As multas pagas por crimes ambientais, nos estados da Amazônia Legal, despencaram em 93% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, comparados aos quatro anos anteriores.
O levantamento é do Centro de Sensoriamento Remoto e do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), divulgado nesta segunda-feira (19) pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Os entraves à fiscalização ambiental da Amazônia colocados por Jair Bolsonaro têm atrapalhado o monitoramento das infrações no campo e também os órgãos federais que julgam esses processos. A centralização de decisões e a burocratização de processos ajudam a explicar o mau desempenho.
Segundo o estudo da UFMG, a média anual era de 688 processos com multas pagas entre 2014 e 2018 no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama). Porém, em 2019 e 2020, sob o comando do ex-ministro Ricardo Salles, os balanços foram 74 e 13 multas pagas – média de 44.
O número de processos relacionados a infrações que envolvem a vegetação julgados em 1ª e 2ª instâncias também recuou: de 5,3 mil anuais entre 2014 e 2018 para somente 113 julgamentos em 2019 e 17, no ano passado.
Conforme os pesquisadores, mudanças em regras internas do Ministério do Meio Ambiente e na legislação entre 2019 e 2020 burocratizaram ainda mais o trabalho de campo dos fiscais e o andamento interno de processos ligados à apuração de infrações ambientais, como desmate e extração de madeira irregular.
Burocratização
Ao Estadão, o biólogo da UFMG e autor do estudo, Felipe Nunes, afirmou que o risco da ausência de responsabilização por crimes ambientais é a desmoralização institucional e sensação maior de impunidade.
De acordo com ele, a responsabilização começa com o fiscal em campo, que expede autos de infração quando vê irregularidades. Mas, para a punição valer, é preciso ter julgamento do processo.
Os processos envolvendo autos de infrações ambientais são julgados de forma administrativa pelo Ibama ou pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio) em duas instâncias e, em alguns casos, são encaminhados para a esfera judicial.
Entretanto, em 2019, um decreto obrigou os dois órgãos a fazerem audiências de conciliação com os autuados. Antes dessa audiência, a multa não é cobrada nem passa por julgamento. Portanto, na prática, travou o andamento dos processos.
“Toda a explicação que o fiscal dava em campo, de que podia parcelar a multa, optar pela recuperação do dano, agora tem de ser feita também em audiência de conciliação”, explicou Alex Lacerda, servidor do Ibama e diretor-executivo da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente, ao jornal.
De acordo com ele, a demora na apuração dos casos por conta dos entraves burocráticos criados pela gestão Bolsonaro coloca em risco a punibilidade de milhares de processos devido à prescrição.
O servidor do Ibama disse ainda que, na área em que trabalha, é feita uma audiência de conciliação por semana. Mas, para dar conta dos cerca de 1,8 mil autos de infração por ano, seria preciso ter 30 vezes mais audiências.
Impunidade
Os fiscais afirmam que têm encontrado dificuldade no trabalho de campo devido às falas do presidente Bolsonaro contra os trabalhos de fiscalização.
Há relatos de medo, pois a agressividade com os fiscais aumentou. Entre os infratores, a sensação é de que a fiscalização está paralisada.
Atualmente, há cerca de 99 mil processos de infração ambiental pendentes de julgamento no Ibama, em 1ª ou 2ª instâncias, diz o levantamento da UFMG. Essa baixa conversão dos crimes ambientais em multas efetivamente pagas cria uma sensação de impunidade e prejudica até os trabalhos de fiscalização.
O estudo mostra ainda que houve redução nos embargos ambientais, de 2.589 em 2018 para 385 em 2020. Quando uma área é embargada, a produção obtida é considerada irregular, entra em uma lista compartilhada internacionalmente e não pode ser comercializada. Em 2020, o número de desembargos pelo Ibama foi superior ao de embargos. É a primeira vez que isso acontece no Brasil.