As mobilizações das ruas também alimentaram o exercício da construção de unidade da esquerda
Por Sonia Coelho*
Desde a decisão da Campanha fora Bolsonaro de ir às ruas no dia 29 de maio de 2021, a conjuntura tem se alterado favorecendo as inúmeras denúncias e críticas ao governo Bolsonaro.
Evidente que a decisão sobre os atos de rua em meio a pandemia não foi fácil, uma vez que estarmos nas ruas e convocar o povo de forma massiva, nos apontava a contradição de que até então nosso discurso era o do #ficaemcasa para evitar o aumento das contaminações pela covid-19.
Mas com organização e mobilização responsável, salientando sempre todos cuidados de higiene e prevenção, o dia 29 de maio deu certo, inaugurando esta nova onda de ações nas ruas contra o bolsonarismo, no dia 19 de junho e 3 de julho.
“Se o povo vai às ruas durante uma pandemia, é porque o governo é pior que o vírus”, essa era a frase que ressoou a partir de então.
E diferente dos bolsonaristas, temos ido às ruas com outra atitude, a atitude do cuidado como uma prática coletiva de responsabilidade entre todas as pessoas. Vimos pessoas oferecendo máscaras, borrifando álcool na sua mão, atentando e chamando atenção para o uso correto da máscara.
:: Repudiando violência, movimentos fazem "esquenta" do 24J nesta terça (13) por todo o país ::
As mulheres desde o feminismo discutem a ideia de que o cuidado das pessoas precisa ser sempre coletivo se queremos construir uma sociedade calcada na valorização da vida.
Assim, o medo, que também é coletivo se ameniza nos gestos de cuidado, nos olhares de tantas companheiras e companheiros que desde 2020 não nos encontravam na rua.
Aparentemente um encontro frio, porque sequer podemos dar as mãos, nos abraçar e consolar quem perdeu pessoas queridas para a covid ou pela política de morte do governo Bolsonaro. Mas nos confortamos nas trocas de olhares e nos gritos, que há tanto tempo temos atravessado na garganta: Fora Bolsonaro!
As mobilizações das ruas também alimentaram o exercício da construção de unidade da esquerda e dos movimentos, já que a esquerda organizada tem assumido o protagonismo desta luta na rua. O estar na rua reanimou os movimentos, estimulou e está fortalecendo nossas organizações, estamos vendo a esperança aproximar-se.
Esta luta é contra o bolsonarismo, não se trata somente de trocar o governo, temos o desafio reconstruir este país que foi destruído pelo fascismo em todas as formas e dimensões possíveis.
Passem os dias e anos, nosso compromisso é lutar por justiça por todas as as mais de 500 mil vidas, a maioria pobres e negras, que foram interrompidas, produto de uma estratégia genocida conscientemente organizada por este governo. Não nos esqueceremos, cobramos justiça para cada pessoa, por toda a população.
A CPI da Covid, que a cada dia tem revelado crimes e mais crimes, teve início com muita disputa do governo, que tentou enfiar “goela abaixo”, sua estratégia de retirar o foco do âmbito federal para responsabilizar governadores, gerando a sensação de que não chegaria a lugar nenhum.
Mas o processo foi se ampliando, vozes foram aparecendo, denúncias surgindo e reafirmando o que todo mundo sempre soube: o quanto este governo é corrupto, e que não rouba somente dos recursos públicos, este governo rouba vida. Vimos que não se trata de qualquer propina, e sim de propina na compra de vacinas, estas para salvar vidas atravessadas por uma pandemia!
Como vimos nos cartazes no ultimo ato do dia 3 de julho: nossas vidas valem 5 dólares de propina!
::Artigo | Manifestações trouxeram de volta uma palavra que andava sumida: impeachment::
Para o feminismo não basta derrotar Bolsonaro, temos que derrotar o Bolsonarismo
Com os últimos fatos da conjuntura já vemos vozes, inclusive do campo da direta se colocando a favor do Fora Bolsonaro, apresentando impeachment, mas nossas vozes não se confundem. Nossas vozes e propostas feministas ecoam mais forte.
Exigimos Fora Bolsonaro com seu machismo, misoginia e fascismo e também o projeto bolsonarista que tem como base o ultra neoliberalismo, o autoritarismo e a aliança conservadora com setores religiosos e neopentecostais.
