Minas Gerais

PRESERVAÇÃO

Após 12 anos de luta, comunidade conquista preservação da Mata do Planalto em BH

"É uma vitória dos moradores e do movimento Salve a Mata do Planalto que não desistiram da luta"

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"É uma vitória dos moradores e do movimento Salve a Mata do Planalto que não desistiram da luta diante de várias adversidades" - Créditos da foto: Reprodução/Facebook

Os membros e apoiadores do movimento Salve a Mata do Planalto receberam com alívio e satisfação, no início deste mês de julho, a informação da Prefeitura de Belo Horizonte que está sendo finalizado os procedimentos para a permuta de imóveis que garantirá a preservação integral da Mata de Planalto como área pública. Após mais de uma década de luta, inúmeras reuniões, negociações, manifestações e atos públicos, a capital mineira terá preservada uma área verde de Mata Atlântica com extensão de aproximadamente 200 mil metros quadrados, delimitada pelas ruas Branca Ferraz Isoni, Iracema Souza Pinto, David Nasser, Isaurino Alves de Souza, João de Sales Pires, Bacuraus, São José do Bacuri e Cotovias, no Bairro Planalto, região Norte de Belo Horizonte.

A Mata do Planalto possui mais de 20 nascentes, que formam o Córrego Bacuraus, a Bacia do Onça e deságua no Rio das Velhas e no Rio São Francisco; 68 espécies de pássaros e 98 espécies de árvores. Nesta entrevista ao Comunidade em Movimento BH, a jornalista Margareth Ferraz Trindade, vice-presidenta da Associação Comunitária do Planalto e Adjacências e Movimento Salve a Mata do Planalto fala sobre as mobilizações e as etapas da luta que garantiram a preservação da área. Para os moradores da região Noroeste que estão iniciando a luta pela municipalização da área do aeroporto Carlos Prates, sugere além dos caminhos institucionais, as manifestações públicas.

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Comunidade em Movimento BH – Como surgiu o movimento Salve a Mata do Planalto sendo a mata num terreno privado?

Margareth Ferraz – A história da relação dos moradores com a Mata do Planalto começou há mais de 50 anos, com o surgimento do bairro Planalto. Na época, eu era criança, as ruas e avenidas não eram asfaltadas, e a Mata do Planalto fazia parte da nossa infância. Ela não possuía muros e a população tinha acesso às trilhas e usufruía da exuberância do local. Última área verde que resistiu às inúmeras construções, como o Conjunto Marilene, o Colégio Santa Maria, condomínio Granja Verde e inúmeras moradias. O proprietário da maioria dos terrenos (antigas áreas verdes) era Marcial do Lago, já falecido, dono da construtora Bandeirante, que prometeu aos moradores que a Mata do Planalto seria para uso público e que era um presente para a população do entorno. A área era conhecida como Mata do Maciel. Após sua morte seu filho decidiu vender o terreno.

Comunidade em Movimento BH – Quando a comunidade teve conhecimento da intenção de construir prédios no terreno?

Margareth Ferraz – A notícia sobre a venda da área verde para construir edifícios teve início em 2009 e começou uma movimentação. Em 2010 as ações se tornaram efetivas. Além da promessa do antigo proprietário, a Constituição Federal de 1988, condiciona o direito à propriedade privada ao atingimento da sua função social. A função social da propriedade, descrita no inciso XXIII do artigo 5, é uma condição ao direito de propriedade. Ela determina que a propriedade deverá atender às necessidades e interesses da sociedade e respeito ao bem coletivo. A primeira construtora que entrou com processo de licenciamento na Prefeitura de Belo Horizonte foi a Rossi. Depois passou para a Direcional.

Comunidade em Movimento BH – Como vocês conseguiram sensibilizar a comunidade sobre a importância da preservação da área?

