Rio de Janeiro

HABITAÇÃO

Projeto de Paes para centro do Rio entrega região à iniciativa privada, diz Reimont

Para vereador, programa Reviver Centro oferece a região como moeda de troca a quem quer investir em áreas lucrativas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Cinelândia
Câmara dos Vereadores, na Cinelândia, região que é alvo da medida da Prefeitura para retirada de trabalhadores ambulantes - Câmara do Rio

Aprovado no início de junho na Câmara dos Vereadores, o Reviver Centro, projeto de lei complementar de autoria do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), pretende revitalizar a região central da capital fluminense e mira imóveis que ficaram ociosos em função do crescimento do trabalho remoto por conta da pandemia da covid-19 para convertê-los em unidades residenciais.

A proposta, porém, é alvo de críticas e deve sofrer emendas até que ela seja colocada em prática pela Prefeitura do Rio. Em entrevista ao Brasil de Fato, o vereador Reimont (PT) afirma que a intenção de revitalização do centro é boa e segue uma tendência em diversas capitais, mas da forma como está sendo feita prioriza o mercado e não quem trabalha e poderia viver no centro da cidade. 

Leia a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Quais são as suas principais críticas ao Reviver Centro?

Reimont: É um projeto que todos nós sabemos que é de grande importância para qualquer cidade do mundo. A maioria das cidades reviveram os seus centros, reestimularam essas regiões. A crítica que o projeto no Rio de Janeiro sofre, na nossa leitura, é que ele poderia ser um projeto mais arrojado, não para o mercado, mas para resolver uma questão crucial no Rio de Janeiro, que é a habitação de interesse social.

O Reviver Centro tinha possibilidades concretas e reais nesse processo de reconversão, por exemplo, das áreas comerciais, das áreas de pessoas jurídicas que existem na cidade, de prédios, salas tomados e que, com a pandemia, de certa forma ficaram abandonados em razão de um processo da atividade remota que veio e não vai potencializar o centro como ele estava potencializado na sua dimensão comercial.

Por isso, nós podíamos ter tratado da habitação de interesse social com mais vigor, com mais firmeza.

A nossa crítica é que no centro da cidade você tem 5% dos moradores cariocas e 40% dos postos de trabalho, o Reviver Centro deveria reviver um projeto para equacionar isso, mas não é o que a gente infelizmente vai ver acontecer.


Segundo Reimont, Reviver Centro deveria respeitar o Plano Diretor do Rio, principal projesto urbanístico da capital / Câmara do Rio

O senhor tem argumentado que o projeto prioriza a gentrificação em lugar da moradia para todos. Poderia falar mais sobre isso?

Nossa leitura é que o Reviver Centro pode retomar um processo que conhecemos desde o início do século passado, como a operação “Bota abaixo” e, na metade do século, o da remoção das favelas da zona sul e a criação de espaços muito distantes dos postos de trabalho dos trabalhadores que foram para Vila Kennedy, Vila Aliança, Cidade de Deus, regiões distantes do centro da cidade.

Não é à toa que antecedendo o projeto do Reviver Centro, a prefeitura estabeleceu um decreto (48.806) que diz que nessa região do centro, notadamente a Cinelândia e a Carioca, os camelôs e a população em situação de rua não poderão estar. Essa é uma luta que temos que fazer. Por isso, pensamos que pode ser uma reedição da gentrificação, daquilo que condenamos, o distanciamento das pessoas que vivem no centro desta região da cidade.

A cidade é boa, bonita e saudável quando é para todas as pessoas.

Ao não tratar da habitação de interesse social no centro, o Reviver Centro se torna um projeto em que os trabalhadores só podem vir ao centro para trabalhar, e não para morar. Um camelô que tem uma banca no centro da cidade e que mora na Zona Oeste do Rio vai passar duas, três horas no trânsito.

Se essa habitação de interesse social tivesse sido construída, teríamos a integração de quem trabalha e de quem vive no centro. Não vimos isso no projeto de lei, vamos ver como isso vai se dar na regulamentação.

