Análise

“O barco do Bolsonaro está com muitos furos e com risco real de afundar”, diz Boulos sobre 24J

Para lideranças, ameaças, concessão de poder ao centrão e massificação de atos são sinais de enfraquecimento de governo

São Paulo |
Protestos pelo impeachment de Bolsonaro reuniram milhares em diversas capitais brasileiras e cidades do interior no #24J
Protestos pelo impeachment de Bolsonaro reuniram milhares em diversas capitais brasileiras e cidades do interior no #24J - Carl de Souza / AFP

Mais de 600 mil manifestantes foram às ruas em mais de 400 cidades do Brasil no sábado (24) pedindo a saída do governo Bolsonaro.

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Com o mote “Por vacina, emprego e auxílio: Fora Bolsonaro", os atos aconteceram em um contexto de piora das condições de vida dos brasileiros, que sofrem com o avanço da pandemia, que já deixou mais de 550 mil mortos, além de desemprego e alta dos alimentos.

Esse cenário, associado ao acúmulo de denúncias de corrupção e perda de apoio inclusive da base política de parte dos conservadores, coloca Bolsonaro em condição mais frágil e em sérios riscos, segundo avaliam lideranças políticas do país. 

Para Guilherme Boulos, coordenador da Frente Povo Sem Medo e pré-candidato a governador do estado de São Paulo, o crescimento dos atos pelo impeachment, assim como a reforma ministerial anunciada durante a  semana, que dará mais poder aos partidos do centrão, são sinais da perda de força do presidente, acuado devido à pressão popular.

“O barco do Bolsonaro está com muitos furos e com risco real de afundar. E ele decidiu se socorrer com o centrão para ministrar o barco, com a reforma ministerial que fez essa semana. E também para se livrar do impeachment”, avalia Boulos.

Durante a entrevista ao Brasil de FatoTVT comentando os atos no último dia 24, ele defendeu que as provocações de Bolsonaro sobre voto impresso como condição para as próximas eleições, são também sinal da falta de força política do presidente.

“O voto impresso é a narrativa que ele constrói para poder mobilizar fanáticos e milicianos. Nosso papel é construir uma muralha de resistência", afirmou.

"É dizer que vai ter eleição. E que mais do que isso, nós vamos trabalhar para que tenha eleição e para que o Bolsonaro não esteja nela. Para que tenha impeachment e que ele esteja respondendo pelos crimes que cometeu no Tribunal de Haia, durante o período eleitoral, pelo genocídio que cometeu.”

O ex-ministro e ex-candidato a presidente da República, Fernando Haddad, concorda com a avaliação, e ressalta que a tática de ameaças é própria do governo Bolsonaro e aumenta  no momento em que a reprovação a seu governo cresce inclusive entre as correntes políticas de centro e de direita.

“Nós temos que nos lembrar que o governo Bolsonaro é um governo de provocação permanentemente. Ele testa as instituições e a paciência dos democratas permanentemente. E agora ele está recebendo a resposta não só do movimento popular e da esquerda em geral, mas dos setores democráticos mais conservadores que não valorizam esse tipo de conduta em relação ao Brasil”, avalia.

Sobre a aproximação dos conservadores dos atos contra Bolsonaro, o ex-ministro defende que somente essa diversificação poderá massificar a pauta e tornar real a possibilidade de impeachment.

"Eu creio que as manifestações vão crescer e se diversificar. Acredito que temos que acolher todos aqueles que se opõem a esse governo, que tem que ser derrotado pela via do impeachment, que antecipa esse desfecho que tem causado tanto sofrimento para a população.”

Apesar do enfraquecimento e da perda de popularidade, Haddad avalia que, mais do que o presidente, o movimento bolsonarista deve ser entendido como uma força política que transcende a figura do mandatário.

“Acho que não devemos subestimar a força do bolsonarismo, porque o movimento não é dele enquanto pessoa. Ele é uma figura inclusive fraca. Mas a questão é que ele encarna um sentimento ruim, uma série de mazelas que nós imaginávamos superadas. Mas a gente vê que não. Porque tem uma parcela da sociedade de, cerca de 20, 25% da população que se vê representada por um discurso racista, misógino, xenófobo”, avalia.

Fome, perda de direitos e massificação dos atos

A massificação dos atos, que chegou a ser realizado em cerca de 405 cidades do país, está associada, também à piora das condições de vida, devido à alta do desemprego e dos alimentos e o corte do seguro desemprego. 

Dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Kelli Mafort, participou junto do movimento em Ribeirão Preto e lembrou do crescimento da fome da país.

“É revoltante o que está acontecendo. Estamos nessa situação de mais da metade do povo brasileiro em risco de passar fome, são 116 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar".

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Para ela, a situação revoltante de não ter o que comer, tem levado mais pessoas à rua. "Essa é uma situação extremamente grave mas que tem uma responsabilidade direta, por conta do sucateamento das políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar. Esse é o momento em que mais precisávamos de um programa de aquisição de alimentos, e o Bolsonaro desmantelou essa política.”

A ausência de políticas públicas específicas também é o que tem motivado a adesão da população indígena na luta contra o governo Bolsonaro.

Segundo Sônia Guajajara, dirigente da Articulação dos Povos Indígenas (Apib), a posição do presidente, desde o início de sua campanha, contra as pautas indígenas, em especial à demarcação de terras dos povos originários, já seriam motivos suficientes para que essas populações estivessem nas ruas em protesto. Mas ela lembra que, durante a pandemia, devido o descaso, o governo federal deixou de vacinar 43% dos povos indígenas, por estarem em áreas não demarcadas.

“Estamos no meio da pandemia ainda, mas para nós, o risco de morrer pelas invasões pelos ataques é igual ou maior do que morrer pelo vírus, então por isso nos colocamos de pé, nos somando a todas as manifestações", defendeu.
 

Edição: Leandro Melito