Margareth Ferraz – O movimento foi ganhando forças. Os moradores do entorno da Mata do Planalto, que ganhou esse nome durante o movimento em sua defesa, são antigos na região, e sabem da importância da preservação da mata. Além de ser Mata Atlântica comprovada por relatório do Ministério Público Estadual, a área possui mais de 20 nascentes, que formam o Córrego Bacuraus, a Bacia do Onça e deságua no Rio das Velhas e no Rio São Francisco; 68 espécies de pássaros e 98 espécies de árvores. Os moradores dos bairros Planalto, Vila Clóris e Campo Alegre têm uma relação de pertencimento com a mata. Daí começaram as mobilizações, passeatas, carreatas, audiências públicas. A construtora Rossi conseguiu aprovar no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), órgão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, na gestão do Marcio Lacerda, o licenciamento prévio para construir 760 apartamentos, com16 torres com 16 andares, 1300 vagas de garagem. Isso aconteceu sem a devida publicidade aos moradores, o que foi denunciado ao Ministério Público Estadual que oficializou a Prefeitura e a licença foi suspensa. Tramitam na Justiça duas ações civis (Ministério Público Estadual e Defensoria Pública) e uma ação popular.

Comunidade em Movimento BH – Quais foram as principais dificuldades que o movimento enfrentou neste trajeto de vários anos de luta?

Margareth Ferraz – A falta de vontade política tanto do Executivo quanto do Legislativo. Todo mês o processo de Licença Prévia ia para a pauta do Comam. Isso estressou e desgastou muito os moradores e lideranças que lotavam ônibus para ir nas reuniões para barrar o processo. Alguns eventos foram realizados para angariar fundos para pagar ônibus, panfletos e faixas. Todo tipo de manobra foi realizada para derrotar os moradores e beneficiar as construtoras. É inconcebível que aqueles que deveriam atender as reivindicações da população orquestravam a favor das construtoras e contra os interesses da população. O presidente do Comam na época afirmou que lutava para dar o licenciamento para a Construtora Direcional. Essa declaração foi alvo de processo no Ministério Público Estadual. Pauta de moradores no Comam era fadada ao fracasso. No Legislativo Municipal também tivemos uma experiência amarga. Em 2015, os vereadores rejeitaram o projeto de lei que tornava a Mata do Planalto de utilidade pública para fins de preservação ambiental depois de manobras do presidente da Casa. Nesses 12 anos de luta, inúmeras passeatas, manifestações, audiências públicas foram realizadas pelos moradores e ambientalistas.

Comunidade em Movimento BH – Nesse período, também houve alteração no Plano Diretor.

Margareth Ferraz – Tivemos uma péssima experiência também na votação do Plano Diretor. Queríamos garantir que a área fosse integralmente preservada, mas não obtivemos o apoio na Câmara de BH. Por fim, a Mata do Planalto foi aprovada no Plano Diretor como Zona de Proteção Ambiental 1 (PA-1), que preserva 70% da área e permite construir em 30%, o que representa uma ameaça para todo o ecossistema. Qualquer intervenção no terreno é um dano para as nascentes e para as espécies que habitam no local.

Comunidade em Movimento BH – Quando vocês sentiram que o movimento seria vitorioso?

Margareth Ferraz – Quando o Kalil assumiu a Prefeitura de Belo Horizonte nos apegamos às declarações dele à imprensa e ao Movimento Salve a Mata do Planalto. Ele afirmou que a Mata do Planalto era intocável. Isso foi em 2016 e desde então sempre cobrávamos dele o cumprimento da promessa de campanha. Não paramos com nossos eventos e manifestações. Em 2018, fizemos o Evento Crianças e Artistas pela Mata do Planalto, que reuniu mais de 500 pessoas no Parque do Planalto e contou com a participação de estudantes da região, moradores, artistas, crianças e movimentos socioambientais. Com a pandemia, o movimento teve muita dificuldade para promover eventos públicos. Mas durante esse tempo, fizemos um abraço virtual na Mata do Planalto na campanha das eleições municipais de 2020, quando os candidatos a prefeito assinaram um termo de compromisso com a preservação da Mata do Planalto. Realizamos inúmeras reuniões virtuais e finalmente culminou com a apresentação do Projeto de Lei 1050/2019 de autoria da vereadora Bella, que reconhece a Mata do Planalto como patrimônio cultural, paisagístico e ambiental de Belo Horizonte e com a emenda da vereadora Macaé que inclui a Mata do Planalto no Sistema de Áreas Protegidas da cidade.

Comunidade em Movimento BH – E as ações por parte do Executivo Municipal?

