Tunísia

Presidente da Tunísia demite o primeiro-ministro do país e suspende parlamento

Crise ocorre em meio a protestos contra má administração da pandemia e aprofundamento da crise econômica

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Forças militares tunisianas em guarda ao redor do parlamento da capital Túnis diante dos protestos contra ações do presidente - FETHI BELAID / AFP

O presidente da Tunísia, Kais Saied, demitiu o primeiro-ministro do país, Hichem Mechini, em meio a protestos contra as falhas do governo para controlar a pandemia de COVID-19. O presidente também suspendeu o parlamento e revogou a imunidade de alguns de seus membros, acrescentando que irá tomar a presidência do poder executivo com o apoio de um novo primeiro-ministro. 

Grandes manifestações foram realizadas no fim de semana por toda a Tunísia, inclusive na capital, Túnis, com milhares de tunisianos expressando suas frustrações e fúria com o modo como o governo tem respondido à pandemia. Eles também protestaram contra o o partido atualmente no poder, o Ennahda, por não serem capazes de estabilizar e melhorar a economia do país, mesmo após uma década desde a revolução da população contra o então ditador Zine El Abidine Ben Ali.  

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Com exceção da cidade de Túnis, manifestações com ataques aos escritórios do partido Ennahda ocorreram em Monastir, Sfax, El Kef, Sousse e Touzeur, tendo sido queimado o escritório localizado nesta última. Na capital do país, policiais atacaram os manifestantes com spray de pimenta e estes, por sua vez, responderam atirando pedras enquanto gritavam slogans e demandavam a saída do governo, a dissolução do parlamento e a antecipação das eleições. A polícia protegeu o prédio do parlamento para evitar que protestantes entrassem. Há relatos de vários bloqueios na capital.  

Em comunicado no domingo, o presidente disse que “muitas pessoas foram enganadas pela hipocrisia, traição e roubo de seus direitos” e avisou “a todos aqueles que pensam em recorrer às armas... e a qualquer um que atirar: as forças armadas responderão com balas,” direcionando sua fala aos que planejam se opor às suas decisões por meio de protestos ou violência.  

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A nova constituição da Tunísia, adotada em 2014, divide o poder no país entre o presidente, o primeiro-ministro e o parlamento. O presidente tem usado os novos dispositivos constitucionais, especialmente o Artigo 80, para justificar suas decisões. O Artigo 80 permite ao presidente tomar o poder no país em caso de emergência nacional. Muitos argumentam que as decisões presidenciais contra o primeiro-ministro e o parlamento são inconstitucionais, já que, sob o mesmo Artigo 80, o parlamento deve continuar funcionando, e são os tribunais constitucionais, ainda não estabelecidos, que devem decidir o curso da ação após esta ser efetivada. Em resposta às acusações, Saied disse que “a constituição não permite a dissolução do parlamento, mas permite que suas atividades sejam suspensas.” 

O Partido dos Trabalhadores da Tunísia divulgou nota na última segunda-feira (26) condenando as ações do presidente e chamando-as de violação à Constituição. Eles afirmaram que, embora confirmem que o governo tenha de fato conduzido o país a uma profunda crise econômica, as decisões de Saied não são a solução dos problemas enfrentados pela população, uma vez que ameaçam a jovem democracia tunisiana, além de “pavimentarem a estrada em direção ao reestabelecimento de um sistema de absoluta autocracia.” Eles dizem que a saída para a crise está “no trabalho do povo tunisiano para estabelecer uma democracia popular baseada em um Estado civil, com o poder nas mãos dos cidadãos e com soberania sobre suas competências e recursos. Uma Tunísia com decisões políticas independentes, justiça social e igualdade entre homens e mulheres.”  

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O representante do parlamento e líder do partido Ennahda (que possui maioria das cadeiras do parlamento), Rached Ghannouchi, chamou as atitudes do presidente de “golpe contra a revolução e a constituição, tomando para si poderes não garantidos constitucionalmente, incluindo a suspensão do parlamento e da imunidade dos primeiros-ministros”. Ele complementou afirmando que “nós consideramos que as instituições ainda estão do lado do Ennahda e lhe dão apoio. O povo tunisiano defenderá a revolução” e condenou os protestos contra seu partido, particularmente os ataques violentos aos escritórios do Ennahda em várias cidades. Ghannouchi disse que “parece que o que acontece hoje, inclusive o ataque aos escritórios do partido, foram planejados para causar agitação que justificasse as decisões tomadas pelo presidente”. 

Dias antes, o primeiro-ministro destituiu o ministro da Saúde devido ao aumento nos casos de COVID-19 no país e a ínfima resposta dada pelo ministério para conter a pandemia. A Tunísia registra mais de meio milhão de infecções por COVID-19 que resultaram em 18,3 mil mortes. A taxa de vacinação no país está em 8%, com quase um milhão de tunisianos totalmente imunizados de um total de 12 milhões de habitantes. Segundo o ministério da saúde da Tunísia, no sábado registrou-se o maior número de mortes em um único dia desde o começo da pandemia: foram 317 óbitos e 5.624 novos casos.