Militares na mira

Quem é Elcio Franco? Coronel volta ao centro das denúncias de corrupção na compra de vacinas

Elcio Franco tentou exonerar Dias e interferiu diretamente na nomeação de coordenadores do Departamento

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Em outubro de 2020, Franco pediu a exoneração de Dias ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que foi aceita e encaminhada à Casa Civil - Marcos Oliveira/Agência Senado

Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid desvendaram mais um cenário diante do depoimento de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, nesta quarta-feira (7).

Mais uma vez, o nome do ex-secretário-executivo da pasta, o militar Elcio Franco, aparece no centro das denúncias de corrupção na compra de vacinas.

Número dois durante a gestão do general Eduardo Pazuello no Ministério, Franco é atualmente assessor da Casa Civil no governo de Jair Bolsonaro.

Para os senadores, teria ocorrido mais de uma tentativa de Elcio Franco de retirar Dias das tratativas para a compra de vacinas contra a covid-19.

“Há uma disputa interna dentro do ministério em torno do departamento que o senhor chefiava ainda pouco”, afirmou o senador líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM). 

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Em outubro de 2020, Franco pediu a exoneração de Dias ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, que foi aceita e encaminhada à Casa Civil.

Franco se baseou em um contrato, com suspeita de irregularidades apontadas pela Diretoria de Integridade (Dinteg) do Ministério da Saúde, assinado por Dias para a compra de 10 milhões de kits para testes de covid-19. 

A exoneração, no entanto, não ocorreu após pressão que teria sido feita pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) em conversas com o presidente Jair Bolsonaro. Em seu depoimento à CPI, Dias afirmou que a suspeita de corrupção na compra de testes foi um “factoide”.

Em janeiro deste ano, a pasta publicou uma portaria que passou a centralizar na Secretaria-Executiva, comandada por Franco, todas as tratativas sobre vacinas. A medida retirou Dias de toda e qualquer negociação de imunizantes contra a covid-19, a despeito de a função ser do Departamento de Logística. 

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Em outro momento, a equipe liderada por Dias na Saúde sofreu uma interferência direta do número 2 do Pazuello, Elcio Franco. O militar fez duas trocas sem consultá-lo, levando para o Ministério dois militares: o tenente-coronel Marcelo Batista Costa para a Coordenação Financeira, e o tenente-coronel Alex Lial Marinho para a Coordenação de Logística.

Roberto Dias também associou a nomeação do coronel Marcelo Blanco para ser seu assessor no Departamento de Logística a uma decisão de Elcio Franco. 

"Acho que o Elcio Franco cada vez se envolve mais, e a gente começa a encontrar os responsáveis pelo caso Precisa-Biotech. (...) Nós temos um personagem central que, ainda bem, senhor relator, que o senhor indicou como investigado, que é o senhor Elcio Franco", disse Randolfe Rodrigues (Rede-AP). 

Suposto pedido de propina 

Segundo Dias, foi o coronel Marcelo Blanco quem levou o policial militar Luiz Dominguetti, representante da Davati Medical Supply, ao restaurante Vasto, no Brasília Shopping, no dia 25 de fevereiro. Ainda de acordo com Dias, Blanco sabia que ele estaria no restaurante. 

De acordo com o depoimento de Dominguetti, Roberto Dias teria cobrado uma propina de US $1 por dose de vacina para fechar um acordo de compra de 400 milhões de unidades do imunizante produzido pelo laboratório britânico AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford.

Segundo o depoente, a notícia da oferta já tinha chegado aos seus ouvidos anteriormente, diretamente pelo coronel Marcelo Blanco, por meio de outro representante da Davati Medical Supply no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho. “Mas nunca teria sido apresentada a documentação necessária”, afirmou Dias.

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No restaurante, Dominguetti afirmou que teria a documentação necessária. Em resposta, Dias solicitou ao policial militar um pedido formal ao Ministério da Saúde, em agenda oficial. Se a documentação fosse consistente, um processo seria aberto e encaminhado à Secretaria Executiva, de Elcio Franco.

Em uma reunião oficial no dia seguinte, 26 de fevereiro, Dominguetti não apresentou a documentação. Dias afirmou, então, que não passou a proposta para seu superior, Elcio Franco, justamente porque não havia documentos.

De Roberto Dias, Dominguetti teria partido então diretamente para a Secretaria Executiva. “A reunião com Roberto Ferreira Dias foi infrutífera”, afirmou Dominguetti aos senadores. Nesse segundo encontro, Elcio Franco disse que iria verificar a veracidade da proposta.

“O senhor [Elcio Franco] me perguntou pessoalmente durante a reunião, com quem eu havia deixado essa proposta. Eu disse a ele que com o senhor Roberto. Então houve uma troca de olhares, ele [Elcio] baixou a cabeça, simplesmente saiu e disse que pediu para que dois estagiários pegassem os nossos nomes, que entraria em contrato, que ele ia validar a proposta da Davati.”

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Para o presidente da CPI, Omar Aziz, Dias foi exonerado do cargo após denúncia de suposta propina porque teria atravessado a negociação das 400 milhões de doses.

Lembrando que não há nenhuma relação contratual entre Dominguetti e a Davati. “Havia um acordo de cavalheiros, até porque eu sou funcionário público e não posso assinar contrato”, afirmou o policial militar. 

Por sua vez, o laboratório britânico AstraZeneca publicou que todas as negociações são feitas diretamente “por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, incluindo da Covax Facility, não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado ou para governos municipais e estaduais no Brasil”.