Como tem sido esse tratamento da Prefeitura do Rio aos ambulantes do centro?

A Prefeitura do Rio de Janeiro sempre trata o camelô com menos qualidade, com menos respeito do que nós consideramos que deveria tratar. É bom lembrarmos que o comércio ambulante na cidade está no guarda-chuva da Secretaria de Ordem Pública (Seop), só aí já temos a compreensão desse tratamento.

O camelô, o trabalhador ambulante deveria estar na Secretaria de Desenvolvimento Econômico ou na Secretaria de Trabalho e Emprego. Se ele está na Seop, ele é quase que um contraventor.

Queremos afirmar sempre que camelô é trabalhador, isso tem que ficar muito claro.

Não é de hoje que a Prefeitura do Rio é desrespeitosa com o trabalhador ambulante. Para se ter uma ideia, cancelaram, só nesses quatro meses do primeiro ano de governo do Eduardo Paes, 4 mil licenças de trabalhadores ambulantes. A prefeitura não os quer, mas o camelô é parte do centro da cidade.

O que seria a chamada Operação Interligada e por que ela é ruim?

Uma operação interligada às vezes mira uma determinada região, mas ela está interessada em outra região. Você olha e não vê o que você olha. Pelo que nosso mandato debateu e tentou emendar no projeto Reviver Centro, o olhar daqueles que investirão no centro da cidade para renovação de uma fachada, para reconversão de um prédio, para fazer um "retrofit" aqui e outro ali está na região da zona sul e da Tijuca.

Isso significa dizer que o centro da cidade é uma grande moeda de troca. O que teremos é um avanço da possibilidade das incorporadoras imobiliárias avançarem na zona sul da cidade e da Tijuca. Na Rua Bartolomeu Mitre, no Leblon, onde está a Subprefeitura, a Prefeitura está colocando um terreno à venda, acho que já é um espelho da operação interligada.

Como podemos pensar uma revitalização do centro mais democrática e inclusiva?

Todo nosso pensar político deve ser o máximo democrático e o máximo inclusivo. Quando pensamos em política de educação, não podemos excluir os educadores do debate, não incluir as famílias dos nossos 700 mil alunos da cidade do Rio de Janeiro.

Quando pensamos na saúde pública, não podemos discutir apenas com os sanitaristas, os médicos, os pesquisadores. Eles são importantes, mas temos que discutir com o povo também, com as práticas integrativas, com o saneamento básico.

Da mesma forma, quando pensamos o centro é inevitável pensar com os camelôs, com a população em situação de rua, com o trabalhador que está ali e vem de longe. Para ela ter sido mais democrática, a revitalização do centro deveria ter sido mais ampla. Por mais que o secretário de planejamento urbano (Washington Fajardo) tenha discutido e visitado as regiões, ido muitas vezes à Câmara, esse debate não foi feito à exaustão.

Para que a revitalização do centro tivesse sido feita de forma mais democrática, deveria ter havido mais debates. Quem está no centro deveria ter sido muito mais ouvido do que foi.

Que outros pontos podem ser considerados críticos no projeto?

O projeto, por si só, já é muito complexo porque ele trata de muitos temas. Mas há alguns deles que precisam ser considerados. Nesse ano de 2021, teremos que fazer a revisão do Plano Diretor, o último aprovado é de 2011. O Reviver Centro deveria estar muito ancorado no Plano Diretor, deveria inclusive esperar o Plano Diretor.

O Reviver Centro deveria ter sido juntado ao Plano Diretor, que é o projeto mais robusto para a cidade. Da forma como está, corremos o risco de ter o Plano Diretor, que é o grande plano de organização da cidade, em suas dimensões urbanísticas e arquitetônicas, ser pautado pelo Reviver Centro, e não, como deve ser, um plano que pauta os demais projetos para a cidade.

Edição: Mariana Pitasse