Este conjunto de elementos que articulados, minam as bases materiais de sustentabilidade da vida, acirra a cultura heteropatriarcal, dissemina o racismo, as discriminações, a violência, ódio e a perspectiva de destruição dos movimentos e da esquerda, que reacende o rancor e ódio a todos e todas que não comungam com seus ideais conservadores, como costumam denominar de comunista.
O Bolsonarismo em curso é como andar com o país e os diretos da população em marcha ré. A promessa dele feita no início do seu mandato de destruir o Brasil está se cumprindo, ele contou com a impossibilidade dos movimentos poderem construir resistência nas ruas em plena pandemia, e como eles mesmos anunciaram, a boiada passou em todos os setores, destruindo as políticas públicas, desmontando políticas de controle e proteção ambiental, de proteção das populações tradicionais e indígenas.
Também conseguiram construir uma estratégia para disseminar seus projetos retrógrados em assembleias estaduais e câmaras municipais, principalmente em relação ao direito ao aborto e a sexualidade livre, como o caso do projeto agora em tramitação na Câmara de São Paulo que propõem abstinência sexual ( PL “escolhi esperar”) para “prevenir gravidez”.
Este é o projeto que a ministra Damares Alves apresentou no início do mandato e foi ridicularizada. Hoje o projeto é reproduzido em municípios.
Decretos e medidas para facilitar a compra de armas apresentam outro elemento que caracteriza bem o caráter e prioridade deste governo.
Em plena pandemia, o povo morrendo, o sentimento de angustia coletiva entre a população imersa na situação, e o governo Bolsonaro assina decreto para facilitar o acesso a armas, uma medida que atende a homens brancos, ricos, heterossexuais e suas milícias. Dados da Polícia Federal que mostram que a venda de armas cresceu 200% em 2020. Como explicar tal fenômeno ou desfaçatez?
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Desafios da luta Fora Bolsonaro
O grande desafio é continuar massificando os atos, ampliando para as camadas cada vez mais populares, e construir processos de luta nos locais de trabalho e nos territórios.
Um trabalho mais efetivo e intenso de educação popular que articule a solidariedade, que já vem sendo construída pelos movimentos, é fundamental para estabelecer diálogo com a população mais pobre da classe trabalhadora, e contribuir para elevar a consciência.
Em relação aos partidos de esquerda é preciso subir o tom da voz contra articulações e ações que ajudem a manter Bolsonaro como está hoje, na defensiva.
Neste sentido, o superpedido de impeachment que especifica mais de 23 crimes de Jair Bolsonaro e assinado por muitos movimentos e entidades, como a Marcha Mundial das Mulheres, foi fundamental. A entrega do superpedido foi realizada junto a um ato no congresso com participação de lideranças nacionais dos movimentos e dos partidos de esquerda.
Embora Arthur Lira, presidente da Câmara, que tem a tarefa de receber, examinar e colocar em pauta este impeachment, atuar com indiferença, a ação teve grande repercussão e está contribuindo para o questionamento do Congresso e de Lira, e consequentemente vão colocando Bolsonaro em situação de isolamento.
Massificação
É tarefa também dos partidos de esquerda puxar suas bases para as ruas massificando para a Campanha Nacional Fora Bolsonaro. Sabemos que para derrotar a extrema direita hoje as eleições e o voto são insuficientes, temos que ter um protagonismo popular das ruas, das mulheres, das juventudes, da população negra, e da classe trabalhadora em geral para impor de fato uma derrota consistente e duradoura à extrema direita.
A experiência da América Latina e do Brasil nos mostra que sem protagonismo e resistência popular não é possível ter mudanças estruturais na sociedade. Dilma ganhou eleição e saiu com o golpe; nos EUA, ensaiou-se golpe com Trump; hoje no Peru se tenta um golpe para um presidente de esquerda não assumir.
No dia 24 de julho temos novas manifestações por todo o país na luta pelo Fora Bolsonaro, com resistência popular e feminista seguimos com o desafio de crescer e ampliar as vozes e indignações ao projeto genocida de poder.
*Sonia Coelho é assistente social, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integrante da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista.
**A Coluna Sempreviva é publicada quinzenalmente às terças-feiras. Escrita pela equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista, ela aborda temas do feminismo, da economia e da política no Brasil, na América Latina e no mundo. Leia outras colunas.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo