Coluna

O STF e a Lava Jato: temporada final?

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Plenário do STF retoma nesta quarta-feira (23) o julgamento do caso conhecido como Tríplex no Guarujá - Nelson Jr./STF/Fotos Públicas
Restam proferir seus votos o ministro Marco Aurélio, que fez o pedido de vista, e Luiz Fux

Após decretar a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar os processos da operação Lava Jato em relação ao ex-presidente Lula e determinar a remessa das ações para o Distrito Federal em abril último, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (23) o julgamento do Habeas Corpus 193.726, para finalizar a terceira parte, que versa sobre a manutenção da decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro na ação penal referente ao caso conhecido como Tríplex no Guarujá (SP).

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O Ministério Público Federal que atuava na força-tarefa da Lava Jato em Curitiba estruturou todas as acusações da mesma forma, atribuindo ao ex-presidente Lula o papel de figura central na suposta organização criminosa, como demonstrado no fatídico PowerPoint para apresentação da denúncia em 2016.

Contudo, nunca conseguiu demonstrar qualquer relação de causa e efeito entre a atuação de Lula como presidente ou ex-presidente da República e alguma contratação do Grupo OAS feita pela Petrobras, que resultasse no pagamento de qualquer vantagem indevida. Foram elocubrações que deram origem ao bordão “não temos provas, mas temos convicção”.

Como bem recordou o ministro Edson Fachin em seu relatório no HC 193726, o próprio STF já havia restringido o alcance da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, inicialmente retirando daquele juízo os casos que não se relacionavam com os desvios na Petrobras.

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Em razão dessa decisão, as investigações iniciadas com as delações premiadas da Odebrecht, OAS e J&F, que antes estavam no âmbito da Lava Jato, passaram a ser distribuídas para varas federais em todo o país, segundo o local onde teriam ocorrido os supostos delitos.

Sobre o tema da suspeição de Sérgio Moro, que volta à pauta nesta quarta-feira já com maioria formada de 7 a 2, restam proferir seus votos o ministro Marco Aurélio, que fez o pedido de vista, e Luiz Fux, que sendo presidente vota por último.

Se a tendência se confirmar, diante das manifestações já feitas, Marco Aurélio e Fux votam contra a maioria e teremos um placar final de 7 a 4, reconhecendo a Corte que apenas nas hipóteses expressamente previstas no Regimento Interno do STF o plenário pode revisar decisões das turmas, como é o caso dos embargos infringentes ou de divergência e revisão criminal.

A decisão importa, sobremaneira, para a segurança jurídica do processamento no âmbito do STF, haja vista que a revisão fora das possibilidades regimentais criaria um sistema de competências e de recursos internos sem parâmetros legais, sendo suficiente que o relator ou qualquer outro ministro trouxesse uma questão de ordem sobre a afetação ou a prejudicialidade de um processo de competência das turmas já julgado, para que o plenário pudesse rever integralmente o acórdão proferido.

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Se a operação Lava Jato fosse uma série de televisão séria talvez pudéssemos dizer que a saga está chegando ao seu final. Por outro lado, se fosse o enredo de “O Mecanismo”, precisaria de várias temporadas para que o roteiro pudesse corrigir as manipulações feitas e a transformação dos personagens em caricaturas de si mesmos, supostamente para conseguir “efeitos dramáticos”, como afirmado pelo diretor José Padilha.

Findo o julgamento no Plenário do STF, deverá a Segunda Turma fazer a extensão da decisão já publicada da ação do Tríplex aos demais casos, uma vez que juiz suspeito em relação a um cidadão não se restringe a uma ação, mas a todas, sobretudo se estiverem dentro do mesmo escopo investigativo.

Registre-se, por relevante, que o tema, além de expressa previsão legal no Código de Processo Penal, nos artigos 580 e 654, §2º, é parte da jurisprudência do STF. Os fundamentos e fatos apresentados que demonstram a suspeição de Sérgio Moro, já reconhecida pelo colegiado, não se vinculam a um ou outro processo, mas a todos que o ex-juiz conduziu contra o ex-presidente Lula. Há uma identidade na situação jurídica, mesmas partes e mesmos elementos.

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A narrativa introduzida pelos meios de comunicação comerciais durante os quase 7 anos de existência formal da Lava Jato venderam uma simbologia de bem e mal, heróis e vilões, corruptos e honestos. Pelo contraste agudo, nessa experiência apenas imaginária, os conflitos se resolveriam com a vitória dos bons contra os maus. Os níveis de consciência eram intoxicados por platitudes e pela incapacidade de pensamento acerca dos abusos cometidos pelos agentes públicos responsáveis pela investigação, processamento e julgamento.

Ao se descortinarem os fatos diante dos quais as intenções dos “heróis” diziam respeito ao que de pior se pode conceber, revelou-se que seus motivos eram os mais torpes, com objetivos particulares e nada republicanos, e que havia uma história acontecendo simultaneamente enquanto outra era contada.

A complexidade do que foi produzido no Brasil, tendo os atores da Lava Jato como protagonistas, simboliza uma trajetória do sistema de justiça que precisa de uma compreensão mais profunda e mais ampla sobre sua dimensão trágica. Ainda existem capítulos a escrever, sobretudo acerca da responsabilidade civil, penal e administrativa dos agentes públicos que criaram a farsa jurídica.

Tal qual a ficção, a realidade precisa de um bom roteiro.

 

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo