Júlia Larios tem 18 anos e o sonho de ser historiadora. No entanto, com a ausência de um planejamento para a educação somada a ausência de aulas e dificuldade de acesso à internet durante a pandemia, ela decidiu adiar o sonho. Esse ano, não se inscreveu no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ferramenta essencial para democratizar o acesso de jovens ao ensino superior.
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A estudante integra a estatística divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que anunciou que para a edição de 2021, 4.004.64 pessoas se inscreveram.
O número é o menor desde 2007 quando 3,57 milhões de participantes se inscreveram, além de ser também o menor desde que a prova adotou o formato atual, em 2009.
"Não me inscrevi, porque estudando sozinha não obtive nota suficiente para entrar em uma federal. Então, eu teria de fazer cursinho pago e como estou desempregada, isso está fora de mão", conta a jovem de 18 anos, em entrevista ao Brasil de Fato.
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Sem ter como pagar um cursinho privado, Júlia optou por concentrar os seus esforços em um curso técnico profissionalizante para que ela possa conseguir um estágio, e assim, ter condições de pagar o cursinho e entrar futuramente em uma universidade.
"Eu estou esperando a devolutiva da Escola Técnica Estadual de São Paulo (ETEC) para saber quando as aulas vão começar. Vamos ver se eu consigo algum emprego, dizem que dá para conseguir estágio. O meu sonho é poder me formar em História da Arte, virar historiadora e poder trabalhar com algo que eu realmente amo. É um desejo que eu quero para o meu futuro e é triste eu ter que remediar isso, mas é o jeito".
Entre os fatores que Júlia cita como agravantes para ela não se inscrever no Enem deste ano está o fato de o governo federal não ter adiado o Enem em 2020, mesmo com as condições desfavoráveis aos alunos de escola pública, além da precariedade do ensino aos alunos da rede pública e sucessivos desmontes educacionais.
"Não consigo estudar, porque preciso trabalhar"
Ao Brasil de Fato, o estudante Júnior Jacundino, de 17 anos, também revelou que o desejo de ingressar no ensino superior também foi adiado. Assim como Júlia Larios, ele não se inscreveu para o Enem 2020 e nem 2021.
"Um reflexo da pandemia foi a necessidade de trabalhar. Então, consegui um emprego no início do ano e também no início do ano, o estado anunciou que as aulas em EAD (Ensino à distância) seriam no tempo normal de aula, das 7h até 12h, mesmo sabendo que os alunos já não estavam conseguindo acompanhar as aulas no ano anterior, quando eram três aulas por dia no horário da noite. Como estou trabalhando desde o início do ano não consegui acompanhar nenhuma aula e como para o governo está tudo normal, as atividades estão aumentando e se acumulando cada vez mais e eu, basicamente, não consigo acompanhar".
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Júnior também mora na capital do estado de São Paulo e afirma que a mesma decisão de priorizar um emprego ao invés da educação foi tomada por diversas pessoas ao seu redor e que ele não sabe quando retomará o sonho de ingressar no ensino superior.
"No momento eu, assim como muitos conhecidos e amigos, não tenho expectativa nem para terminar o ensino médio, essa é a realidade: a gente não tem expectativa para terminar o ensino médio, não tem expectativa para ser aprovado, pelo menos quem não está no último ano como eu. Então, fica muito difícil imaginar de se inscrever no Enem, de fazer uma faculdade ou de pensar em qual faculdade fazer. No momento eu posso dizer que eu quero sim fazer o Enem, mas não tenho uma expectativa de quando nem como eu vou fazer isso".
Na análise de Júlia Aguiar, vice presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), tanto o Enem quanto o Sistema de Seleção Unificada (SISU) são ferramentas de democratização do acesso à universidade e que a redução no número de inscritos é um desastre para os estudantes mais pobres. "Isso significa que muitos jovens que sonhavam em entrar em uma universidade pública, em se formar, hoje estão abrindo mão desse sonhos."
Crise sem precedentes
Júlia Aguiar pontua que a crise econômica, política, social e sanitária no Brasil são agravadas pela condução do governo Bolsonaro na tomada de decisões, assim como do próprio Ministério da Educação (MEC). Ela lembra da questão do movimento Adia Enem em 2020, onde o governo federal não levou em conta as dificuldades dos estudantes diante dos desafios da pandemia, sobretudo, os alunos da rede pública.
"Não tinha condição de realizar um exame presencial no momento em que a pandemia ainda estava e ainda está até hoje matando muita gente no Brasil e, segundo, as condições eram desiguais entre os estudantes: aqueles que tinham condições de assistir aula no computador com ambiente razoável, com acesso à internet não são a maioria dos estudantes brasileiros e fazer o Enem dessa forma, naquele momento, seria dizer quem ia entrar na Universidade, ou seja, seriam aqueles que têm mais condições e o Enem na verdade é o contrário disso, ele permite a democratização da universidade para o jovem trabalhador, para o jovem da escola pública."
A estudante lembra ainda da PEC 95, que congela os investimentos em saúde e educação por 20 anos e que somado as decisões de sucessivos desmontes promovidos pelo governo federal, o resultado é esse cenário de desesperança.
No entanto, o movimento estudantil tem reagido e mostrado respostas concretas aos desmontes de Bolsonaro e sua equipe de governo.
"Houve uma resposta muito bem organizada do movimento estudantil. Vamos seguir fazendo uma campanha grande e mobilizada em defesa da educação pública, das bolsas do Programa Universidade para Todos (Prouni), que foram cortadas, dos cortes na educação, contra as intervenções autoritárias de Bolsonaro nas nomeações das reitorias das universidades federais e entre outras coisas. A nossa resposta está nas ruas, o nosso mote geral pelo #ForaBolsonaro, que já demonstrou mil vezes que é responsável por essas grandes dificuldades que a gente está enfrentando."
Edição: Vivian Virissimo