Denuncie as violações de Direitos Humanos e quem lucra com isso
Por Giovani del Prete* e Mariana Davi**
Na periferia do sistema capitalista, a Colômbia é mais um exemplo da letal articulação entre a ingerência externa do imperialismo, o neoliberalismo, a militarização e a violação dos direitos humanos.
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Basta olharmos para a estrutura econômica do país para entendermos o grau desta letalidade. O país é rico em recursos naturais (petróleo, ouro e pedras preciosas), com uma estrutura primário exportadora (café, cana-de-açúcar, por exemplo).
Essa estrutura econômica articula-se de maneira complexa com um poderoso narcotráfico internacionalmente conhecido. Além disso, é em nome do combate a este narcotráfico que os Estados Unidos possui ampla incidência na política de segurança do Estado colombiano há décadas.
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Assim como no Brasil, na Bolívia, na Argentina, a Colômbia possui uma poderosa burguesia vinculada ao agronegócio no centro do comando do país, mas com uma específica relação de associação explícita ao imperialismo estadunidense.
No exercício do poder político, o Estado colombiano e essa fração da burguesia possui estreitos laços com a grande mídia, os paramilitares e o capital internacional. O que une todos esses setores? A resposta é: a agenda neoliberal.
Os lucros extraordinários extraídos do solo e do sangue colombiano só são possíveis graças à violenta repressão das forças de segurança pública contra as mobilizações e as organizações populares no país. É como se a militarização do país pavimentasse o caminho para a imposição da agenda neoliberal.
Para explicar este raciocínio, temos que recorrer aos fatos e aos números. Aqui poderíamos citar as mais de mil lideranças e ativistas de direitos humanos que foram assassinadas pelas forças de repressão do Estado colombiano desde a assinatura dos Acordos de Paz de 2016.
O que fez o governo depois que os guerrilheiros das FARC aceitaram abandonar as armas em 2016? Respeitou os acordos e cumpriu a sua parte, investindo em saúde e educação pública? Não.
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Na contramão dos acordos, a burguesia aproveitou o recuo da esquerda para acelerar as reformas neoliberais, piorando as condições de vida da classe trabalhadora. Em 2020, Segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatísticas (DANE), dos cerca de 50 milhões de habitantes, 28,5 milhões são pobres e 20% das mulheres e jovens estão desempregados.
Mesmo durante a crise sanitária que atravessa o mundo, com uma queda de 7% da taxa de crescimento da economia colombiana em 2020 e com uma dívida externa crescente, o governo de Iván Duque segue repetindo a fórmula genocida de governar o país.
Por um lado, transfere os custos da crise para a classe trabalhadora, por outro, oferece isenções fiscais, privatizações e compactua com a impunidade da burguesia e das forças de repressão do país.
A própria reforma tributária proposta pelo governo em abril deste ano é um exemplo disso, pois aumentaria a carga tributária da classe trabalhadora, uma vez que propunha aumentar para 19% o imposto sobre serviços básicos (água, luz, gás, etc).
Em resposta a todos esses ataques, no dia 28 de abril deste ano o povo iniciou uma greve geral, exigindo a revogação desta reforma tributária e o comprometimento do governo com uma série de reivindicações emergenciais da população, as quais já haviam sido apresentadas ao Executivo em 19 de junho de 2020.
Em função das mobilizações populares, quatro dias depois o presidente Duque retirou a proposta de aumento de impostos.
Crescentes índices de violência
Contudo, nada foi feito para combater os crescentes índices de violência, de insegurança alimentar e de desemprego. Muito pelo contrário, o exército e a polícia (sobretudo o Esquadrão Móvil Anti-Distúrbios, ESMAD) são responsáveis por um banho de sangue no país, com uma repressão às legítimas mobilizações populares.
De acordo com o levantamento de dados feito por Indepaz, Temblores ONG, PAIIS e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (CIDH), entre os dias 28 de abril e 26 de junho de 2021, foram registradas 4.687 vítimas da violência por parte de membros da força pública.
Em dois meses, as forças de repressão acumulam as acusações de violentar sexualmente 28 vítimas, cometer 44 homicídios, causar lesões oculares em 82 pessoas, além de 2 mil detenções arbitrárias.
Impressiona também o silêncio da grande mídia internacional, dentro e fora da Colômbia, sobre esta sistemática violação dos direitos humanos por parte das forças estatais. Se tudo isso fosse na Venezuela ou em Cuba, estaria na manchete dos principais veículos de comunicação do mundo.
Como já mencionado anteriormente, é a articulação entre a burguesia vinculada ao agronegócio, os grandes meios de comunicação, as forças de segurança pública, o narcotráfico e o capital internacional que produz o núcleo duro daqueles que lucram com o sangue e suor do povo colombiano.
É importante adicionar o papel dos Estados Unidos nesta equação. Além de lucrarem e serem abastecidos pelo entreguismo da classe dominante colombiana primário-exportadora, os estadunidenses são os principais fornecedores, investidores e treinadores das forças de segurança pública da Colômbia, sobretudo após a aprovação do Plano Colômbia em 1999, logo após a vitória eleitoral de Hugo Chávez na Venezuela.
Pouca gente fala disso, mas as sete bases militares estadunidenses na Colômbia e essa profunda relação entre o imperialismo estadunidense e os governos colombianos garantiu com que a Colômbia entrasse para a OTAN em 2018. Isso mesmo, um país do Atlântico Sul é parte da maior coalizão militar do Atlântico Norte, liderada pelo Estado estadunidense.
É por essa razão que se diz que a Colômbia é a “Israel” da América Latina, dado o seu papel de ser uma correia de transmissão dos interesses econômicos e militares dos Estados Unidos na região, especialmente no que diz respeito aos ataques contra Venezuela e Cuba.
É através desta “cooperação” entre Estados Unidos e Colômbia, em nome da suposta luta contra “o narcotráfico, a corrupção e o chavismo”, que dezenas de bilhões de dólares, técnicas e equipamentos militares e policiais mais sofisticados são empregados contra a população colombiana que luta por reformas anti-neoliberais, em defesa do seu direito à vida digna.
*Giovani del Prete é militante do Levante Popular da Juventude e da Consulta Popular e mestrando em Economia Política Mundial pela UFABC.
**Mariana Davi Ferreira é militante do Levante Popular da Juventude.
***Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
****Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo