A reunião da deputada alemã Beatrix von Storch com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e a deputada Bia Kicis (PSL-DF) expôs o Brasil como centro articulador da extrema direita global, afirmam pesquisadores ouvidos pelo Brasil de Fato.
Não informada por qualquer registro oficial da agenda presidencial, Bolsonaro recebeu von Storch em encontro que foi tornado público após a deputada do Alternativa para a Alemanha (AfD), partido de extrema direita alemão, divulgar o encontro em suas redes sociais nesta segunda (26).
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A congressista afirmou que ficou “impressionada” com Bolsonaro e discutiu com ele a situação dos dois países. Na publicação do encontro com o presidente brasileiro, von Storch criticou o movimento antirracista Black Lives Matter e LGBTIQ e disse que o Brasil pode ser um “parceiro estratégico” para a Alemanha, ao lado da Rússia e dos Estados Unidos.
Quem é Beatrix von Storch?
Neta de Lutz Graf von Krosigk, ministro de Finanças do governo de Adolf Hitler, e de Nikolaus von Oldenburg, membro do Partido Nazista e da SA (força paramilitar de Hitler), von Storch é graduada em direito e trabalhou na área antes de entrar na política partidária. Ela também fez parte da Sociedade Friedrich A. von Hayek da Alemanha, grupo que defende as ideias do economista que foi um dos precursores do neoliberalismo.
Em 2014, foi eleita para o Parlamento Europeu como representante do AfD e, em 2017, foi eleita para o Bundestag, o Congresso alemão, novamente pelo AfD.
Von Storch afirma em seu site oficial que busca inspiração nos movimentos de apoio a Ronald Reagan, presidente do Estados Unidos entre 1981 e 1989, e no Tea Party, a ala radical mais recente do Partido Republicano, também dos Estados Unidos. Ela diz estar “preocupada” com a Alemanha e a Europa por conta da “migração em massa” e o “Islã político”. A deputada também afirma ser uma defensora de “famílias fortes e fronteiras seguras”.
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Em 2018, a parlamentar criticou em seu Twitter a decisão da Polícia do departamento de Colônia por publicar uma mensagem de ano novo em árabe, além de outras mensagens em inglês, francês e persa.
“O que diabos há de errado com este país? Por que a página oficial da polícia em NRW tuíta em árabe”, escreveu von Storch. “Eles pretendem apaziguar as hordas de homens bárbaros, muçulmanos e estupradores em massa dessa maneira?”
A conta da parlamentar foi suspensa por 12 horas após a publicação.
Em 2016, von Storch afirmou em seu Facebook que mulheres e crianças deveriam ser impedidas com armas de fogo de entrar na Alemanha, em caso de emergências. Diante da repercussão negativa, a parlamentar do AfD afirmou que o uso de força letal seria apenas para as mulheres.
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Quais são as bandeiras do Alternativa para a Alemanha e seu tamanho eleitoral?
Criado em 2013 como um partido crítico da União Europeia e do Euro (moeda única entre os membros), o Alternativa para a Alemanha foi gradualmente adotando críticas contra refugiados e imigrantes, especialmente muçulmanos, além de se opor ao casamento de pessoas do mesmo sexo e ter uma postura negacionista sobre as mudanças climáticas.
O AfD também defende uma postura negacionista sobre a pandemia de covid-19, com ataques contra medidas de isolamento social adotadas pela chanceler Angela Merkel, tendo proximidade com figuras que atacam a vacinação.
Em sua primeira eleição, no ano de sua fundação, o partido ficou abaixo da cláusula de barreira e não conseguiu nenhuma cadeira no Bundestag. Já em 2014, o AfD fez sete deputados no Parlamento Europeu. Em 2017, no entanto, a agremiação mudou de importância ao conseguir eleger 94 congressistas ao Bundestag e, assim, tornar-se o principal partido de oposição a Merkel.
Pesquisadores enxergam articulação global
A professora do curso de Relações Internacionais da ESPM-SP, Denilde Holzhacker, avalia que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e os partidos políticos alinhados com Bolsonaro, foram coniventes com o extremismo ao não repudiarem a agenda de von Storch no Brasil.
“Tanto Eduardo Bolsonaro quanto Bia Kicis têm se aproximado de líderes da extrema direita, não é o primeiro movimento que eles fazem.Eles já tinham feito com representantes dos EUA, em contato com grupos de lá, e também com grupos europeus. Parece que é a mesma estratégia, de fortalecer e fazer parte dessa rede de partidos e políticos”, avalia Holzhacker.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni diz que a agenda de Bolsonaro com a extremista é “escandalosa” e não pode ser enxergada com naturalidade.
“O Brasil é a ponta de lança da articulação da extrema direita internacional. Não é a Hungria, pelo peso que o país tem no mundo, já que é um país europeu da periferia, um país sem a importância geopolítica do Brasil", analisa o professor da UFABC.
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Maringoni considera que o encontro expôs o papel do presidente na geopolítica mundial. “Bolsonaro torna-se o principal articulador da extrema direita mundial. Não tem nenhum outro chefe de Estado, em nenhum outro país do mundo, em que a extrema direita tenha o peso que tem no Brasil”, opina o professor da UFABC.
O Brasil de Fato procurou o gabinete de Eduardo Bolsonaro por e-mail e encaminhou perguntas sobre o encontro com von Storch, mas não recebeu nenhuma resposta até a publicação desta reportagem. Já o gabinete de Bia Kicis afirmou que a congressista "não irá se manifestar". A Secretaria Especial de Comunicação Social (SECOM) do Governo Federal também foi procurada, por telefone, mas também não respondeu.
*Com informações da Deutsche Welle.
*Atualizado às 15:52 do dia 27 de julho para incluir a resposta de Bia Kicis.
Edição: Arturo Hartmann