso, mas o centrão não é um grupo político fiel. Esse é o problema do Jair Bolsonaro”, sublinha Avritzer. 

De acordo com apuração de bastidor do jornal Folha de S. Paulo, as tratativas que levaram Nogueira à Casa Civil envolveram uma negociação entre o senador e o presidente da República para que o novo ministro tenha autonomia para atuar nas costuras políticas com o Congresso.

A arena principal da negociação seria o Senado, onde o palco da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid ajuda a deteriorar o governo.

Ainda segundo o veículo, o chefe do Executivo teria concordado em dar liberdade de atuação para o pepista, que agora irá atuar diretamente, por exemplo, nas negociações que envolvem liberação de emendas e cargos no Executivo em troca de apoios para a gestão. 

“Ele [Bolsonaro] se coloca diante de um duplo problema: perde o controle de distribuição de recursos do governo – porque isso vai ficar com a Casa Civil e o centrão – e, segundo, ele agora tem que adaptar a gestão dele ao centrão”, analisa o professor da UFMG.


Liderança do centrão e atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) tem prerrogativa de dar ou não andamento a um pedido de impeachment / Marcelo Camargo/Agência Brasil

Impeachment

Com a tropa do presidente mais calibrada, o novo desenho político também contribui para reduzir as chances legislativas de um impeachment, uma vez que o aval a um processo dessa natureza depende de Lira. 

“Agora, no momento em que o Bolsonaro tiver um conflito com o Ciro Nogueira, o impeachment está na porta dele porque o Nogueira tem uma relação estreitíssima com o Lira e a presidência da Câmara”, realça Avritzer.

Para Marcio Coimbra, as chances de um impedimento, anteriormente já previstas como remotas por falta de maioria na Câmara, estariam agora sepultadas com a chegada do líder do centrão à Casa Civil.

O professor analisa que um impeachment neste momento poderia, do ponto de vista da matemática política, não ser estratégico nem mesmo para a oposição.

O segmento, em aliança com movimentos populares, investe atualmente em constantes protestos de rua pelo país para desgastar Bolsonaro e Arthur Lira, a quem cabe o aval para fazer um pedido de impeachment tramitar.


Protesto popular contra Jair Bolsonaro na porta do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), em 2021 / Midia Ninja

Coimbra conbsidera que ao PT – maior partido de oposição – interessa mais enfrentar o atual presidente enfraquecido no próximo ano, tendo Lula como candidato e o Bolsonaro como antagonista, "do que efetivamente tirar o Bolsonaro do jogo e embaralhar o cenário eleitoral".

"A vitoria do Lula é muito mais clara quando o atual presidente está no jogo”, ressalta, ao mencionar as recentes pesquisas de opinião.

Assim como considera esse cenário mais vantajoso para o PT, Coimbra aponta que esse interesse também é alimentado pelos partidos do centrão. Segundo ele, tanto para os partidos que compõem o bloco quanto para a oposição "vale mais um Bolsonaro fraco do que um Mourão forte".

“Um presidente enfraquecido no cargo é mais suscetível aos interesses desses dois grupos do que um vice-presidente que entre como uma força nova – sem vícios, sem riscos, sem uma agenda negativa”, explica Coimbra.

A figura política do presidente enfrenta uma desidratação movida pela má condução da pandemia, tema em relação ao qual o Brasil ganhou destaque mundial em 2020 por conta do descontrole da crise sanitária.

O novo coronavírus acumula hoje mais de 551 mil mortos no país, onde o presidente também duela com os estragos causados à sua imagem pela CPI da Covid, que apura ações e omissões da gestão.

Paralelamente, Bolsonaro amarga ainda outros problemas, como os escândalos de corrupção. A bola da vez é o Caso Covaxin, que investiga suspeita de irregularidades apontadas pelo Ministério Público Federal (MPF) na aquisição da vacina de mesmo nome.

A soma desse caldo com a eventual permanência do presidente no cargo tende a torná-lo uma presa mais fácil para os opositores em 2022, tendo em vista a queda na popularidade do líder de extrema direita.

Eleições de 2022

Coimbra pontua que a maior aproximação entre o chefe do Executivo e o grupo do centrão não necessariamente fortalece Bolsonaro rumo à corrida do próximo ano. O tema hoje ferve o noticiário, dada a sua proximidade.

 “O fortalecimento do Bolsonaro hoje é pra ele não cair. Isso não significa que o centrão vai embarcar na candidatura dele em 2022, até porque, pra eles, não interessa tanto quem vença as eleições. O centrão vai ser base do próximo governo de todo jeito”, projeta o professor, ao mencionar o conhecido comportamento fisiológico do grupo.

Nogueira, por exemplo, ajudou a compor a base de todos os presidentes que passaram pelo país desde 1995, quando o hoje senador pepista atuava como deputado federal pelo extinto PFL. Ele apoiou as gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Lula (2003-2010), Dilma (2011-2016) e Michel Temer (2016-2018).

“O que a gente vê claramente é que esses partidos estão muito mais interessados em fazer [no pleito] um número de deputados do que em apoiar algum nome na eleição majoritária porque, fazendo [um leque de] deputados, eles conseguem se tornar importantes pra qualquer governo que chega ao Palácio do Planalto", analisa Coimbra.

Para o analista Leonardo Barreto, PhD em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o caminho que levará Bolsonaro a 2022 ainda precisará ser pavimentado e depende de uma série de variáveis do xadrez político.

Ele destaca que a mudança atual se trata de um “movimento de primeira grandeza” e que a minirreforma ministerial coloca o Brasil dentro da lógica de um “presidencialismo de coalizão clássico”, em que os partidos assumem oficialmente certos espaços.

Se, de um lado, a composição ajuda a dar maior estabilidade à gestão, de outro, ainda deixa interrogações sobre o que pode estar por vir.

 “Isso cria uma configuração de futuro. O PP vai, por exemplo, oficializar-se como um partido de direito do governo? Porque partido de fato ele já é, mas resta saber se vai ser de direito.  Isso ocorreria, por exemplo, com a filiação do Bolsonaro ao partido, o que ainda não está definido”, exemplifica.

Edição: Leandro Melito