Margareth Ferraz – Na verdade, o momento determinante para o avanço do nosso movimento foi a Prefeitura anunciar que está permutando imóveis para transformar a Mata do Planalto em área pública. Passaram-se cinco anos desde a promessa do então candidato Alexandre Kalil ao telefonema da Secretária Municipal de Política Urbanas, Maria Caldas, no dia 02 de julho de 2021, nos informando que a Prefeitura está finalizando os procedimentos para promover a permuta de imóveis que garantirá a preservação da Mata do Planalto como área pública. Recebemos com imensa alegria a notícia e sabemos que a Prefeitura encaminhará até o final do ano à Câmara Municipal proposta de permuta para autorização dos vereadores. Depois disso, aí sim vamos reivindicar a participação da comunidade na elaboração de um plano de preservação da área.

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Comunidade em Movimento BH – O que representa para o movimento Salve a Matado Planalto a decisão da Prefeitura de Belo Horizonte de negociar com os proprietários da área permuta de imóveis e preservar a Mata do Planalto?

Margareth Ferraz – É uma vitória dos moradores e do movimento Salve a Mata do Planalto que não desistiram da luta diante de várias adversidades, mas se mantiveram firmes na convicção que todos têm direito à uma cidade mais humanizada e com áreas verdes. Mostrou também que não devemos nos abater diante do poder econômico e da falta de vontade política. A decisão da Prefeitura em permutar imóveis para preservar a Mata do Planalto demonstra que o prefeito, mesmo passados cinco anos desde a promessa, é coerente e sensível com o meio ambiente. Kalil está finalizando as negociações para honrar seu compromisso com o movimento.  Mas o mais importante é a vitória do movimento Salve a Mata do Planalto que, em 12 anos de luta, não abriu mão da preservação integral da área.  A mobilização dos moradores, lideranças locais e de movimentos socioambientais foram determinantes para esse resultado. Ao longo dos anos a luta foi ganhando apoiadores pela cidade e os moradores de BH viram a importância de se preservar a Mata do Planalto, último bioma de Mata Atlântica a ser preservada e da importância da mobilização.

Comunidade em Movimento BH – Qual o projeto a comunidade pretende negociar com a Prefeitura para a Mata do Planalto?

Margareth Ferraz – Ao longo desses 12 anos sempre discutíamos o que seria ideal para a área. Um parque, uma reserva, um parque ecológico, mas não decidimos sobre isso porque demandaria estudos e a luta era exaustiva. Primeiro tínhamos que impedir que a Construtora Direcional conseguisse aprovação da licença prévia para construir condomínio de luxo no local, para depois decidir sobre o uso da área. Já estamos em contato com a Universidade Federal de Minas Gerais, que já é nossa parceira por meio do Grupo em Temáticas Ambientais – Gesta, para que, junto com a comunidade, elabore um plano de preservação da área, a ser apresentado à Prefeitura. Com certeza, não aceitaremos qualquer obra que possa prejudicar o equilíbrio do local. A Mata do Planalto é Mata Atlântica e sua existência, fechada, já traz benefício para a região porque ameniza o clima, drena as águas das chuvas, purifica o ar, é um corredor ecológico para as aves, como o Tucano, por exemplo.

Comunidade em Movimento BH – A comunidade da região Noroeste está iniciando um movimento pela municipalização da área do aeroporto Carlos Prates, que deve ser desativado em 31 de dezembro de 2021, segundo portaria do Ministério da Infraestrutura. Com a experiência de um movimento vitorioso, quais as sugestões vocês dariam para as entidades da Noroeste na luta pela municipalização e destinação da área do aeroporto?

Margareth Ferraz – A situação do Aeroporto Carlos Prates é diferente. O imóvel é de propriedade da União e desta forma os moradores da região estão solicitando ao prefeito Kalil que faça um acordo com a União visando à municipalização do terreno. A região possui menor índice de área verde de Belo Horizonte. Agora, cada movimento tem suas peculiaridades. Não conheço detalhes da luta dos moradores da região Noroeste, mas eles estão mobilizados e têm na trincheira de luta político com experiência. Os caminhos são sempre acionar o Ministério Público, o Executivo Municipal, a Câmara Municipal, o Governo do Estado, Assembleia Legislativa, fazer audiências públicas, passeatas e eventos culturais.