Também negou que tenha qualquer relação contratual com a empresa Davati Medical Supply, sediada no Texas. O único contrato da AstraZeneca estabelecido com o Brasil foi feito por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), nos dias 8 e 9 de setembro de 2020. 

Citado no caso Covaxin

O tenente-coronel Alex Lial Marinho, nomeado por Elcio Franco para a Coordenação de Logística, também já é um nome conhecido. Foi citado como responsável, ao lado de Roberto Dias, por pressionar a importação da vacina Covaxin, em depoimento de Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.

Sobre isso, Dias afirmou que nunca fez pressão. “Não encaro as conversas que tive com ele [Luis Ricardo] como pressão. (...) Se tiver pressão, eu não a exerci. E desconheço de onde poderia ter partido”, afirmou.

Segundo o senador Rogério Carvalho (PT-SE), Dias enviou um e-mail ao presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, em 23 de março, solicitando a autorização da importação em caráter excepcional de 20 milhões de doses da Covaxin. “Antes do envio dos documentos da Precisa à Anvisa”, afirmou o senador garantindo ter o e-mail.

Luis Ricardo e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), apontaram para supostas irregularidades na negociação de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, entre o Ministério da Saúde e a empresa brasileira Precisa Medicamentos, responsável pela venda do imunizante no Brasil, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech.

Na primeira nota fiscal (conhecida como “invoice”), datada de 18 de março, emitida para a primeira entrega de doses, Luis Ricardo questionou a empresa Precisa Medicamentos sobre informações contidas no documento, como a solicitação de um pagamento antecipado de US$ 45 milhões a uma terceira empresa, não prevista no contrato, a Madison Biotech, sediada em Singapura, e um quantitativo com um milhão de doses a menos.

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Segundo os irmãos Miranda, as irregularidades foram informadas ao presidente Jair Bolsonaro, no dia 20 de março. O presidente teria solicitado ao então ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, a investigação da denúncia.

Dois dias depois, no entanto, Pazuello foi exonerado, e a investigação ficou a cargo do então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. Segundo a senadora Simone Tebet (MDB-MS), um dia depois de ter assumido a investigação do caso, Franco teria finalizado a apuração sem encontrar nada.

Ainda durante o encontro entre Bolsonaro e os irmãos Miranda, o ex-capitão teria atribuído o esquema ao líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). "Se eu mexo nisso aí, você sabe a merda que vai dar. Isso deve ser coisa de 'fulano'”, referindo-se ao líder, teria declarado Bolsonaro, segundo o deputado Luís Miranda.

Ligação com Ricardo Barros

Dias negou ter sido indicado ao Ministério da Saúde por Ricardo Barros. O ex-servidor afirma que foi indicado pelo ex-deputado Abelardo Lupion (DEM-PR), quando o parlamentar enviou o seu currículo, ainda em 2018, ao então deputado federal Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), que seria nomeado ministro da Saúde no ano seguinte.

O ex-diretor afirmou, no entanto, que mantém relação com parlamentares do Paraná, onde é servidor concursado. Sua relação com Dias é "uma relação com um parlamentar do estado de origem".

"Eu sou carioca, mas a minha vida é feita no Paraná. Conheço o deputado Ricardo Barros e tenho um relacionamento, como tenho com diversos parlamentares do estado do Paraná".

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Lupion, que foi deputado entre 1991 e 2015, foi secretário estadual de Infraestrutura e Logística no governo interino de Cida Borghetti, esposa de Ricardo Barros, em 2018.

Dossiê no exterior

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSC), afirmou em determinado momento que Roberto Dias produziu um dossiê para a própria proteção, que está fora do país. “Ele [Dias] sabe que a relação dele com Elcio Franco e Pazuello nunca foi boa. E ele se preparou para a saída dele”, afirmou o presidente em outro momento.

Para o presidente, Dias caiu por possivelmente ter contrariado os interesses de terceiros dentro do Ministério da Saúde. “Estou querendo lhe ajudar, mas o senhor diz que não sabe o porquê. Te colocaram numa encrenca tão grande e você não está querendo falar para a CPI.”

Condução da aquisição de vacinas

Em 19 de maio, o Brasil de Fato mostrou que o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, não foi recebido pelo ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em sua única visita à sede da pasta em Brasília em 2020, em 22 de dezembro do ano passado. Na ocasião, o representante da farmacêutica norte-americana fez reunião com Elcio Franco.

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Carlos Murillo comandou a matriz brasileira da empresa farmacêutica até novembro de 2020. O encontro no Ministério da Saúde constava na agenda oficial do nº 2 de Pazuello, agendado para às 14h – e foi confirmado no depoimento do executivo na CPI da Covid. A informação foi retirada do ar no site da pasta.

A confirmação da data e o horário da visita, no entanto, foram obtidas por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). De acordo com a lista de visitantes da sede do Ministério no ano passado, o executivo da Pfizer entrou no prédio uma única vez em 2020, às 13h58, justamente no dia 22 de dezembro.

Murillo afirmou que Elcio Franco o apresentou a Pazuello. O ministro, por sua vez, apenas o cumprimentou, e não participou da reunião. O executivo afirmou ainda que, durante as negociações, tratou "somente com a equipe técnica do Ministério".

"Nessa ocasião [22 de dezembro], o sr. Elcio Franco apresentou a mim o ministro Pazuello. Nós nos cumprimentamos, e ele falou que, agora que estávamos avançando, o que precisávamos era contar com mais doses para o Brasil. Eu respondi que nós tínhamos esse compromisso de continuar procurando mais doses para o Brasil", afirmou Murillo.

Edição: Leandro Melito